quarta-feira, 11 de julho de 2018

Assunto Sério: Projeto Escola Sem Partido pode seguir para o Senado hoje



Há uma comissão especial formada na Câmara dos Deputados com o intuito de discutir e remeter ao Senado o PL 7180/14.  O Supremo já havia se manifestado quanto a inconstitucionalidade do projeto, então é preciso modificar a constituição.  O tal projeto (*tramitação aqui*), cujo objetivo é alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é:
"O primeiro dever sugerido na proposta determina que o professor não poderá cooptar os alunos para nenhuma corrente política, ideológica ou partidária. O texto também altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei 9.394/96) ) para afastar a possibilidade de oferta de disciplinas com o conteúdo de "gênero" ou "orientação sexual".  Ainda no cartaz que seria afixado nas salas de aula, também estaria previsto que o professor não poderá incitar os alunos a participar de manifestações e também deverá indicar as principais teorias sobre questões políticas, socioculturais e econômicas.  Docentes deveriam observar também o respeito ao direito dos pais de que seus filhos recebam educação moral de acordo com suas convicções."
Resumindo, você não poderia discutir, por exemplo, o tema da "violência contra as mulheres", ou mesmo contra as crianças, já que algumas famílias podem acreditar que é correto bater para corrigir, mas que é ofensivo ou intrusivo discutir o tema.  Também não se poderia, talvez, citar que tal personagem histórica ou literária era homossexual, porque isso poderia ser visto como uma forma de propaganda da homossexualidade, já que, para alguns grupos, sexualidade é escolha e há a certa e a errada.
O tal cartaz.
De repente, com o Escola Sem Partido aprovado, um professor de Física, Geografia, ou mesmo História, poderia ser denunciado por argumentar que a Terra não é plana, porque, bem, isso foi cientificamente provado.  Tal argumento poderia ser visto como uma forma de intimidação, ou uma afronta às crenças da família.  Vacinas?  Defendê-las, ainda que no campo dos argumentos científicos, ou históricos, poderia significar que você faz parte da conspiração esquerdista mundial.  Eu já li isso em um site de um famoso pastor que dizia que se o PT não conseguia passar o aborto, pretendia esterilizar os homens com a vacina da rubéola.  Um pastor é uma autoridade, afinal.

Se eu, por exemplo, ponderar em uma aula sobre Escravidão sobre os aspectos morais da prática poderei, talvez, ser acusada de doutrinação ideológica (*de esquerda*), mesmo que mostre que foram religiosos os primeiros que levantaram a bandeira contra essa prática hedionda. Falar em em voto feminino, por exemplo, passou a ser visto como defender bandeiras de esquerda quando, na verdade, muitas das mulheres a frente do movimento eram burguesas e liberais.  


Talvez, em breve, a gente nem precise
 se preocupar com isso... 
Professores cometem abusos?  Ah, se cometem!  Há corporativismo?  Sim e muito!  Só que o projeto Escola Sem Partido superdimensiona a influência que nós, professores, temos na vida de nossos alunos e alunas.  Mal consigo dar minha matéria, quanto mais fazer propaganda de qualquer coisa.  Um Youtuber certamente tem mais influência que eu tenho.  Fora isso, o Escola Sem Partido tem origem em grupos ultra conservadores, religiosos em especial, que não conseguindo controlar os seus rebanhos querem criminalizar os professores, mas somente os (*ditos*) progressistas e de esquerda. O resto, está liberado, podem ter certeza. O denuncismo, algo comum às ditaduras de esquerda e de direita, também aparece como algo estimulado pelo Escola Sem Partido.

Na escola, no meu tempo de aluna, eu tive professores de direita e de esquerda.  Vou contar uns causos.  Minha professora de Matemática da 5ª série defendia o Holocausto e dizia que Hitler fez bem em matar os judeus, essa "raça maldita".  Nós só iríamos estudar nazismo na 8ª série.  Ela me introduziu ao tema.  Dizia, também, que negros tinham sido escravos por serem burros,que ela queria ter nascido negra, porque seria inteligente e ficaria rica, mostrando como sefaz.   A maioria das crianças da sala eram negras.  Ela era membro de uma das principais igrejas batistas da minha cidade.  Faleceu recentemente.  Não foi surpresa quando me contaram que nem o próprio filho a suportava.  Minha professora de História do primeiro ano, que era negra, tinha uma paixão por Mussolini e achava que o fascismo italiano tinha sido a coisa mais linda.  


Muitos professores chamam o projeto de Lei da Mordaça.
Meu professor do segundo ano era Monarquista - o primeiro espécime vivo que conheci - e fazia propaganda dos aspectos positivos do regime.  Os outros professores debochavam dele, mas ele convenceu com sua paixão vários colegas a votarem na monarquia no plebiscito de 1992.  No mesmo segundo ano, o professor de Geografia, que era filho de alemães, quando falava das guerras entre árabes e israelenses, chamava os árabes de burros e incompetentes.  Detalhe, na sala havia vários filhos e netos de imigrantes sírios e libaneses.  Éramos muito inertes.

Meus professores de esquerda, assim declaradamente, foram poucos.   A maioria dos que tive eram sujeitos  politicamente alienados, ou posicionados à direita.  Mesmo os de esquerda eram machistas e capazes de emitir umas opiniões altamente contestáveis.  Um monitor de História no terceiro ano uma vez disse que os republicanos no Brasil fizeram mal, que deveriam ter matado toda a família imperial.  Ele tinha sido aluno do professor que citei no parágrafo acima.  Era antimonarquista até a medula.  


E há professores que apoiam.  Há projetos 
semelhantes nos Estados e Municípios.
O professor de história do Brasil, que tentou me demover de tentar vestibular para o curso, porque eu era "religiosa", se meteu em uma confusão boa com uma aluna negra, ao fazer alusões sexuais à Xica da Silva comparando com a menina.  Na época, eu não compreendi a gravidade, mas a garota reagiu elevou os pais ao colégio no outro dia.  Meu professor de História Geral tinha trocado a fé cristã pela fé em Marx, era a Revolução, ou iríamos voltar para as cavernas e as árvores.  Não sei se converteu alguém, mas o monarquista conseguiu.  Poderia  contar outras tantas histórias.  Muitas mesmo, mas vou parar por aqui.  

Só se perguntem quais professores, dos casos que citei acima, seriam considerados doutrinadores por gente ligada ao movimento Escola sem Partido, movimento apoiado por parte da Bancada BBB (Boi-Bala-Bíblia) e quais seriam vistos como gente bem intencionada que estava exercendo sua liberdade de cátedra.  Liberdade esta que é assegurada pela LDB e outros dispositivos legais.  Se a escola não for um lugar de diversidade de idéias, de discussão, de reflexão, para que ela serve?  Se a escola for o espaço de reforço de valores familiares e somente isso, de que família estaremos falando? Percebem o problema?


O programa Zorra fez excelente sátira ao movimento. 
O riso é uma arma poderosa, mas outras
estratégias são necessárias, também.
Enfim, estão aproveitando a Copa, as férias de muita gente, para remeter ao Senado um projeto que é daninho ao ensino, à pesquisa e ao caráter das futuras gerações.  O fato é que o Escola Sem Partido existe faz mais de uma década e foi subestimado por mais de uma década pela esquerda.  Afinal, religiosos são gente burra e sem capacidade de mobilização.  A internet e a eleição de uma consistente bancada religiosa tem mostrado o contrário.  Eu monitoro as ações desse pessoal faz vários anos.  Denuncias de materiais didáticos, professores, debates, enfim, e isso da universidade aos níveis mais básicos da educação.  E chegamos a isso.  E mesmo sem a aprovação, o medo está instalado, a censura acontecendo pelos motivos mais absurdos.  Eu sei, eu vivo o ambiente da escola básica.

Só recomendo uma coisa, espero que me permitam, se tivermos eleições, SE TIVERMOS, mais importante que o presidente, que vocês sabem bem que pode ser derrubado sem grande problema, o mais importante é quem você colocará no legislativo.  Eles e elas podem causar um grande estrago e esta legislação é o melhor exemplo disso.  

Atualização (12/07): Pelo menos por agora, perigo afastado.  Mais informações aqui. Só que em país no qual juiz trabalha nas férias, nunca se sabe.

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