Por causa do filme animado da Rosa de Versalhes, acabei indo reassistir o filme Maria Antonieta (2006). Eu o tinha assistido no cinema e uma vez em casa, mas foi antes de eu começar a resenhar filmes para o blog. Acredito que as primeiras resenhas são de 2009, se não me engano. E, sim, esse blog tem vinte anos de publicação contínua. O filme dirigido por Sofia Coppola e estrelado por Kirsten Dunst fez um grande sucesso e tem uma estética muito conectada com a cultura pop da época, a moda, os videoclipes. O filme dialogou muito bem com os jovens de 2006 e continua tendo apelo até hoje. O filme é baseado, eu até acrescentaria que de forma muito frouxa, na excelente biografia escrita por Antonia Fraser. Eu tenho aqui em casa e gosto bastante, tem capa do filme, aliás.
Muito bem, qual o resumo do filme? A adolescente Maria Antonieta é enviada da Áustria para se casar com o herdeiro do trono francês (Jason Schwartzman). Despreparada para enfrentar as intrigas da corte francesa e surpreendida pela frieza do noivo, Maria Antonieta acaba se refugiando em prazeres e gastos para o desespero de sua mãe, a Imperatriz Maria Teresa (Marianne Faithfull), que vê na jovem uma peça fundamental para as boas relações entre França e Áustria. Com o passar do tempo, Maria Antonieta consegue finalmente cumprir um de seus deveres, dar um herdeiro ao trono francês, mas a sua vida feliz em Versalhes estava prestes a ser interrompida pela Revolução.
Minha grande bronca com esse filme, a maior mesmo, é que Maria Antonieta parece ser uma eterna adolescente. Mesmo depois de adulta, de rainha por muitos anos, ela continua se comportando como uma menina e não uma do século XVIII. Se eu brinquei que Norma Shearer parece a caipira em Versalhes, no caso do filme de 2006, Dunst parece uma adolescente da época em que o filme foi feito. Seu cabelo solto, escorrido, lacinho na cabeça, com as coleguinha dentro da carruagem. De repente, na fronteira da França, tudo muda. Sim, a etiqueta na Áustria não era tão rígida, mas Maria Antonieta estava sendo preparada por tutores enviados da França fazia tempo. Ela não começou a arrumar o cabelo no estilo de sua época ao chegar em Versalhes. Não eram somente as crianças da corte francsa que seguiam os estilos de penteado da época. Isso era regra em todas as monarquias e há vários retratos da arquiduquesa antes de se casar. Mas a ideia é que sintamos pena daquela criança atirada aos leões.
Já o noivo, se mostra tímido e inseguro. O tom da interpretação dado por Jason Schwartzman para Luís XVI me parece correto. Parece frieza, mas é o embaraço de alguém que era tímido e tinha sido muito mal preparado para se relacionar com o sexo oposto e para reinar, também. Luís XVI, assim como seu pai, sua mãe e as tias solteiras eram parte do grupo dos devotos em Versalhes, uma facção extremamente católica, e que fazia uma oposição ao grupo dos libertinos, encabeçados principalmente pela amante titular do rei que, neste momento, é Madame Du Barry (Asia Argento).
Falando em Du Barry, ela é representada como uma mulher extremamente vulgar e que provoca a todo tempo a jovem delfina (*o herdeiro do trono francês era chamado de delfim*). Sim, ela fez isso. Du Barry era a mulher mais importante de Versalhes até a chegada de Maria Antonieta e a jovem princesa foi estimulada pelas filhas solteironas de Luís XV a ignorar a amante do rei. Du Barry não podia dirigir a palavra à Maria Antonieta, a etiqueta exigia que fosse a delfina a falar com ela. Quem joga Marina Antonieta contra Du Barry no filme são as Madame Victoire (Molly Shannon) e Madame Sophie (Shirley Henderson). Aqui, não entendo por qual motivo cortaram Madame Adélaïde, que era a líder do grupo. Economia? Preguiça? O fato é que não faz sentido a sua ausência. De qualquer forma, a "amizade" das tias de Luís XVI por Maria Antonieta é falsa. Elas difamam a jovem desde antes da sua chegada e passam a desprezá-la depois que ela é obrigada a falar com Du Barry.
Sim, obrigada. A coisa se tornou um incidente diplomático com a intervenção via carta da Imperatriz Maria Teresa e a atuação do embaixador austríaco, o Conde Mercy (Steve Coogan), que exercia grande influência sobre Maria Antonieta. Como o casamento não havia sido consumado, havia o temor justificado que Luís XV devolvesse Maria Antonieta. Essa questão do possível fracasso do casamento é central durante boa parte do filme. Maria Antonieta é responsabilizada pela mãe, pelos cortesãos e mesmo pelas mulheres do povo que visitam Versalhes, de não se esforçar o suficiente para atrair a atenção do marido. Na verdade, os dois foram pressionados, mas ela era a esposa estrangeira, então, mais fácil culpá-la. Só que havia um quase consenso de que a princesa austríaca era linda e desejável, então, a coisa atingiu colocou em questão a masculinidade e saúde do seu marido.
O fato é que Luís não mostra muito interesse pelo leito nupcial. Comida, cavalgadas, caçadas são mais importantes para ele. Maria Antonieta até quer acompanhar o marido, mas é impedida de montar a cavalo por ordem da mãe, que acredita que o esporte é perigoso para mulheres muito jovens e que poderiam estar grávidas. Não é mostrado que Mercy conseguiu que Mercy conseguiu que o próprio Luís XV proibisse que ela andasse a cavalo. Enfim, o filme não fala da possível fimose de Luís XVI, mas mostra quando o irmão de Maria Antonieta, o imperador José II (Danny Huston) vem em visita oficial à França e orienta o jovem casal sobre como proceder de forma muito mais competente do que o médico que Luís XV enviou. Gosto dessa parte, porque o ator que faz o imperador é muito bom e é uma situação extremamente constrangedora e divertida ao mesmo tempo. Pior é que deve ter acontecido mais ou menos desse jeito e ainda tem as cartas de José II para a Áustria dizendo que o cunhado deveria ser obrigado a cumprir com seu dever à chicotadas.
O fato é que o casamento só é consumado depois de SETE ANOS. Ainda que casamento reais pudessem demorar a serem consumados, esse tempo foi exagerado. Por exemplo, o pai de Luís XVI demorou seis meses para consumar seu segundo casamento. Ele ficara viúvo de sua primeira esposa, a Infanta Maria Teresa Rafaela da Espanha, e entrou em um profundo estado de luto. Obrigado por necessidades dinásticas a se casar de novo e rápido, acabou tendo dificuldades de cumprir seus deveres com a nova esposa, que será a mãe de seus filhos que chegarão a idade adulta, Maria Josepha da Saxônia, teve que se esforçar muito para conseguir a atenção do marido. Dentro da lógica do filme, é o desinteresse de Luís XVI que faz com que Maria Antonieta busque refúgio nas frivolidades e diversões, especialmente, depois da morte de Luís XV. Ainda assim, o filme faz questão de mostrar Antonieta tendo grande influência sobre o marido a ponto de conseguir que ele relaxe a rígida etiqueta de Versalhes e faça várias das suas vontades. Parece funcionar como uma compensação da parte dele.
Imagine, seu irmão mais velho, quase com idade para ser seu pai,
vir de outro país para ensinar você e seu marido a transar.
Falando em etiqueta, antes de mostrar Maria Antonieta entregue aos prazeres mais violentos, o filme se esmera primeiro em marcar o quanto a etiqueta é repressiva com destaque para a atuação Condessa de Noailles (Judy Davis), principal dama de honra de Maria Antonieta e apelidada de Madame Etiqueta. A atriz está ótima como uma espécie de governanta que tenta manter a futura rainha na linha. E dessa parte as cenas do filme que eu mostro aos meus alunos, começando com o "levée", uma cerimônia em que o monarca francês (*ou outros membros da família real*) se levantava da cama diante da corte ou de elementos selecionados dela. Era uma demonstração pública de poder real e acessibilidade (*como durante as refeições*), observada pelos cortesãos.
O levée mostrado no filme é o petit levée (*pequeno despertar*) com a presença de poucas damas, mas que tem uma hierarquia igualmente rígida. Vestir o rei, a rainha, e os príncipes de sangue era uma honra e qualquer brecha na etiqueta poderia ser uma ofensa. Inclusive quando, mais tarde no filme, a rainha passa boa parte do tempo no Petit Trianon, onde a etiqueta era suspensa, o filme introduz uma pequena cena excelente na qual uma nobre aborda o Conde Mercy sobre quando a Rainha iria voltar a cumprir suas funções em Versalhes, porque sem a monarca, a vida da corte perdia seu sentido. Os nobres precisavam cada um cumprir com suas funções dentro da sociedade de corte, verdade, mas os monarcas, também.
Enfim, no seu primeiro levée, Maria Antonieta se espanta com tamanho rigor e diz para a Condessa de Noailles, "Isso é ridículo.", para ouvir de volta, "Isso, Madame, é Versalhes." Com o passar do tempo, a cena se repete e se repete com Maria Antonieta seguindo a etiqueta de maneira robótica. Outras duas cenas que têm a função de mostrar quão opressiva era a vida na corte para a jovem princesa é a da missa, seguida da refeição com o delfim. Essas cenas são repetidas pelo menos duas ou três vezes na película, para enfatizar a monótona rotina imposta à Maria Antonieta em Versalhes.
De um lado, a pressão da etiqueta, do outro a para que ela tenha filhos. Ao se tornar Rainha, ela começa a torcer as regras da corte, mas não pode fugir do fato do casamento continuar sem consumação. E um dos irmãos do rei, o Conde de Provence (Sebastian Armesto) acaba tendo um filho homem durante esse período. Não sei por qual motivo inverteram as coisas. Provence (*futuro Luís XVIII*) não teve filhos com sua esposa, teve várias amantes, coisa que Luís XVI nunca teve, mas seu casamento foi infrutífero. Quem teve vários filhos foi o irmão caçula, o Conde de Artois (Al Weaver), que mais tarde irá reinar como Carlos X.
No filme, colocam Maria Antonieta sempre cercada por duas damas que se tornam suas amigas, a Princesa de Lamballe (Mary Nighy) e a Duquesa de Polignac (Rose Byrne). Lamballe é lembrada como uma mulher virtuosa e uma boa influência sobre a rainha. Ela também será vítima de forte difamação e pintada como tendo um relacionamento lésbico com Antonieta. No filme, isso é jogado em algum momento. Agora, na película, ela embarca nas aventuras de Maria Antonieta sem opor resistência alguma às loucuras que eram feitas e se comportando igualmente como uma adolescente sem limites. Só muito lá para frente, durante uma festinha, Polignac irá dizer que Lamballe é uma puritana. Agora, na frente da Polignac do filme, quem não seria? Há um momento que Mercy sugere que a Rainha se afaste de Polignac, mas ela se recusa.
E chegamos em Fersen (Jamie Dornan), uma das piores coisas do filme, porque se ele não estivesse lá, diferença não faria. O conde sueco Hans Axel von Fersen tinha um laço muito forte com Maria Antonieta. Hoje, graças ao uso de tecnologia para examinar as cartas e outros documentos do conde, sabemos que ele e a Rainha da França foram amantes, se chegaram a materializar isso em sexo, é outra história, mas o fato é que o sueco nunca se casou e arriscou-se para tentar salvar a família real francesa durante a Revolução. Sempre que Fersen é apresentado em qualquer material sobre Maria Antonieta - filme, mangá, anime, minissérie etc. - normalmente é omitido o fato dele ter tido várias amantes ao longo da vida, porque as sensibilidades modernas não processam muito bem a ideia de que sexo e amor podem ser coisas separadas, fora o fato de que ele jamais teria a Maria Antonieta para si.
Maria Antonieta e Polignac secam Fersen no baile de máscaras e ele chega junto.
Neste filme de 2006, é exatamente a (*suposta*) experiência sexual de Fersen que atrai Maria Antonieta e a direção e o roteiro tentam fazer uma preguiçosa analogia entre o sueco garanhão e o sexualmente desinteressante e desinteressado Luís XVI. É meio constrangedor, ainda que a cena de Kirsten Dunst nua com o leque na cama seja esteticamente interessante. Aliás, tudo nesse filme é feito para ser estético e superficial. Muito bem, não existe romance entre Antonieta e Fersen neste filme, se o sueco tivesse sido cortado, não faria diferença alguma.
Sua primeira aparição se dá no baile de máscaras, com mais ou menos uma hora de filme, onde efetivamente eles se conheceram. E vou colocar nos termos coloquiais que a coisa pede, porque a cena em si é muito vulgar mesmo. Maria Antonieta faminta e subindo pelas paredes, afinal, Luís XVI não se mexia para apagar todo aquele fogo, é informada por Polignac que ele tem fama de ser pegador, seguimos com algumas insinuações de duplo sentido sobre a espada do rapaz. Eles trocam olhares, Fersen se aproxima, ela se faz de coquete, e vai embora atrás de Polignac que tinha saído de fininho. Não existe sequer a informação de que ele poderia voltar a vê-la se fosse até Versalhes. Como Luís XVI tinha ido junto ao baile (!!!), ele ouve de um outro homem algumas obscenidades sobre como ele gostaria de resolver o problema da delfina, já que o marido não dava no couro. É isso aí e só. Eu prefiro Maria Antonieta da Norma Shearer com toda aquela situação insólita (*e historicamente absurda*) do encontro entre Fersen em Maria Antonieta do que isso aqui.
Passamos um bom tempo de filme, e nada de Fersen, porque, como pontuei, ele não é importante para Maria Antonieta nesse filme, ele será somente um casinho, um divertimento a mais. Antes do retorno de Fersen, Maria Antonieta tem sua primeira filha, Maria Teresa, isso em 1778, quando já havia começado a Guerra de Independência das Treze Colônias, ou Estados Unidos, como é referido no filme. De novo, eu aceito que na Rosa de Versalhes, Riyoko Ikeda, que escreve um quadrinho para um público infanto-juvenil e japonês, não fale em Treze Colônias, mas em um filme como Maria Antonieta é tratar a audiência como um bando de idiotas. Fersen tinha partido para a guerra, logo, ele não estava por perto quando nasceram os dois primeiros filhos de Maria Antonieta e Luís XVI, porque o delfim, Luís José, nasceu em 1781.
Muito bem, meia hora depois da primeira aparição de Fersen, Luís XVI visita a Antonieta no Petit Trianon, seu refúgio e pequeno palácio que ele mesmo lhe dera de presente, para dizer que ela voltasse para a corte, porque haveria um baile em honra dos soldados que LUTARAM NA AMÉRICA, logo, a guerra já havia terminado. O ano seria 1782, mas muito mais provavelmente 1783. Segue-se mais um diálogo vulgar entre Antonieta e Polignac, na presença da Princesa de Lamballe, sobre como os soldados estariam carentes, porque ficaram muito tempo sem verem mulheres. Realmente... Como se na América nao houvesse nenhuma.
A partir daí, em uma velocidade acelerada, Antonieta começa a flertar com Fersen, o leva para uma festinha com seus amigos íntimos (*inclusive o Conde de Provence*) e tudo termina em uma pequena orgia no Petit Trianon. Fersen e Maria Antonieta transam loucamente e, coisa curiosa, ele vai embora para a guerra!!!! Qual guerra?! É dito claramente que o conflito tinha terminado. Como assim? Maria Antonieta fica inconsolável e, até então, não se tinha mostrado a rainha com nenhum amante, e Fersen, que no futuro seria Christian Gray, nunca mais aparece. Vocês têm noção de como isso aqui é ruim? De como é tudo muito rasteiro e não contribui em nada para o roteiro?
Na verdade, o filme tem uma primeira parte muito bem estruturada, mesmo que pareça que protagonista é uma adolescente moderna que reencarnou no corpo de Antonieta lá no século XVIII (*e há vários mangás isekai que têm exatamente essa história*) e girando em torno da necessidade de se adaptar à Versalhes e do casamento não consumado, mas, depois, ele desanda, só voltando a se acertar um pouquinho lá para o final, depois que a Revolução acontece. Aliás, não vemos praticamente nada fora de Versalhes, nem aquelas cenas "for dummies" para situarem a audiência das motivações da queda da monarquia.
Depois da partida de Fersen, a cronologia se perde, não sabemos em que ano estamos. Há uma cena esteticamente interessante, com Antonieta, Polignac e Lamballe conversando sobre as difamações que a rainha sofria e a frase "que comam bolos", com uma Antonieta imaginária e com maquiagem de vilã dentro da banheira. Completa seria "Se não tem pão, que comam brioches", mas em inglês é comum que o final fique "let them eat cakes". Enfim, a Rainha pergunta em voz alta "Como eles podem acreditar que eu diria isso?". Só que não há nada no comportamento dela que aponte que ela não falaria algo assim, especialmente, em suas noitadas de bebedeira.
Outra cena introduzida para situar a crise é com os ministros dizendo que a França está endividada por causa da guerra na América. São os mesmos ministros que convenceram Luís XVI a mandar tropas para a América e aumentar "um pouquinho" os impostos quando o rei, que é pintado como um indolente entregue aos seus hobbies, pergunta se não seria dispendioso demais. Há outra cena de Mercy admoestando a Rainha, que está de mãos dadas com a filhinha (*e essa criança não irá crescer para além de uns cinco anos de idade, apesar de dever ter o dobro disso em 1789*) das dívidas e dos gastos. Ela é complacente com ele, diz que vai se moderar, mas é da boca para fora.
E temos as cenas com os quadros de Élisabeth Vigée Le Brun que são indignas, porque poderiam usar os originais, mas preferem colocar outros feíssimos, em uma sequência de vídeo clip para mostrar a queda da monarquia. Aparece primeiro Maria Antonieta com a Rosa, é colocada uma tarja "Cuidado com o défcit" sobre ele, depois outras que apontam para uma crítica aos gastos da Rainha, e a pintura é retirada. Um dos apelidos dados para a Rainha é "Madame Défcit". E em nenhum momento o filme vai tentar nos mostrar que ela não é, que fique claro, não existe nenhuma discussão sobre esse ponto. O segundo quadro, que seria de 1787, era uma peça de propaganda apresentando Maria Antonieta, trajando vestes muito formais, como mãe de uma nova geração de príncipes e eles como suas verdadeiras joias. Aqui, vou parar para comentar mais, porque é importante.
Maria Antonieta e Luís XVI tiveram quatro filhos: Maria Teresa (1778), Luís José (1781), Luís Carlos (1785) e Sophie (1786). Os difamadores irão insinuar que Luís Carlos é filho de Fersen, mas não era. Enquanto o quadro estava sendo pintado, Sophie morreu, há um rascunho dela no berço que, no quadro original, aparecerá vazio. Maria Antonieta não permitirá que o quadro fique exposto por causa do seu luto. No filme, fazem outra aberração na qual é Luís Carlos quem aparece no berço e, não, no colo da mãe. Esse quadro é rapidamente retirado de cena, porque ele seria a criança que morre. Luís Carlos, ou Luís XVII, morreu na prisão durante a Revolução Francesa. No ano da revolução, quem morre é Luís José, que era uma criança que sempre teve saúde frágil. Outra coisa, por qual motivo na sequência do cortejo fúnebre aquela criança estava descalça na neve? Nesse momento, nem a nobreza, que Maria Antonieta esnobou se refugiando no Trianon e ignorando a etiqueta aprece se compadecer dela.
A Revolução Francesa tem como marco inicial o 14 de julho, os eis ficaram em Versalhes até 5 de outubro meio que fingindo que nada estava acontecendo. Esta é a data da Marcha das Mulheres, ainda que houvesse homens misturados com elas. O filme transforma em um evento no qual quando a câmera mostra o grupo só vemos homens praticamente. E, detalhe, é uma das raras cenas em que vemos ente comum nesse filme, de resto, só a corte austríaca e Versalhes. Como pontuei em algum lugar, não vemos o sofrimento do povo e mal ouvimos falar da gente comum. Mas temos a belíssima cena de Antonieta se curvando ao povo no balcão. Pelo menos isso foi bem executado. O adeus a Versalhes também é uma bela cena e o filme termina aí, quando o sofrimento de verdade para Maria Antonieta estava somente começando. É um filme que parece costurar videoclipes, não posso definir de outra forma.
Antes de encaminhar para o fim, é preciso comentar algumas questões. O figurino do filme, feito por Milena Canonero, é certamente um dos seus pontos altos. As roupas são muito próximas daquelas usadas à época e podemos ver toda a variedade de vestidos que eram usados entre 1770 e 1789. Temos os vestidos de corte, como o usado por Maria Antonieta em seu casamento, que eram larguíssimos, porque usavam enormes panniers, até a variedade de vestidos utilizados ao lingo dos anos. Há vários artigos sobre a construção do figurino do filme e eu recomendo a leitura deste aqui. No aspecto figurino, o filme é uma joia do cinema, só que figurino não torna um filme bom e, como já repeti, Maria Antonieta é um espetáculo estético.
Os cabelos são destaque junto com o figurino, mas, aqui, temos problemas. Os poufes (*1 - 2*), os penteados elaborados e que ficaram muito altos na década de 1780, eram uma das paixões de Maria Antonieta, no início, talvez, a ideia fosse disfarçar um dos traços Habsburgo da rainha, sua testa alta (*demais*). Esses penteados, eram adornados com flores, penas, joias, mas, também, com adereços muito mais extravagantes e podiam chegar até um metro de altura. Através desses penteados elaborados eram passadas mensagens políticas, também. Por exemplo, Maria Antonieta se posicionou a favor da "vacinação" contra a varíola usando adereços que defendiam a inoculação era o chamado “pouf à la inoculation”.
O erro do filme foi colocar o chamado "pouf à la belle poule" em 1774, quando da coroação, quando ele foi inventado em 1778, quando do início da guerra de independência das Treze Colônias. é o penteado de Maria Antonieta com o barquinho na cabeça. Por qual motivo não estava no lugar certo, por exemplo, quando Maria Antonieta reencontra Fersen? Não sei. Mas alo importante é terem dado destaque para Léonard (James Lance), o genial cabeleireiro da Rainha, mas esqueceu, mesmo na sequência dos rolos de tecido, de colocar, nem que fosse de passagem, Madame Bertin, que era apelidada de Ministra da Moda, e era responsável por vestir a rainha e inventar novidades na área. Cortá-la foi muito estranho.
Não achei o nome no IMDB, mas o ator negro dando aula de música para Maria Antonieta no filme só pode ser o Chevalier de Saint-Georges. Ele realmente deu aulas para a Rainha, ele era uma das figuras mais interessantes de sua época, grande espadachim e músico, recebeu o apelido de Mozart Negro. Ele se relacionou com Olympe de Gouges, Lady Worsley e derrotou em uma exibição de duelo o grande Chevalière d'Éon. Apesar da ausência nos créditos, o filme ganhou pontos por ter colocado pessoas negras em Versalhes, além do Chevalier, há um homem negro assistindo à coroação de Luís XVI e, claro, incluíram o menino negro que era criado (*escravidão já era proibida em território francês, não nas colônias, fazia tempo*) de Madame Du Barry. A Europa era majoritariamente branca, mas não totalmente branca e é importante que um filme lembre de marcar essas coisas.
E ia esquecendo. Há quem acredite que Bridgerton foi o primeiro material de época que utilizou músicas modernas. Não foi, não. Nem sei se foi Maria Antonieta, mas este filme usa várias músicas contemporâneas, ou que assim parecem e não há nenhum problema nisso. Da mesma forma, as pequenas brincadeiras, como o tênis all-star converse entre os sapatos da Rainha é uma brincadeira divertida. O que separa a Antonieta do filme das jovens fashinistas e fúteis (*porque ela é vendida assim pela película*) de 2006? Agora, não precisavam da festinha de 18 anos. Foi uma parte bem ridícula do filme e só faltou o "Happy birthday to you" começar a tocar, nem se fossem os acordes. Talvez a mensagem fosse, "Agora, ele é maior de idade e pode aloprar geral."
Devo ter esquecido de comentar muitas coisas. Mesmo que eu considere o filme fraco e uma peça que não ajuda em nada a rediscutir a personagem Maria Antonieta, ou como gastar muito era uma exigência entre os nobres da época, ou como chegamos à revolução, ele é muito rico e poderia fazer várias outras discussões. Agora, é fato que ele tem cenas bem marcantes, mas um bom filme não é feito de cenas isoladas, ou por ter uma estética interessante. Agora, é um filme que continua dialogando bem com um público jovem, especialmente, com meninas adolescentes, porque elas conseguem se projetar, ou ter empatia, por Maria Antonieta. E falo isso, porque passo cenas do filme todos os anos e, em 2025, em turmas diferentes, vi como algumas meninas que já tinham assistido a película reagiram.
Um filme não precisa ser historicamente correto, a proposta, aliás, não era essa mesmo, mas ele precisa ter um roteiro que tenha alguma coerência, não é o caso de Maria Antonieta de Sofia Coppola. Enfim, há outros filmes e docudramas sobre Maria Antonieta e a Revolução Francesa no filme, já linkei dois na resenha, mas deixarei todos os links para quem quiser dar uma olhada: Maria Antonieta (1938), Rosa de Versalhes - live action (1979), Rosa de Versalhes - animação (2025), Marie-Antoinette, la véritable histoire (2006), Adeus, Minha Rainha (2012), A Fuga de Luís XVI (2009) e A Revolução em Paris (2018).
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