quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Post 4: Semana da Consciência Negra


Quantos estilistas negros ou negras temos hoje?  Eu não sou especialista em moda, mas, ainda assim, poderia citar de cabeça vários estilistas, a maioria homens, mas algumas mulheres, que estão no ramo da alta costura.  Negros, nenhum.  Aproveitando a semana da consciência negra, decidi falar de Ann Cole Lowe (1898-1981), a primeira grande estilista negra norte americana, talvez, a primeira do mundo a não ser “simplesmente” (*porque costurar bem é uma arte, então, estou sendo irônica*) costureira.

Lowe nasceu no Alabama, estado racista do sul dos EUA.  Sua mãe e avó eram costureiras que trabalhavam para famílias poderosas.  Lowe aprendeu com elas sua profissão.  Quando a mãe morreu deixando vários vestidos de baile inacabados, Lowe, aos 16 anos, terminou as encomendas e começou a fazer seu nome.  Casou-se em 1912 e seu marido exigiu que ela largasse a profissão.  Vejam aí o machismo atrapalhando a carreira de uma mulher... Ela aceitou por algum tempo, mas ao ser contratada por uma mulher da Flórida para fazer seu vestido, ela decidiu escolher e foi uma ação corajosa: largou o marido e mergulhou na carreira.  Imaginem, agora, se ela tivesse aceitado?  Imaginem, também, se um homem seria submetido a essa escolha: ou uma carreira ou o casamento?  Não existe igualdade aqui.   E não ter carreira, significava dependência.

Ainda hoje, com toda a informação,
há quem não credite Lowe pelo vestido de Olivia de Havilland. 
Em 1917, Lowe se mudou para Nova York com o filho e se inscreveu na prestigiada S.T. Taylor Design School.  Como a instituição era segregada, ela tinha aula sozinha em uma sala.  Formou-se em 1919 e se mudou para a Flórida.  Lá, ela conseguiu abrir seu primeiro ateliê, o “Annie Cohen”, que se tornou conhecido entre as famílias importantes da região.  Tendo acumulado certo capital, Lowe retornou para Nova York e passou a trabalhar em maisons importantes, mas não era creditada, ou, pelo menos, não com seu nome.  Em 1946, Olivia de Havilland ganhou o Oscar de melhor atriz usando um de seus vestidos, mas a estilista creditada não foi o de Ann Cole Lowe, mas Sonia Rosemberg.

Lowe decidiu estabelecer seu próprio sateliê em 1950 e receber os créditos pelo seu trabalho.  Escolheu uma área de prestígio em Nova York, tinha clientes de famílias poderosas e tradicionais, como os Rockeller, mas, ainda assim, sua identidade era pouco conhecida.  O New York Post chama Lowe de “o segredo mais bem guardado” da alta sociedade norte americana.  

A criação que foi o ápice de sua fama.
Mesmo quando seu trabalho mais conhecido, o vestido de noiva da futura primeira dama Jacqueline Kennedy tornou-se notícia em 12 de setembro de 1953, as análises minuciosas do vestido em várias publicações pareciam omitir a artista responsável pela obra.  O fato é que Lowe era muito seletiva com suas clientes, ela mesma se chamou de esnobe, mas, ainda assim, seus lucros não era suficientes para pagar seus funcionários, impostos e sustentá-la adequadamente.   Ela perdeu seu ateliê em 1962, no mesmo ano, ela perdeu o olho direito por causa de um glaucoma. 

Enquanto se recuperava, um doador/a anônimo/a, talvez um dos clientes endinheirados que adoravam suas produções, mas não admitiam publicamente que a estilista era uma mulher negra, pagou suas dívidas e Lowe pode voltar a trabalhar.  Ela ainda teve catarata no olho esquerdo, mas conseguiu salvá-lo e abriu um novo ateliê, o Ann Lowe Originals, em 1968.  Ela se aposentou em 1972.

Ann Lowe na edição de dezembro de 1966
da Ebony Magazine
Lowe ainda teve um segundo casamento, mas foi abandonada pelo marido, porque ele, também, não queria ter uma esposa com uma profissão, alguém, nas palavras da própria estilista, que levanta-se durante a noite para terminar uma encomenda ou fazer o croqui de uma idéia súbita.  Lowe adotou uma menina, Ruth Alexander, e foi na casa desta filha que passou seus últimos dias e faleceu em 1981.

Agora, antes do fim, tentem imaginar quantas mulheres talentosas tiveram suas carreiras obstruídas por preconceitos de gênero, classe e raciais.[1]  Tentem imaginar se Lowe tivesse acatado as exigências de seus maridos.  Será que ela seria feliz?  Imaginem quantas espetaculares costureiras – brancas ou negras – tiveram seu trabalho criativo apropriado por patrões (*e até patroas*) que assinavam as produções?  Imaginem, também, quantas tiveram que se esconder atrás de pseudônimos, porque, bem, seu nome denunciaria suas origens.  

Lowe em seu ateliê 
Antes de usarem frases como “nenhuma mulher/negro/whatever nunca foi relevante na área X ou Y”   pensem em quantos não puderam levar adiante suas vocações, quantos tiveram seu trabalho roubado, quantos não puderam desenvolver plenamente suas potencialidades.  E pesquisem, claro, porque há informação sobre negros, negras, mulheres em geral, relevantes em várias áreas, mas que aparecem marginalmente nos livros de filosofia, ciência, arte, design etc., ou não aparecem, pois os autores não conseguem sequer enxergá-los ou problematizar a história.  E mais, estude, porque, bem, você pode, simplesmente não estar devidamente informado/a dos fatos.

P.S.: Estou me coçando para escrever sobre o Master Chef Profissionais, o primeiro que assisto, e comentar o desprezo dos participantes pela capacidade da Dayse.  O último programa foi o ápice de uma série de discriminações pautadas em gênero (*Marcelo pode ser genial, e é, mas é um machista como o Ivo*), classe (*ainda que ela não seja pobre, nem povão, eu não tenho certeza, ela parece ser*) e de padrões de beleza (*ela não é alta, magra, branca etc.*).

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