domingo, 16 de julho de 2017

Um pequeno post sobre Aladdin que, na verdade, não era indiano, mas chinês


Aladdin (1992) não é meu filme favorito da Disney, nem Jasmine é minha princesa favorita, mas considero a animação uma das grandes produções do Estúdio e comprei o disco recentemente para a Júlia.  Daí, revisitei a animação e, assim como Mulan (*que subiu no meu conceito revendo sei lá quantos anos depois*), preciso resenhar o material.  Sei que na semana passada rolou um barraco mundial em torno da escalação do elenco para o live action da Disney.  Eu estava com a internet limitada, cheguei hoje (*o avião desceu quase meia noite*) em casa e decidi comentar algo que me pegou de surpresa, vamos lá!

A polêmica da semana passada começou, ao que parece, quando a produção de Aladdin teria reclamado que "encontrar um astro principal na casa dos 20 anos que possa atuar e cantar tem se mostrado muito difícil — especialmente por que o estúdio quer alguém com ascendência no Oriente Médio ou indiana".   ("finding a male lead in his 20s who can act and sing has proven difficult — especially since the studio wants someone of Middle Eastern or Indian descent.”) O Buzzfeed fez, então, um post reunindo trocentas sugestões dadas pelo público da Internet, começando com o fato de que existe todo o segundo país mais populoso do mundo para procurar e que bastava digitar "Bollywood".  Enfim, vergonha alheia.  Repassei o link, entre outras coisas, porque a maioria dos atores citados pelo povo eram lindos.  

Avan Jogia, achei esse moço a cara do Aladdin da Disney.
Sempre que eu assisto Aladdin, imagino a história da Disney — a da Disney, friso bem — se passando em algum reino islamizado da grande Índia.  Olho para o protagonista, Jasmine e outras personagens, mesmo os figurantes e penso isso.  Sabia que o conto era das Mil e Uma Noites, cujo primeiro manuscrito data do século IX, da história de Sherazade e o sultão serial killer e tudo mais.  Só que apareceu um comentarista no meu Facebook que me informou que Aladdin, o do conto original, era chinês.  CHINÊS?!  Como assim?

Fui para a internet, olhei alguns artigos, o da Wikipedia está lá para ser consultado, afinal, e, bem, descobri um monte de coisas.  Enfim, na primeira versão, Aladdin era chinês e foi cooptado por um mago magrebino.  O Magreb é o Norte da África islamizada sem contar com o Egito.  Outra coisa, o Aladdin, o conto, é uma adição tardia ao conjunto das Mil e Uma Noites, apareceu nas compilações somente no século XVIII.  Esse Aladdin, não conhecia e, bem, ter acesso a essas informações só me faz pensar em quanto certas discussões são rasas.

Ilustração do Aladdin chinês direto da Wikipedia.
Já escrevi sobre representatividade (*Exemplos: 1 - 2*), de como se ver na tela é importante.  Hoje mesmo, a notícia que mobiliza os nerds na internet é que, pela primeira vez, Doctor Who será uma mulher.  Essas coisas são importantes, o whitewashing, isto é, colocar atores e atrizes caucasianos em papéis que deveriam ir para profissionais não-brancos, é recorrente em Hollywood, mas é preciso cuidado também ao apontar o dedo e acusar.  

Por exemplo, se alguém quiser adaptar Shoujo Kakumei Utena  (少女革命ウテナ) para os cinemas, se o filme for feito em Hollywood, tenham certeza de que não me verão exigindo um elenco nipônico, até porque a história se passa em um mundo imaginário e ninguém tem cabelo natural da cor de chiclete daquelas máquinas de bolinhas.  Agora, Anthy, de preferência, teria que ser uma atriz não-branca, porque efetivamente ela não é branca nem no mangá, nem no anime.  Agora, as outras personagens são caucasianas por causa disso?  Não.  O elenco poderia ser multirracial e ficaria lindo.  Espero ter sido clara.  O que quero dizer é que etnia nem sempre deveria estar no centro da discussão.

Utena e Anthy, versão anime para a TV.  A melhor de todas, aliás.
Voltando ao assunto, em uma busca purista, nosso Aladdin deveria ser chinês, mas alguém pensou nessa possibilidade?  Claro, e isso não discuto, aliás, para um ator não-branco estrelar Aladdin seria maravilhoso, e há inúmeros atores aptos a ocupar o papel do herói, manter a estética da animação, também.  Por isso, aliás, a declaração da equipe do filme foi ridicularizada.  Agora, se pensarmos que Aladdin foi composto, ou apropriado e difundido em um ambiente islamizado, apagando suas origens e tudo mais, qualquer um, absolutamente qualquer um, poderia ser Aladdin, porque, bem, qualquer um pode ser muçulmano.  

O Islã se expandiu até a China, Indonésia, Espanha, Norte da África, Europa Central, seja dentro do império, pela conquista militar, seja como fé por comerciantes e outros crentes.  Era comum, também, que eslavos fossem vendidos aos muçulmanos por cristãos europeus (*e a Igreja Católica condenou a prática durante a Idade Média*), ou outros grupos (*vide Roxelana, a amada do sultão Suleimão o Magnífico, que era russa, ou ucraniana*) assim como os muçulmanos do Norte da África faziam razias no Sul da Europa e capturavam cristãos.  Fora, claro, que muitas regiões ocupadas pelo Império árabe-Muçulmano tinham sido previamente gregas, romanas, e mesmo ocupadas por tribos germânicas (*visigodos na Península Ibérica, vândalos no Norte da África*).  Além disso, havia o fluxo de africanos escravizados para o Oriente Médio.  Enfim, o que quero dizer é que o ambiente que recebeu o conto do Aladdin chinês e o lapidou era plural, independente da visão estereotipada que muita gente tenha do mundo áraba-muçulmano.  Vide lá a resenha do documentário Bad Heel Arabs que fiz tempos atrás.  As pessoas, às vezes, querem buscar uma origem que, efetivamente, não existe.

Mena Massoud e Naomi Scott.
No fim das contas, um ator de ascendência egípcia,  Mena Massoud, será Aladdin.  Jasmine será interpretada por Naomi Scott, cuja mãe é de família indiana.  E o Gênio será Will Smith.  Falta o vilão, Jafar.  Pelo jeito, se seguirem na mesma batida, ele será um não branco, também.  Detalhe, já li reclamações sobre a escolha de Naomi Scott dizendo que era whitewashing.  Será que as pessoas estão realmente pensando e pesquisando antes de escrever?

3 pessoas comentaram:

Eu não conhecia essa história do Aladdin ser chinês também. Fiquei surpreso. ^^

https://www.youtube.com/watch?v=OIRgUQeZnO8

Já viu esse vídeo? Proposta de atores para interpretarem os príncipes. Vi há alguns meses e só descobri esse Avan Jogia porque nos comentários várias pessoas o citam. Tem mensagens escritas há nove meses, o que mostra que esse zum-zum-zum dele interpretar o Aladdin corre faz tempo.

Das dicas, o que eu concordo 100% é o Matt Bomer fazendo o príncipe Eric da Pequena Sereia. Dá uma olhada no vídeo. Ele é perfeito pro personagem! Igualzinho. E o Chris Hemsworth faria uma Fera bem mais interessante que o Dan Stevens, claro.

Ser mais interessante que o Dan Stevens não seria difícil...

Os norte-americanos tendo uma visão estereotipada do Oriente Médio não me surpreende, é típico deles. Agora brasileiros? Esse é um erro tão grave quanto assumir que todos os latinos são "mestizos". Do ponto de visto da representatividade, não contribui em nada, afinal, confundir etnia, "raça" e nacionalidade é o que leva a mais caucasianos ganhando todos os papéis. Só ver como personagens negras nos quadrinhos de Novos Mutantes serão interpretadas por atores brancos (na nossa visão brasileira) no filme da Fox, o que foi considerado aceitável nos EUA só porque os atores escolhidos são "brasileiros" e latino é tudo igual pra eles, né?

O Avan daria um ótimo Aladdin, fora que ainda tem carinha de novinho. O live action de Utena multirracial seria um sonho se realizando! Imagino uma Anthy indiana ou negra, quem sabe ambos.

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