domingo, 9 de setembro de 2012

Ainda Parade's End ou como Benedict Cumberbatch salvou uma personagem chata.



Eu tinha me prometido não comentar sobre Parade’s End hoje, mas não resisti. Comecei a ler o livro e um turbilhão de coisas veio na minha cabeça. Quer dizer, não garanto ir até o fim das mais de 900 páginas do livro de Fox Madox Fox, mas é interessante poder comparar a minissérie e os livros. Fox publicou a sua tetralogia entre 1924 e 1928, nessa ordem: Some Do Not … (1924), No More Parades (1925), A Man Could Stand Up — (1926), e Last Post (1928). O protagonista dos quatro livros é Christopher Tietjens, "the last Tory". Quem está vendo a série – e eu sei que no Brasil é pouca gente mesmo – sabe que a I Guerra, tema importantíssimo nos livros, que tem recorte autobriográfico, vai ficar em segundo plano em relação ao triângulo amoroso, que de amoroso não tem nada, salvo se considerarmos que Sylvia ama o marido, coisa que a minissérie não me sugere e o livro até agora muito menos, ou Tietjens tenha dúvidas sobre quem ele deseja...

Pois bem, qual a razão de escrever este post? Ora, eu caminhei umas 50, 60 páginas no livro. Pouquíssima coisa mesmo dado o tamanho da obra. Só que algo que confirmei daquilo que tinha lido no The Guardian e em críticas por aí, é como a BBC poliu a personagem de Tietjens e como Benedict Cumberbatch, considerado em pesquisa o homem mais sexy (*não bonito, vejam bem*) pelas inglesas, foi bem escalado para dar ao protagonista uma aparência mais amigável. Para começo de conversa, o Tietjens original é alto (*como Cumberbatch*), um tanto desengonçado, obeso. Emagreceram a personagem consideravelmente. Veja que mesmo no livro o autor faz questão de enfatizar que ele era pesado demais para um homem tão jovem (*26 anos*). Se não era esteticamente agradável em 1924, imagina hoje, com a ditadura da magreza. Por conta disso, escalaram um ator bem magro e elegante. Ainda que a interpretação de Cumberbatch tente trazer um pouco desse ar sem graça, tímido e desengonçado do original.


Agora, o que foi ripado totalmente é o racismo e classismo de Tietjens. Ele despreza as classes inferiores, ainda que veja nelas a salvação e futuro da nação, já que os aristocratas se corromperam (*menos ele, claro*). Ele é um sujeito cheio de manias e se veste mal, coisa que seu amigo MacMaster – o único ex-pobre e alpinista social que mora no coração de Tietjens – considera privilégio dos bem nascidos. Fosse ele fazer as coisas da forma que o Tietjens faz, seria a morte social. Esse ar de desprezo pelo mundo é muito forte mesmo. Tietjens é um chato arrogante boa parte do tempo. Vejam, o livro em si não é chato, mas o protagonista é, sim. Como fazer o povo de hoje simpatizar com ele? Além de entregar o papel para o Benny, colocar em evidência as boas qualidades da personagem original – cavalheirismo, honra, amor pelo filho que pode ser bastardo, gentileza com os animais – e esconder as outras. Tietjens na minissérie é um aristocrata, mas ele está longe de ser esnobe como outros de seu círculo, ou como Sylvia, sua esposa.

E a Sylvia? Até agora, é igualzinha à minissérie. Como eu estou ouvindo as vozes dos atores quando leio – especialmente Rebecca Hall e o Cumberbatch – a associação é muito forte. E minha “teoria do brinquedo” (*é meu para fazer o que quiser*) se confirmou. Há uma passagem em que o autor diz que Sylvia acha que todos os homens devem lhe prestar homenagem, se arrastar aos seus pés. A passagem do general dizendo que Tietjens deveria beijar os pés da esposa foi mudada de lugar na minissérie, colocada quando a desconfiança em relação a ele e Valentine começa a gerar fofoca, mas no livro, ela vem muito antes dos dois se conhecerem. Ela também ofende e humilha o marido, chamando-o de “ox” (boi) e o ridicularizando por ser gordo, caçula e ainda espalha na alta sociedade que ele é imoral (*ser imoral, para ela é discordar do que ela pensa e vencer a discussão*), coisa que ninguém acredita, já que Christopher é a propriedade em pessoa. Só que, mais tarde, essas lamúrias da mulher vão servir de ponto de partida para a política de difamação.

O "tio" padre de Sylvia diz com todas as letras que Tietjens deveria se valer do fato de ser protestante e pedir o divórcio, porque nenhum homem merece uma mulher leviana como ela. No livro, ela diz odiar o filho e que faria mal a ele, o corromperia para ferir o marido. Na série Sylvia não expressa nada disso. Até agora, não se falou da seqüência do trema, quando eles se conhecem, espero que ela me ajude a entender o que a série não conseguiu, isto é, como Christopher cometeu um ato tão "mal comportado", por assim dizer. Agora, algo que eu desconfio é que talvez ele fosse virgem quando conheceu (*inclusive biblicamente*) a Sylvia.


Acho muito doentio – mesmo com certo verniz que estão dando em Sylvia – que muitas mulheres estejam torcendo para ela ficar com o marido, afinal, se eu não quero que uma mulher seja vítima de um abusador, coisa muito mais comum, não vou torcer para um homem, mesmo com muitos defeitos, fique nas mãos de uma abusadora. Sylvia é isso, além de inconseqüente, egoísta, e frívola.

Sylvia, que começa o livro com 30 anos, parece na descrição, uma das belas ruivas pintadas por Dante Gabriel Rossetti. Fox, o autor, é sobrinho do grande pintor e poeta Pré-Rafaelita, Parade's End está cheio de referências ao movimento e críticas, também. E, coisa que foi cortada da minissérie, são as longas discussões dos dois sobre arte e poesia pré-rafaelita. Tietjens nunca começa, mas sempre tem a última palavra, já que ele esculhamba geral com a poética e romances de inspiração pré-rafaelita, dizendo que os artistas usam de subterfúgios – amor romântico – para justificar o adultério. Ele, Tietjens, é pela monogamia e castidade (*isso fica na série*), mas entende o adultério, desde que seja feito da forma tradicional e sem essas firulas. :P Mas dessa discussão, que abre o livro 1, a ida para o campo, o jogo de golfe, sai uma pérola de Tietjens cortada da série “There has been nothing worth reading written in England since the eighteenth century , except by a woman” (Não há nada que mereça ser lido escrito na Inglaterra desde o século XVIII, exceto por uma mulher) . Daí, comecei a pensar... Jane Austen? Nada! Mais adiante sabemos que é Mrs. Wannop.

Na série, fica evidente o interesse de Tietjens pela mãe de Valentine, e que ele a ajuda com informações para incrementar seus romances, que eles trocam correspondência. Só que tudo depois dele conhecer a filha... No livro, ele é fã da autora a ponto de me soltar essa frase. Eu não pude deixar de rir. Todo o livro tem tom de crítica – pelo menos até o momento – àquela sociedade eduardiana decadente. As opiniões de Christopher não devem, portanto, serem levadas à sério demais. Tietjens não é poupado pelo livro, já na minissérie, fazem toda a limpeza da personagem e a encaixam no corpinho interessante do Benedict Cumberbatch... Não que Tietjens seja mau, ele só é uma criatura tão cheia de defeitos que na balança talvez ele pudesse inspirar menos simpatia.


Enfim, Valentine é muito parecida com a da série. No livro, ela é mais atlética, seu desempenho em corrida e salto são informações que Tietjens comenta. Na série, a coisa fica apagadinha, mas está lá no primeiro capítulo. E ele se torna professora de educação física. Ah, sim, há muito mais discussão sobre a questão dos direitos das mulheres e o voto. A posição de Tietjens é aquela que a série sinaliza, ele não é a favor, no mundinho ideal dele, os lordes decidiriam tudo para o bem geral, mas as mulheres não podem ficar à mercê de maus governos. Enfim, eu devo ler mais um pouco do livro hoje. Mas uma coisa é certa, sem o carisma do Benny, Mr. Tietjens não teria metade do seu encanto...
P.S.: Cortarem a cena do padre ameaçando exorcizar a Sylvia depois que ela diz que vai corromper o filho para se vingar do Chrissie foi maldade. Essa cena iria ser uma beleza... O livro tem seus momentos de humor, pena que a série opte pelo drama e só o drama.

3 pessoas comentaram:

Talvez algumas pessoas que 'torcem' por Sylvia, esperam na verdade a redenção dela e não vejam a situação como um homem a mercê da abusadora.

Não vi ninguém falando em redenção, vi gente se derramando de admiração por uma pessoa doentia. aliás, o livro mais que confirma isso.

Bela resenha. Acabei de assistir a Minissérie e o interesse de ler o livro é grande. Verdade que colocar Benedict para dar vida a Christopher Tietjens aumentou as chances do publico simpatizar com o personagem, mas ainda assim é um sujeito que em certos momentos dá nos nervos. E Sylvia? Que comportamento doentio... Mesmo que em alguns momentos eu entenda aonde ela quer chegar com o comportamento que tem para com o marido (mas ela pega a via errada, bem distorcida afinal.No todo achei uma ótima produção e quem sabe ler os livros para entender melhor os personagens.

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