segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Mangás sob ameaça? Acho que não, mas...



Estou postando aqui essa matéria do jornal O Globo não porque concorde que os mangás estão sob ameaça, aliás, considero essa história de competição com a China, ou mesmo Coréia, uma bobagem, mas por tocar lá pelas tantas no papel da internet, sua importância para o futuro da indústria. Pelo título, abri pensando que seria uma matéria falando da lei de Tokyo e ecoando os exageros que volta e meia pipocam por aí, mas acho que o título foi um equívoco mesmo. Fora, claro, que o povo confunde mangá com anime... Nessa altura do campeonato é complicado ainda acontecer isso. Enfim, vale a leitura.

Mangás sob ameaça

O silêncio que impera nos trens lotados do metrô de Tóquio faz qualquer outro sistema de transporte do mundo parecer uma bagunça. A população segue à risca a regra de não falar ao celular, e as conversas — quando acontecem — são sempre ao pé do ouvido. Os mangás ajudam a ocupar o trajeto, não importa a idade das mãos que folheiam as onipresentes revistinhas. Os quadrinhos criados no Japão, com sua estética única, são uma referência mundial, tão pop quanto o sushi. Mas são uma arte que está sob bombardeio.

Muitos dos desenhos animados japoneses — os animês —, que marcaram diferentes gerações de espectadores, nasceram como mangás. Dos heróis de capa preta de “Matrix” à francesinha Amélie Poulin, o cinema ocidental busca frequentemente inspiração nos quadrinhos nipônicos. Eles também estão na raiz das multidões de cosplayers que se reúnem em convenções tanto no Rio quanto em Seul, fantasiados de personagens como Astro Boy, Naruto ou Sailor Moon. O traço japonês, acompanhado por histórias densas, parece mais influente do que nunca, mas as vendas de mangás estão despencando, atingidas, como toda forma tradicional de entretenimento, por uma nova realidade.

China e Coreia do Sul entram no mercado de HQs

Nos EUA, a circulação chegou a cair à metade desde 2007. No Japão, a indústria ainda movimenta US$ 5 bilhões, mas compram-se cada vez menos HQs (em 2010 houve queda de 7%). Crise econômica, envelhecimento da população, pirataria e concorrência digital — sim, além dos mangás, são os smartphones que distraem os passageiros do metrô de Tóquio — estão entre as razões para a redução nos últimos anos.

Outro ponto vem provocando debate entre os especialistas: países que sempre foram grandes consumidores das HQs japonesas aprenderam a técnica e agora querem desenvolver seu próprio mercado. China e Coreia do Sul, que já tiraram espaço de indústrias nipônicas tradicionais, como as de carros e eletrônicos, também estão apontando suas armas para o coração da cultura pop nascida no Japão. Este ano, um concurso promovido pelo governo japonês — o International Manga Award — deu o prêmio principal, pela primeira vez desde que foi criado, para um artista chinês, a cartunista Xiao Bai. A competição é para estrangeiros, mas o fato de a China dominar a festa não passou despercebida. A história vencedora é sobre uma jovem heroína de olhos grandes e cabelos longos que encontra o filho vindo do futuro para impedir a morte prematura da mãe — enredo e traços que têm tudo a ver com a escola japonesa. Outra chinesa que conseguiu invadir a terra sagrada dos quadrinhos nipônicos foi Zi Bu Yu, mocinha de madeixas negras até o quadril e bochechas cor-de-rosa, cujo próprio rosto parece saído de um desenho animado. Suas criações foram parar na revista “Ultra Jump”, uma das bíblias dos fãs de mangá.

— A criação chinesa ainda não é tão sofisticada quanto a japonesa, que tem pelo menos 60 anos de História. Os japoneses desenvolvem seus mangás e animês para o público interno, e essa falta de preocupação com um mercado amplo demais dá a eles um alto nível de qualidade. Os artistas foram influenciados pela cultura americana, mas o conteúdo é japonês. Os chineses deveriam fazer o mesmo para criar uma arte original — diz Roland Kelts, autor do livro “Japanamerica”, sobre a invasão da cultura pop japonesa nos EUA.

Vista como vilã, internet pode ser aliada de editoras e estúdios

Kelts, que dá aulas sobre o assunto em universidades de Tóquio e Nova York, não acredita que o principal problema dos mangás e animês seja a concorrência chinesa ou coreana. Ele acha que as editoras e os estúdios japoneses, que transformam os quadrinhos em desenhos e séries de TV ou longas, não sabem divulgar seus produtos com eficiência globalizada e poderiam estar falando com um número muito maior de fãs espalhados pelo mundo.

— A última convenção de cosplay em Nova York reuniu cem mil pessoas, em outubro. É um público incrível, e a Marvel (gigante dos quadrinhos americana) montou um estande imenso para anunciar suas produções. As empresas japonesas ainda não entenderam o potencial desses encontros. Nos EUA, todos sabem se um personagem é da Disney ou da Pixar, e você encontra todas as informações nos sites. Os japoneses não exploram bem essa interatividade — diz Kelts.

Christopher MacDonald, responsável pelo site Anime News Network, uma das mais respeitadas fontes sobre quadrinhos e animações japonesas, concorda que a web, sempre apontada como a vilã que está afundando negócios tradicionais, pode também ser encarada como salvadora, desde que a indústria saiba se adaptar aos novos tempos.

— Os números das vendas de mangás e animês estão caindo, mas o interesse pela cultura pop japonesa está crescendo. As convenções de fãs mobilizam 1,2 milhão de pessoas. Sites onde você pode ver as produções legalmente, de graça, despertam interesse e atraem novos consumidores — diz o especialista.

MacDonald acha que a qualidade dos quadrinhos chineses e coreanos está crescendo, mas ainda aposta na excelência japonesa nessa área — capaz de espalhar febres pelo mundo, como Pokémon, ou influenciar a obra de nomes como Quentin Tarantino.

Um passeio a Akihabara, bairro de Tóquio que é considerado a meca dos fãs de mangás, animês e tudo o que gira em torno dessa estética, elimina qualquer sensação de crise. O lugar está sempre cheio. Para os leigos parece um universo paralelo, onde bonecos são comprados por milhares de dólares, marmanjos se vestem de super-heróis e garçonetes usam vestidinhos de babado com meia 7/8, e falam com voz infantil, como se todos os clientes tivessem 12 anos. A realidade ali não tem a menor importância.

1 pessoas comentaram:

O artigo me pareceu escrito por alguém que está vendo a cena de fora. É bem verdade que o avanço tecnológico ajudou a pulverizar público, mas sempre haverá espaço para publicações em papel (assim como os livros, que muitos acreditavam que seriam extintos com a chegada dos e-books). Acredito que em tiragens menores e para um público mais direcionado. A entrada de outros países na produção de quadrinhos em estilo mangá também, parece mais uma ampliação do leque de opções do que uma 'ameaça' às produções 'de raiz'!

PS: gosto muito do seu blog, vc sempre escreve de maneira clara e lúcida sobre os mais variados temas, dá gosto de ler!

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