sábado, 14 de março de 2020

"Nascemos falhos, mas partiremos como heróis": Não podemos dar a esse tipo de gente o direito de serem lembrados


Esses dias estou me sentido tão cheia de raiva que é difícil sentar e escrever sobre alguns temas necessários.  Mas vou deixar um pequeno artigo de opinião sobre essa manchete da BBC.  Fiz o print e coloquei na chamada do post, assim, vocês poderão ler, se desejarem.

Quando eu estava na faculdade, fiz a matéria obrigatória sobre Grécia (Antiga I) e mais duas optativas, eu acredito, uma delas somente sobre a Ilíada.   Perdoem-me qualquer incorreção, porque daqui para frente estou escrevendo quase que de memória de aulas maravilhosas que tive principalmente com a querida professora Neyde Theml.  Por mais diversas que pudessem ser as crenças sobre vida após morte na Grécia Antiga (*que basicamente é Atenas, é o que a gente mais estuda*), ser lembrado era importante.  O herói era aquele que nunca era esquecido pelos seus concidadãos, mas havia o pós-morte e um dos temas discutidos nas aulas era "a bela morte", a morte do guerreiro.   

Aquiles ataca Heitor de Peter Paul Rubens (1577-1640).
Aquiles comete uma hybris (*desmedida, ato de violência*) sem tamanho ao mutilar o corpo de Heitor, o maior de todos os guerreiros troianos, depois de derrotá-lo em justo combate.  Heitor, que é a minha personagem favorita da Ilíada, merecia a "bela morte", sem lembrado pelos seus e no mundo dos mortos.  Ao mutilar seu oponente, Aquiles sela também seu destino, e segue em uma série de desmedidas (*que não vou descrever aqui*) até encontrar sua própria morte.

Era considerado um ato de grande impiedade desfigurar um nobre oponente, um guerreiro, pois ele deveria ser reconhecido por todos ao descer da Barca de Caronte.  O herói não poderia ser como uma sombra no Hades, pois eles são os únicos que mantém sua identidade no reino dos mortos, habitando os Campos Elíseos junto com as sombras dos homens e mulheres comuns que foram virtuosos.  Ao mutilar Heitor, Aquiles lhe nega um direito que era seu.  Por isso, quando um herói tombava no campo de batalha, ele deveria ser resgatado pelos seus.  Seu corpo, preservado.  E uma das imagens mais recorrentes em vasos gregos era o soldado morto sendo transportado sobre seu escudo pelos companheiros.

Não recomendo Tróia (2004), porque não considero
um bom filme, mas Eric Bana estava espetacular como
Heitor.  É quase a única coisa que presta.
Voltando, ontem, sexta-feira, completou-se um ano do Massacre na Escola de Suzano.  eu escrevi sobre isso.  E a matéria fala da veneração que os criminosos, os assassinos, vem recebendo e de como isso é daninho.  Eles não são heróis, são ao mesmo tempo fruto da incapacidade que nossa sociedade contemporânea tem de integrar aqueles que estão às suas margens, quanto das suas próprias escolhas que passam pela incapacidade de lidar com a frustração e o ódio por determinados grupos.  E nisso a matéria acerta ao falar do famoso fórum da deep web que congrega odiadores de mulheres, de professores, de homossexuais, de negros, enfim, gente que pode tanto ficar somente nas palavras, quanto estimular ações de sujeitos susceptíveis, ou mesmo tomar praticar crimes.  

Nesse sentido, foi positivo a polícia (*que está de parabéns*) ter desbaratado uma ação de um grupo de adolescentes que visava repetir o crime de Suzano em seu aniversário de um ano.  Como eram em maior número e pareciam melhor armados, o dano poderia ter sido maior.  Por tudo que escrevi e voltei lá na Ilíada por causa disso, eu defendo que esse tipo de criminoso seja enterrado sem identificação. É preciso ser negada a ele, porque normalmente são homens do sexo masculino mesmo, o direito de serem lembrados e celebrados pelos seus admiradores.  

Um grupo de adolescentes pretendia homenagear os "heróis".
O Estado precisa saber onde está, a família, também, os historiadores e outros pesquisadores sérios precisam ter acesso à informação, mas o túmulo precisa ser anônimo, seus nomes não devem ser escritos em matérias de jornal, nem enunciados na televisão. Esse tipo de gente quer a eternidade, a fama póstuma, algo que para muita gente hoje é difícil compreender, mas que é o motor de sujeitos que se creem medíocres. Não ser lembrado, é um dos piores castigos que alguém assim pode receber.  E é o único castigo real que podemos lhes dar, pois estão mortos, não podem ir à julgamento.  Façamos como os gregos e lembremos os bons, os nobres de espírito, das vítimas, aos criminosos que se pretendem heróis, o silêncio.

P.S.: Não esqueci de Marielle e de Anderson, falarei deles depois.

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