terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Comentando Razão & Sensibilidade da Hallmark: uma das mais competentes adaptações de Jane Austen que eu já asssiti.

Sábado, dia 24, foi ao ar o último dos filmes do Loveuary, mês de homenagem à Jane Austen do canal norte-americano Hallmark.  Foram quatro filmes no total Paging Mr. Darcy, Love & Austen, An American in Austen e, aquele que gerava real expectativa, a adaptação de Razão & Sensibilidade.  E, olha, foi muito bom!  Eu não esperava que fossem conseguir entregar uma versão decente de Razão & Sensibilidade em míseras 1h23 minutos.  Enxugaram, cortaram duas personagens, fizeram mudanças que eu até preferia que não estivessem lá, mas, ainda assim, deu certo.  Mas vamos ao resumo, caso você não conheça a história central do livro de 1811, já com as alterações dessa adaptação.

Em Razão & Sensibilidade somos apresentados às irmãs Dashwood, Elinor (Deborah Ayorinde), Marianne (Bethany Antonia) e Margaret  (Beth Angus), que junto com sua mãe (Susan Lawson-Reyn) e seu meio-irmão mais velho, John (Daniel Boyd), o herdeiro de toda a fortuna do pai  (Julian Firth).  O filme começa com a morte do patriarca fazendo com que o filho mais velho jure que seria justo com a madrasta  e as irmãs, e recomendando que Elinor cuidasse da mãe e das irmãs.

Seis meses depois, John e Fanny (Carlyss Peer), sua esposa, estão a caminho de Norland Park para tomar posse da propriedade. John está disposto a cumprir sua promessa, porém, sua esposa termina por convencê-lo a lhes dar muito menos, deixando-as em uma situação muito apertada. Fanny quer colocar as parentas para fora da propriedade e a urgência em mandá-las embora se torna ainda maior quando ela percebe o interesse de seu irmão Edward Ferrars (Dan Jeannotte), que está hospedado em Norland, por Elinor.

Reduzidas a uma renda muito pequena, elas se mudam para Barton Cottage, em Devonshire, propriedade de um primo da Sr.ª Dashwood, Sir John Middleton (Edward Bennett), que fora contatado por Elinor.  O cavalheiro é viúvo e reside com sua sogra, a Sr.ª Jennings (Martina Laird), cujo maior interesse é casar todas as pessoas que puder.  Em casa de Sir John, as Dashwood conhecem o Coronel Brandon (Akil Largie), um amigo da família, homem muito gentil e honrado, mas com uma história de vida bem sofrida.  O Coronel termina caindo de amores por Marianne, mas ela o vê como velho demais e pouco romântico.

Depois de sofrer um acidente e torcer o tornozelo, Marianne é resgatada por John Willoughby (Victor Hugo), sobrinho de uma vizinha dos Middleton.  Ele é um jovem encantador, herdará uma grande fortuna, e parece compartilhar dos interesses e ter uma alma tão apaixonada quanto Marianne.  Todos creem que os dois vão se casar e a moça não tem nenhum receio de exibir publicamente o seu amor por Willoughby, com o apoio da Sr.ª Dashwood.  Enquanto isso, Elinor sofre em silêncio por amar Edward, que termina por vir visitar a família, mas não se declara para a moça.

As coisa, claro, podem piorar, porque um dia, primas distantes da Sr.ª Jennings, Lucy (Victoria Ekanoye) e Anne Steele (Anna Crichlow) vem visitar Barton Park.  Percebendo o interesse de Elinor por Edward, Lucy  acaba tomando a moça por confidente e se apresenta como noiva secreta de do rapaz.  Elinor vira guardiã de um segredo que lhe dilacera a alma.  Já Marianne, acaba sendo recusada por Willoughby, que precisa casar bem apesar de amá-la.  Antes das duas conseguirem alcançar a felicidade, sim, porque Jane Austen não deixaria suas heroínas na mão, teremos muito sofrimento e alguns mal entendidos antes de um belo desfecho.


Maravilhosamente bem executado esse Razão e Sensibilidade do Hallmark. Dos quatro filmes, razão & Sensibilidade foi de longe o melhor e conseguiu fazer  milagre em 1h20 minutos. E teve dois beijos, o que para um filme do Hallmark e para uma adaptação de Jane Austen, é muita coisa.  Pensei que iriam atropelar a história, mas o roteiro de Tim Huddleston não deixou nenhuma ponta solta. Algumas escolhas podem não ter me agradado, e vou listar tudo, mas, no geral, foi um saldo muito positivo mesmo.  Nada que se compare ao trauma que foi o Persuasão da Netflix.

O grande destaque do elenco é Deborah Ayorinde.  Sua Elinor não é tão contida quanto as das adaptações de 1995 e 2008, ela colocou um tom passivo-agressivo e que lhe permite dar umas cortadas em personagens desagradáveis, além de ter um olhar muito expressivo.  Fora isso, ela ficou linda com o figurino que lhe deram.  Aqui, uma crítica, apesar de encher os olhos, de ser colorido (*seguindo os passos do último Emma*), as roupas das irmãs me pareceram luxuosas demais para a condição que as Dashwood deveriam ter.


Aqui, parece ser um problema das adaptações do Hallmark.  Não resenhei An American in Austen ainda (*não decidi se é ruim demais para ser bom, ou se é bom, mesmo sendo ruim*), mas as casas parecem ser sempre grandiosas.  Barton cottage parece muito espaçoso e grande para aquilo que deveria ser.  Afinal, as Dashwood foram reduzidas a ter dinheiro contado e somente dois criados.  No filme, só vemos um e ele usa libré.  As reclamações da mãe de Elinor, interpretada pela também excelente Susan Lawson-Reynolds, parecem irreais.  De qualquer forma, Elinor sendo curta e direta quando a mãe começa a ter delírios de grandeza e se lamuriar ficou muito bom.  

Bethany Antonia consegue passar a vivacidade de Marianne.  Nada é dito sobre a idade das irmãs.  Mas mesmo com um elenco  muito velho, ela parece jovem o suficiente para não parecer falsa com seus rasgos românticos.  Se Elinor é passivo-agressiva, Marianne é explosiva.  Em uma sequência de um jantar na casa da Srª Ferrars, mãe de Fanny e Edward, ela levanta intempestivamente da mesa e dá uma resposta bem atravessada para a velha.  Marianne faria isso e pagaria para ver.  É uma cena possível.  Aliás, essa sequência do jantar, feito sob medida para humilhar as irmãs Dashwood, está na adaptação de 2008, mas, curiosamente, foi cortado do DVD lançado no Brasil.  Coloquei a sequência no Youtube, mas foi bloqueada.  


Dado o tamanho do filme, não há tanto tempo de tela para Willoughby e Marianne, mas todas as cenas foram muito bem executadas.  Há inclusive a sequência na qual o moço dá um cavalo, que Elinor diz que elas não tem como sustentar, para Marianne. O que eu achei uma escolha ruim foi trocarem o presente de Marianne para Willoughby.  Ela lhe deu uma mecha de seu cabelo, algo muito íntimo, até escandaloso, por um lenço.  Agora, a cena do encontro de Willoughby e Marianne foi adaptada de forma bem engenhosa.  Margaret, que não foi cortada do filme e tem ótimas cenas, desce correndo a colina achando que o cavaleiro é o Coronel Brandon, mas é Willoughby, Marianne grita por ela e corre atrás só para levar um tombo.

Falando em Coronel Brandon, Akil Largie é um ator muito talentoso e o homem mais bonito do filme.  Um espetáculo mesmo, já o tal Victor Hugo, Willoughby, é bonito, mas falta alguma coisa nele.  Largie tem olhos expressivos, tristes, românticos, mas menos falas do que em outras adaptações.  Ainda assim, conseguiram desenhar muito bem o drama de Brandon, seu primeiro amor perdido e o fato de ter adotado a filha da mulher com quem não lhe permitiram que se casasse.  E, mesmo em um filme curto, o amor dele por Marianne fica muito evidente. Agora, mesmo sem precisar correr, porque poderiam ter somente alterado as cenas, foi estranho e pouco emocionante colocarem Marianne se recuperando tão rapidamente de sua tentativa de suicídio.  Poderiam colocar a melhora depois da chegada da mãe, não antes.


Uma ótima adição ao filme, só para ilustrar como fizeram muito em tão pouco tempo, foi colocarem Edward enfrentando a mãe.  Sabe o que sabemos pela personagem contando o que aconteceu?  Pois bem, Edward enfrenta a matriarca, é deserdado, vemos tudo isso.  E ele reafirma seu compromisso, porque o amor era para Elinor, com Lucy Steele, a atriz que a interpreta, usa o olhar e a expressão corporal o quanto estava decepcionada, afinal, ela queria o Edward Ferras herdeiro, não o rapaz sem um centavo.  A cena foi ótima mesmo.  E, no caso de Lucy, é mostrado como Robert flerta com ela em uma cena anterior.  Rápido, mas eficaz para o entendimento do que virá depois.

Falando em Edward-Lucy-Elinor e a Srª Ferrars, alguns problemas do roteiro.  Não fica claro que Edward queria ser pastor.  É dito que o Cel. Brandon lhe oferece uma casa, mas qual seria sua ocupação?  Quando Lucy revela seu noivado secreto para Elinor, dentro da dinâmica do filme, é para feri-la, a golpista vê a jovem como uma rival.  O que me pareceu ruim foi colocarem Elinor visivelmente impactada.  Cabia ali, até para honrar a personagem, que ela mostrasse com os olhos que estava sofrendo, mas não que ficasse tão emocionada.


Quanto à Sr.ª Ferrars, ela é descrita como madrasta de Edward e Robert (*um traste, mas, pela primeira vez, interpretado por um ator bonito*) e Fanny como meia-irmã dos dois.  Fica difícil entender a ordem de nascimento dos três e por qual motivo uma madrasta seria tão protetora dos enteados.  O filme é color blind  e, até este momento, a cor das personagens era irrelevante.  Serei franca, prefiro esquecer esse detalhe do roteiro e imaginar que a Sr.ª Ferrars é mãe mesmo, como no livro, porque as coisas voltam a fazer sentido e transformam o filme no melhor color blind que eu já vi.

Outras mudanças, algumas recorrentes, foram.  Cortaram a esposa de Sir John, no filme, ele é viúvo e vive  com a sogra somente.  Já fizeram isso antes.  Martina Laird e Edward Bennet estão maravilhosos como os barulhentos e mexeriqueiros, Sir John e Sr.ª Jennings.  Anna Crichlow ficou ótima como a irritante, grosseira e tagarela irmão de Lucy Steele.  As duas irmãs, aliás, foram transformadas de sobrinhas de Sr.ª Jennings em primas distantes.  



A outra filha de Jennings e seu genro foram cortados do filme.  O motivo foi economia de tempo, mas, também, uma tentativa desnecessária, de reabilitar parcialmente o irmão mais velho das Dashwood.  John Dashwood oferece Norland Park para as irmãs repousarem quando elas estão voltando de Londres para Barton Cottage.  É quando Marianne está com o coração partido por causa de Willoughby.  A ideia, e esta, sim, funcionou, era de mostrar que as irmãs compreenderam, que ali não era mais o seu lugar.

E, bem, tivemos dois beijos nesse filme.  Parece que a cota Hallmark é um só, mas o Cel. Brandon beijou Marianne, quando ela visita sua propriedade (Delaford) e Edward e Elinor fazem o mesmo.  A cena em que o moço finalmente se declara foi carregada de emoção e as irmãs e a mãe da moça assistindo e vibrando foi um detalhe a mais para enriquecer o momento.  Gostei bastante, apesar de achar o ator que faz Edward muito velho, neste caso visivelmente passado da idade da personagem que, como expliquei na resenha do filme de 1995, precisa ser e/ou parecer jovem.  


Fora isso, fiquei esperando o ator Dan Jeannotte aparecer barbeado, porque, enfim, aquela barba por fazer me deu nos nervos.  Ele chegando de viagem, OK, mas o tempo inteiro?  E, antes do fim, elogiei a atriz que faz a Sr.ª Ferras, mas Carlyss Peer está perfeita como Fanny.  Pérfida, avarenta e terrivelmente elegante.  Aliás, o figurino me pareceu muito bonito, talvez, até demais, porque colocou a maioria das pessoas ricamente vestida quase o tempo todo.  Se em Paging Mr. Darcy e no An American in Austen, muitas vezes as roupas parecessem desleixadas, ou mal cortadas, em Razão e Sensibilidade, tudo era de encher os olhos.  As texturas dos tecidos, as cores.  

Não sei realmente o quanto de rigor tivemos ali, mas como espetáculo, ficou lindo.  Da primeira cena, a morte do pai, para a segunda, temos um salto no tempo de seis meses.  A viúva continua de luto fechado, mas as moças, já aparecem em meio luto, seus vestido tem a cor preta.  Essa marcação é importante, porque, em outras adaptações, a coisa passa batida.  Já no final do filme, e a gente imagina uma passagem de um ano e meio pelo menos, é a Sr.ª Dashwood parece estar deixando o luto, usa cores escuras, mas não se veste mais totalmente de preto.  


Outro detalhe importante, os homens apareceram mais de sapatos e calças curtas, do que costuma aparecer em filmes de época das últimas décadas. Só lamento que não colocaram o Cel. Brandon com um uniforme vermelho como no filme de 1995.  Aquele homem ficaria lindo nele.  E não entendi o bebezinho no final, ou, pensando bem, poderia ser da filha adotiva do Cel Brandon.

É isso.  Vocês viram pelo tom do meu texto que eu realmente gostei do filme.  Ele foi respeitoso com o material original, inovou em alguns pontos, assumiu-se como uma adaptação, isto é, sacrificou sequências e personagens para o bom andamento do roteiro e tem um elenco muito bom.  Dar o protagonismo a um elenco negro, e os norte-americanos estão no mês da História Negra, justifica a escolha, mas somente mostra o quanto poderíamos ter mais obras assim sem recorrer à ideia capenga da história alternativa, como em Bridgerton.  Razão & Sensibilidade do Hallmark vem se juntar às melhores adaptações de Jane Austen que eu já assisti.  Recomendo muito.

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