segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Comentando o Segundo e o Terceiro Episódios de Little Women (BBC, 2017)

Vestidas para o casamento de Meg.
Terminei de assistir a minissérie da BBC adaptando Little Women, de Louisa May Alcott. Para quem não leu, a resenha do primeiro episódio pode ajudar e está aqui.  A atual versão não se tornou a minha adaptação favorita, tendo três horas, poderiam fazer melhor do que fizeram, mas foi, no geral, um trabalho bem executado, com o uso de metáforas visuais belíssimas e com algumas excelentes interpretações.  Acredito, também, que foi a primeira vez que um livro de uma mulher e sobre mulheres foi adaptado a partir de um ponto de vista feminino, já  que o roteiro de Heidi Thomas e a  direção de Vanessa Caswill.  Questiono algumas mudanças e opções, mas recomendo muito a série. Nos prós e contras, acredito que temos mais pontos positivos.  Provavelmente, deve encantar quem não assistiu nenhuma adaptação anterior.

Começamos o episódio dois com o duplo drama: Marmee está em Washington cuidando do marido gravemente enfermo, enquanto as filhas se desdobram em torno de Beth, que contraiu escarlatina. Aqui, praticamente tudo seguiu como nas outras adaptações. Enquanto as meninas cuidavam de seus interesses, a mais tímida das March continuou visitando a paupérrima família de imigrantes alemães que sua mãe estaava ajudando.  Beth pega escarlatina das crianças, um bebê morre em seus braços.  Foi tudo muito bem construído, mas as Beths de 1949 (Margaret O'Brien) e 1994 (Claire Danes) tiveram uma interpretação bem mais tocante.  Eu realmente não me lembro de como a versão de 1933 tratou a coisa e se não me lembro, é porque não me impactou.

Colocaram Laurie se declarando três vezes.  A primeira, muito cedo.
Foi interessante nesta parte o destaque dado para o exílio de Amy, a irmã caçula, que por nunca ter tido a doença, é mandada para a casa de Tia March.  O que seria um sofrimento para menina, acabou sendo o seu passaporte para a boa sorte, já que caiu nas graças da velha senhora por ser mais dócil (*ou fingir ser*) que Jo, além de interessada por refinamentos.  O que as adaptações normalmente omitem são as visitas de Laurie, que vai todos os dias consolar a menina e levar notícias.  Esta adaptação foi bem feliz em incluir esta parte.

Falando em Laurie, Jonah Hauer-King, o ator que o interpreta, tem uma grande quantidade de tempo em tela – mais do que deveria, na verdade – nesses dois episódios.  E, bem, acho que ele é o melhor Laurie que eu vi em uma adaptação.  Superou Christian Bale, que fez a personagem em 1994. O ator se apossa da personagem e lhe confere toda a simpatia e molecagem que a interpretação pedia.  Agora, a produção exagerou ao repetir a declaração de amor de Laurie para Jo três vezes.  Ela não existiu de forma clara quando da doença de Beth.  Imagino que a Jo de 15 ou 16 nnos reagiria muito mal à aproximação do amigo como colocada na série da BBC.  Laurie se declara no casamento, ou logo depois, de Meg, e não volta a fazê-lo quando Jo retorna de Nova York.

 A terceira rejeição.
Assim, quando era para destacar a presença do Professor Bhaer e seu romance com Jo, temos mais Laurie.  OK, o garoto é ótimo, é fofinho e tal, mas acredito que o roteiro pecou ali.  Mais ainda, o Laurie dessa minissérie nunca se tornou um jovem rebelde e sem objetivo depois da frustração amorosa.  Ele continuou sendo o bom rapaz, nada de jogatina, bebida, ou mulheres.  Não precisavam exagerar, como na minissérie de 1978 (*aliás, foi o Laurie dessa produção que me fez odiá-la*), mas o Laurie da série de 2017 é um rapaz modelo.  Fora isso, deixam um tom amargo na relação dele com Jo.  Quando eles se reencontram no final do livro, sua amizade, o sentimento que os une, é revigorado.  Todas adaptações que eu vi tinham acertado nesse ponto, a de 2017 optou por algo diferente e eu não gostei.  Agora, curiosamente, este Laurie me convence de estar apaixonado por Amy.  Na série da BBC, ela não é simplesmente, a substituta, porque o jovem não conseguiu o amor de Jo.

Algo que me deixou um tanto espantada nessa adaptação foi a forma como as personagens, especialmente as March, se relacionam com a bebida alcoólica.  Há álcool no livro, mas há, também, aquele tom moralizante em relação ao seu consumo.  Aliás, a mãe da autora, além de sufragista, era membro dos grupos de Temperança, isto é, que defendiam restrições e mesmo proibições às bebidas alcoólicas.  Nesse aspecto, a série se afasta do livro.  O segundo capítulo termina com o casamento de Meg.  Só que diminuíram o peso da agonia cômica de Jo, que era absolutamente contra o enlace, porque não queria se separar da irmã, e de como ela tenta melar o noivado de Meg.  A protagonista  se conforma muito rápido e é como se ela não tivesse muito a ver com a intervenção de Tia March.  Mas, ainda assim, a situação, no geral, foi bem conduzida.

Meg ficou muito bonita de noiva.
O capítulo terceiro inventou algumas coisas que foram bem-vindas e omitiu outras.  Meg normalmente some das adaptações depois de seu casamento.  O capítulo deu espaço para cenas de sua gravidez e trabalho de parto, coisa que obviamente não está no livro.  O objetivo, claro, foi falar dos laços estreitos entre as mulheres, de como a experiência do dar à luz é coletiva e que o apoio que uma mulher recebe de outras mulheres nessa hora pode, sim, fazer toda diferença.  Só  um detalhe, a irmã caçula da autora, Abigail May Alcott Nieriker, que serviu de modelo para Amy, morreu de uma hemorragia pós-parto.  Ela morava em Paris e estava longe de sua família.

De novo, ignoraram o capítulo “On the Shelf” (*Na prateleira*), que trata do drama de ser uma dona de casa com duas crianças pequenas.  É o grande capítulo de Meg na segunda parte do livro, quando se reforça que uma mulher precisa de suporte, de uma rede deapoio.  Aqui, se poderia falar dos laços entre as mulheres novamente.  E é um capítulo que critica o modelo vitoriano de domesticidade, de que bastaria para uma mulher ser de mãe e dona de casa.  Mulheres precisam de ajuda, precisam de diversão, de tempo livre e isso é fundamental até para a boa relação conjugal.  Meg estava tão assoberbada que passou a negligenciar o marido, inclusive afetivamente.  E, bem, praticamente não vemos Mr. Brooke nesse terceiro capítulo.  Acredito que ele só tem uma fala, ou duas, se muito.  Mais uma adaptação a negligenciar uma discussão que, ainda hoje, é atual. 

Figuração de luxo.
Falando em figuração de luxo, Michael Gambon, faz praticamente nada no seriado inteiro.  Acho que daria para contar em uma mão as suas cenas, afinal, reduziram a relação dele com Beth a quase zero.  Ele aparece com uma frase aqui, dançando com a Tia March ali.  Falam dele, mas o próprio aparece pouco.  Talvez sua maior sequência seja a da proposta da viagem de Laurie para a Europa como uma forma de curar-lhe a depressão e a dor de cotovelo.   Falando em Amy, o episódio três foi muito feliz em construir a ida da moça para a Europa, como ela parece uma dama, adequada para acompanhar sua tia ao Velho Continente, enquanto Jo é um fiasco.  A depressão de Jo - que fez por merecer - também ficaram muito bem retratadas.  Só deixaram de fora o quase noivado de Amy com um moço rico, por interesse. É uma questão que caminharia junto com a ajuda que Amy daria na recuperação moral de Laurie, mas como ele nunca saiu da linha, enfim... 

O episódio três é o da morte de Beth, então temos um bom tempo investido na relação de Jo com a irmã doente, no sofrimento de saber que a moça estava morrendo.  De novo, um grande desempenho de Emily Watson, que faz a mãe das meninas. Annes Elwy, que não precisa mais fingir que tem 13 anos, está muito bem nesse último episódio, também. Tudo muito tocante.  As metáforas visuais, como o bordado incompleto da moça, a roupa preta no varal, o close vassoura e na borda negra do vestido, enquanto Jo varria, enfim, muitas imagens interessantes.  Agora, colocam Jo recorrendo ao pai mais do que no livro e em outras versões.  Tipo, você contratou um ator (Dylan Baker), então vamos usá-lo, certo?  O conselho que o pai dá, que Jo lapidasse mais seu romance, que não se preocupasse somente em vendê-lo, não surte efeito.  Foi preciso a intervenção do Professor Bhaer para que ela mudasse seu rumo literário, por assim dizer.

Professor Bhaer com barba, mas jovem e bonito demais.
E falemos do Professor Bhaer, o primeiro que eu me lembro de ter barba, como no livro.  Enfim, Mark Stanley é muito jovem e bonito para o papel.  Ele só tem 29 anos e tentam envelhecê-lo, mas não funciona.  Como Maya Thurman-Hawke, a Jo, é adolescente e continua parecendo adolescente mesmo com mais de trinta anos, ele parece mais velho que ela, só que o Bhaer deveria estar perto dos 40 anos. Aliás, por ser bem mais velho e muito pobre, ele se acha indigno de Jo.  Além disso, e aqui a minissérie patinou feio, em nenhum momento Bhaer fica sabendo da existência de Laurie.  Ora, no livro, o Professor Bhaer não tinha se declarado para Jo em Nova York, porque acreditou que ela estava noiva de Laurie.  E ele sentia certo ciúme, também, mas nada disso apareceu.

Enfim, em linhas gerais, mantiveram algumas cenas do livro que mostram a relação de amizade e o romance de Jo com o Professor, não eliminaram os sobrinhos dele, algo recorrente em outras adaptações, mas retiraram algumas passagens que eram realmente ternas, como quando a moça costura os botões faltantes da roupa do professor.  E, bem, o reencontro dos dois, a forma desleixada com que conduziram algo tão importante na vida da protagonista, a ausência desse trecho em particular "I have nothing to give but my heart so full and these empty hands." (Bhaer) "They're not empty now"(Jo) ("Eu não tenho nada a oferecer a não ser este coração tão cheio e estas mãos vazias." "Não estão vazias agora".), que TODAS as adaptações mantiveram, me decepcionou muito.  Do capítulo “Under the Umbrella” (Debaixo do guarda-chuva) sobrou somente o guarda-chuva.  E Bhaer teve interação zero com a família de Jo.  Poderiam usar o pai dela onde ele realmente aparece, conversando com o Professor.

Laurie e Amy convenceram como casal.
Enfim, achei que foram muito pouco generosas – a roteirista e a diretora – na atenção dada ao romance entre Jo e o professor Bhaer.  Normalmente, as adaptações terminam com eles entrando na casa, ou debaixo da chuva.  Decidiram, acho que pela primeira vez, colocar a escola de Jo e seu marido em tela.  Ela herda da rabugenta Tia March a sua propriedade, Plumfield, e a transforma em uma escola moderna para meninos (*e meninas*) pobres.  Não achei que foi uma compensação e detestei o cabelo absolutamente inadequado que deram para Amy nessa última sequência.  Ela pareceu deselegante.  Espero que o Frock Flicks comente a série, seu figurino e seus cabelos.  Falando em cabelos, Jo aparece bem desgrenhada boa parte do tempo.  Adolescente, OK, ela era tomboy, mas já adulta, a coisa não ficou muito adequado.

Terminando, foi uma boa adaptação. Comovente em alguns momentos, com ótimas interpretações, destaque maior para Emily Watson e Jonah Hauer-King.  Maya Thurman-Hawke é boa atriz e se esforçou no papel de Jo, mas ela é e parece jovem demais para a personagem.  Uma atriz mais velha que pudesse parecer ter 15 anos seria mais interessante aqui.  Mesmo com mais de trinta anos e falando em cabelos grisalhos, ela continua parecendo adolescente, só relembrando, todas as outras atrizes são mais velhas que ela.  Já as outras irmãs – Willa Fitzgerald, Annes Elwy e Kathryn Newton – estavam muito bem no segundo e terceiro episódio. De resto, foi preguiça não trocarem a atriz que fez a Amy.  Kathryn Newton, que se saiu muito bem, não podia ser escalada para ter 12 anos.

Uma mãe zelosa, com idéias avançadas em alumas questões,
mas não uma revolucionária.
É isso.  Cumpre a Bechdel Rule, claro.  É uma versão intimista, com um olhar feminista sem anacronismos.  Nesse aspecto, não comete os deslizes do filme de 1994, no qual a Marmee de Susan Sarandon aparecia criticando o uso do espartilho na frente de Brooke (Eric Stoltz) e Laurie, por exemplo.  A família March era um tanto moderna, as filhas foram estimuladas a terem interesses para além do lar, mas a forma como o livro as pinta é moralizadora. Deveriam fazer caridade, esperava-se que se casassem e tivessem filhos.  Esse era o núcleo de sua educação e Marmee questionava as futilidades e vaidades excessivas, mas não a essência daquilo que era considerado o esperado para uma mulher burguesa.  Nesse aspecto, salvo pela bebida alcoólica, a adaptação é muito fiel ao livro.

2 pessoas comentaram:

Assisti recentemente essa versão de Little Women, já tinha assistido os filmes de 1933, 1949 e 1994. Gostei dessa adaptação, mas concordo que deveriam ter colocado duas atrizes para fazer o papel da Amy. Como eu li apenas o primeiro livro eu sempre torci para a Jo ficar com o Lauria, nunca fui com a cara do Professor Baher, em especial por achar ele muito velho para a Jo, eu entendo que eram outros tempos e moças de 16-18 casavam com homens de 30 ou mais, mas mesmo assim esse final da Jo nunca me desce. Também nunca entendi porque a autora não fez a Jo terminar com o Laurie, na verdade até imagino o porque, mas sempre torço para os dois. Eu acho muito estranho o Laurie terminar com a Amy, parece até premio de consolação porque ele fala que ele sempre se sentiu no direito de entrar para a família March e se não dava para entrar casando com a Jo que fosse casando com a Amy. Acho isso muito egoísmo da parte dele e faz parecer que ele nunca superou o amor que tem pela Jo.
Era isso mais uma excelente resenha.

Quando a Jo conhecer o Professor, ela tinha mais de 20 anos. Quando ele se declara,ela tem uns 25. A diferença é grande, uns 15 anos, mas ela era uma mulher adulta. O problema, nessa adaptação agravada, é que guardamos a Jo adolescente na cabeça, coisa que não seria faz tempo... Agora, o Professor sabe que a diferença é grande e se preocupa com isso.

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