domingo, 11 de agosto de 2013

Guestpost: "E se o Doutor fosse mulher?" Moffat e a polêmica sobre a não-escolha de um "Doctor" mulher


Não assisto Doctor Who (*mesmo com tantos amig@s tentando me convencer a embarcar na série*), mas, volta e meia, acompanho as notícias e os barracos relacionados à série.  Não sabia quem era o Steven Moffat até começar a assistir Sherlock da BBC.  A partir daí me deparei com opiniões diversas.  Muita gente diz que ele é um gênio, e acho uma graça ver certas “crianças” que nunca leram um conto de Sherlock Holmes louvando o sujeito como se ele tivesse criado Holmes e Watson; outros elogiam suas excelentes sacadas, afinal, Sherlock – que é o que eu assisto – é uma série com grandes méritos; e há, claro, as acusações de machismo e até misoginia em Doctor Who por causa do Moffat, coisa para qual atento muito como feminista e que pontuei em vários de mais textos sobre Sherlock, especialmente o relacionado ao episódio da Irene Adler, a Scandal in Belgravia.

Pois bem, sabia que iriam escolher um novo Doctor, ainda que não soubesse dessa história muito interessante de regeneração com manutenção de memórias, e vi a reação da Érika, uma querida amiga über-nerd que respeito muito, no Twitter no dia em que fizeram o anúncio.  Ela não estava aborrecida com a escolha do Peter Capaldi – um Doctor maduro, quando muita gente apostava em um rapaz mais jovem – e caucasiano – quando o desejo de alguns era que um ator não-branco assumisse o papel, mas pelas grosserias do Moffat para com a Helen Mirren – que para os “novinhos” é “a Rainha”, mas, para mim, será sempre a Morgana de Excalibur – que disse que era hora de um Doctor mulher.  E por que, não?  Moffat poderia ter se expressado a respeito sem destilar sua misoginia, mas, enfim, não foi o que aconteceu.  Como eu não acompanho Doctor Who, não poderia escrever sobre isso, daí, perguntei para a Érika: “Quer escrever sobre a questão para o Shoujo Café?” Ela aceitou e eu estou publicando o seu texto.  Para quem não lembra, a Érika fez uma review da edição americana do Coração de Thomas para o blog.  O link é este aqui.  Segue o texto.




Não sei quantos de vocês acompanham Doctor Who. É uma série de tv de ficção científica da inglesa BBC. Um resumo básico e rasteiro para aqueles que não são familiares com a série: The Doctor, o personagem principal, é um alienígena que viaja no tempo e espaço usando a TARDIS, sua nave, e quase sempre acompanhado por uma companheira humana. Bem, Doctor Who atualmente possui algo em comum com a série Sherlock, também da BBC, e muito querida aqui no Shoujo Café: o produtor e roteirista Steven Moffat. Ele assumiu Doctor Who em 2010, mesmo ano de estreia de Sherlock, após a saída de Davies T. Russell como produtor executivo, e tem sido o show-runner desde então. O problema é que, aparentemente, ele não tem sido recebido com muito agrado pelos fãs. O pico foi neste domingo, dia 04/08, quando do anúncio do ator que substituirá Matt Smith no papel do epônimo “Doctor”.

The Doctor possui a capacidade de “regenerar” quando mortalmente ferido, tornando-se uma nova pessoa com todas as memórias anteriores. — É a desculpa perfeita para manter a série por tanto tempo, mudando o elenco sem perder seu protagonista. A série estreou em 1963, e é tão parte da cultura inglesa que até mesmo a rainha Elizabeth II é fã. Então a cada nova “regeneração”, rola um burburinho nas mídias sobre quem assumirá o papel.


Antes do anúncio do veterano Peter Capaldi para o 12º Doctor, houve muitas conjecturas de quem assumiria o papel; até mesmo apostas foram realizadas sobre a contratação desse ou daquele ator.  Logo a internet se movimentou, com suposições e sugestões para o novo Doctor. Mas no turbilhão de nomes e imagens, notou-se uma coisa: muitos manifestavam o desejo de enfim termos um Doutor do sexo feminino.

A coisa logo saiu da esfera de sites majoritariamente ocupados por fãs, como o Tumblr, e grandes nomes como Dame Helen Mirren, por exemplo, deram opiniões favoráveis a uma atriz ser escalada para o famoso papel. Quando Capaldi foi apresentado, obviamente as reações foram diversas. Alguns respiraram aliviados, outros reviraram os olhos pela escolha de outro ator branco, e a parte que desejava uma mulher no papel ficou na expectativa para saber o porquê. E a resposta veio no vídeo de apresentação do novo Doctor. Aos 22:50, Steven Moffat diz:
“I like that Helen Mirren has been saying that the next doctor should be a woman. I would like to go on record and say that the queen should be played by a man.” (“Eu gosto que Helen Mirren tenha dito que o próximo doutor deveria ser uma mulher. Eu gostaria de deixar registrado que a rainha deveria ser interpretada por um homem”).
Deve ter soado muito engraçado em sua cabeça, mas achei incrivelmente machista uma afirmação dessas. Para quê o escárnio, a piada de mau gosto? Em entrevista ao Digital Spy, questionado sobre o assunto, Moffat disse que “não parecia o certo” para agora, e que sentiu “que muitas pessoas não iriam querer isso”. Ele insistiu que muitas mulheres foram veementes contra a escolha de uma atriz.


Brian Cox e Stephen Hawking, famosos cientistas, deram depoimento no mesmíssimo vídeo afirmando que gostariam de ver uma mulher papel.  Céus, uma olhada rápida no Tumblr mostra a quantidade de pessoas desejando uma reencarnação feminina. A bem da verdade, muitas pessoas têm sim temor de que o Doctor seja uma mulher, mas não pelo sexo da personagem, e sim pelo que seria dela nas mãos de um roteirista/produtor claramente conhecido por sua inabilidade em retratar mulheres pelo que elas são: pessoas.

Nesses posts, no Tumblr, uma moça (a excelente @gingerhazing) põe em palavras um sentimento que tem me incomodado desde que Moffat assumiu Doctor Who: as personagens secundárias não tomaram decisões pessoais por si mesmas, absolutamente tudo o que aconteceu em suas vidas foi por influência do Doctor. Ele apenas chega e diz à Amy ou à River o quão incrível elas são, mas nós espectadores não vemos isso. Elas não agem, elas apenas... estão. Compare com as companheiras anteriores (Rose, Martha e Donna), que tinham vida antes do Doctor aparecer, que influenciaram o curso dos acontecimentos (Bad Wolf, Martha contra Saxon, e The Doctor-Donna) e que seguiram suas vidas depois. Ora, a Martha escolheu viver sem o Doctor, a favor de sua carreira médica e da família.


Há sexismo por parte do fandom? Sim, há. Quantos tweets e posts não vemos com fãs praticamente gritando “Xô, mocréia!” quando uma personagem feminina é anunciada em suas séries favoritas? Quantas fujoshis não pensam que o bromance está acima de uma representação igualitária? Quantos fãs no geral não preferem que não haja mulheres se isso significar menos fanservice e menos representações sexistas?

 Mas isso não exime um roteirista, é dele a culpa de deixar-se contaminar pela própria misoginia e não saber escrever personagens femininas verossímeis. Então não adianta o Moffat vir dizendo que não haverá uma versão feminina do Doctor porque mulheres lhe disseram que não queriam. Não adianta querer que achemos normal o Sherlock tratar mal as mulheres da série, “porque ele é assim” e ficar por isso mesmo. O backlash que Irene Adler sofreu em suas mãos, a figura masculina heroico-messiânica que o Doctor se tornou; tudo isso é culpa do Moffat e é obrigação dos fãs criticar isso. É obrigação nossa, fãs em geral, criticar a má representação das mulheres nas mídias de entretenimento (filmes, séries, quadrinhos, games). Ignorar e deixar por isso mesmo não resolve nada.


P.S: O escritor Neil Gaiman postou (em inglês) em seu Tumblr sua opinião sobre um possível Doctor negro e o que ele pensa sobre uma mulher no papel. Vale a pena ler, especialmente porque foi ele, no episódio “The Doctor’sWife”, quem tornou cânone que um Time Lord (a raça do Doctor) possa mudar de sexo ao regenerar.

P.S.2: Quanto o fato do fandom de Doctor Who estar ressabiado com o Moffat, eu me refiro, dentre outras coisas, à ameaça feita aos fãs que foram à San Diego Comic Con 2013 para que não divulgassem o trailer do especial de 50 anos. Tenso.

P.S.3: Para saber mais, recomendo esse artigo do sempre ótimo The Mary Sue.

8 pessoas comentaram:

Adorei a leitura e concordo!
Mas tenho uma dúvida - que me ocorreu durante a leitura:
-seria possível a não aceitação de um ator negro para o papel principal a necessidade de perpetuar a "identidade branca" inglesa?
[olha, se a pergunta for bizarra, burra ou qq coisa, me perdoem, porque não acompanho a série, na vdd sequer me chama a atenção, mas se alguém puder me responder, agradeceria. aliás, foge da temática feminista, que me gerou outra dúvida, mas depois pergunto XDD]

Oq a senhora acha de Bates Motel?

Clamp, não conheço esta série, não.

Boa pergunta, Dammy!

Segundo o Neil Gaiman, o papel foi oferecido a um ator negro - que recusou a oferta. Já o Moffat diz que tinha apenas Peter Capaldi em mente. Mistério, mas confio no Neil.

Preciso ver como é a situação de pessoas negras no interior do Reino Unido, mas sei que Londres é uma capital absolutamente cosmopolita. Resta saber o quanto isso influencia no casting. Das séries inglesas que já vi, os negros ainda são minoria.

Eu faço parte do fandom e pelo menos entre o pessoal mais esclarecido (uma quantidade razoável aqui no Brasil, felizmente) não possui nada contra uma Doutora mulher e/ou um Doutor negro (ou descendente de indianos ou paquistaneses, que são uma minoria bem numerosa na Inglaterra). É que se acontecer ainda sob a direção do Moffat, a série vai virar festival de estereótipos ou de fanservice canhestro.

Sim, os Doutores mais recentes (e alguns mais antigos) têm toda aquela fama de sex symbol nerd, mas como posso dizer... não é algo forçado: eles não ficam sem camisa o tempo inteiro, raramente flertam com outros personagens (isso está mudando, mas comparando com o resto da série ainda é pouco). Uma Doutora na mão do Moffat iria ter um figurino super apelativo e uma personalidade bem no estilo da Adler de Sherlock, completamente out of character.

E no caso de um negro iria bater nos estereótipos, em coisas irreais do tipo "não há negros na Europa medieval, vamos fazê-lo ser sequestrado para ser escravo!" e bizarrices do tipo.

O problema é o showrunner, mesmo :P

Me ha chocado mucho ver un post sobre Doctor Who en tu blog, ¡me ha encantado!

Moffat es un pésimo showrunner, no me gustó nada como trató el tema de Irene Adler en Sherlock, parece que no haya leído la novela.

En cuanto a lo de que el Doctor sea una mujer, espero que nunca den el paso. En la civilización del Doctor, los Time Lords, ya había mujeres y hombres y ya está, no cambiaban de sexo. Esto es algo que se sacaron de la manga en un capítulo que escribió Neil Gaiman. ¿Qué el Doctor fuera negro? no supondría un problema.

El problema de Moffat es que a veces parece que sea un machista de mucho cuidado.

Erika meus parabéns pelo texto, de forma bem direta acredito que você tenha conseguido cobrir grande parte da discussão.

Só uma correção: o Neil disse que o papel do Doctor foi orefecido a um ator negro em uma regeneração anterior ao 12th, alguém teve a mesma dúvida e ele esclareceu aqui: http://neil-gaiman.tumblr.com/post/57594261487/did-the-unnamed-black-actor-turn-down-the-role-for-the. No caso ele e Moffat não chegaram a se contradizer.

Bates Motel é uma série q está passando no canal A&E. A série é um prelúdio de Psicose(1960). A série conta as origens de um dos psicopatas mais marcantes do cinema. A série conta a história de Norma Bates antes dos eventos que acompanhamos no filme de Alfred Hitchcock, Psicose. Igual a série Smallville fez nesse aspecto.
A série tem 10 eps em sua primeira temporada e já foi confirmada uma segunda temporada, devido o seu sucesso.

Eis um trailer se ficar interessada: http://www.youtube.com/watch?v=DRNNf3motu4

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