Ontem, parei para assistir mais um dos filmes do Loveuary, o festival de filmes em homenagem à Jane Austen do Hallmak Channel e foi um bom passatempo, depois que eu venci os primeiros dez minutos iniciais. Ainda bem que eu não desisti! Paging Mr. Darcy, que foi o primeiro dos filmes a ser exibido, acabou sendo bem simpático e divertido, bem diferente do fraquinho Love & Jane. O elenco tinha uma idade adequada, os clichês não eram ofensivos e as personagens não se comportavam de forma idiota, mesmo que tenhamos uma boa dose de humor. Acabou sendo uma boa homenagem à obra de Jane Austen. Bem, vamos ao resumo:
Eloise Cavendish (Mallory Jansen) é uma professora universitária especializada na obra de Jane Austen. Ela defende que os livros da autora são muito mais do que meras histórias de amor. Sim, é verdade, mas por trás dessa defesa até agressiva de que os trabalhos de Austen sejam vistos por outra ótica, está uma mulher que tem dificuldades na sua vida amorosa. Cavendish é uma das principais convidadas para o evento anual da JALA (Jane Austen League of America) e jamais aceitaria estar em um encontro de fãs se a maior especialista norte-americana em Austen, Victoria Jennings (Carolyn Scott), não fosse uma das presenças confirmadas. Cavendish deseja conhecer Jennings e conseguir, quem sabe, cavar uma indicação para um emprego em Princeton.
Chegando ao aeroporto, ela é recepcionada por um sujeito vestido com roupas da época de Austen, ele (Will Kemp) é o Mr. Darcy oficial do evento. Cavendish tenta se desvencilhar dele, mas o evento é longe e é melhor aceitar a carona. Chegando ao hotel, a protagonista precisa conviver com o que ela parece mais odiar, fãs de Austen e chega a reencontrar até uma ex-aluna (J.D. Leslie), cuja peça será encenada no evento. Para piorar, sua irmã caçula, Mia (Lillian Doucet-Roche), brigou com o namorado (Robert Notman), porque não gostou da forma como ele a pediu em casamento, e termina se refugiando em seu quarto.
Cavendish acaba conseguindo se aproximar de Jennings e descobre que Mr. Darcy, que se chama Sam Lee, é sobrinho dela. O sujeito lhe faz uma proposta, ele a ajudará a conseguir o posto em Princeton, aproximando-a de sua tia, para livrá-la de um sujeito (David Rosser) que ele considera um aproveitador, um outro especialista em Jane Austen, que era ator e chegou a interpretar Willoughby em uma adaptação de segunda linha de Razão & Sensibilidade da BBC feita em 1986.
Só que a professora Jennings adora a fanbase de Jane Austen e as atividades promovidas no evento. Ela acredita que o trabalho acadêmico sobre as obras da autora pode conviver harmonicamente com as atividades de fãs. Logo, para conseguir encantar a Dr.ª Jennings, Cavendish precisará participar do evento tendo Mr. Darcy como seu guia. E, no fim das contas, ela acaba descobrindo que ela estava sendo preconceituosa e que poderia não somente se divertir, mas, também, encontrar o amor verdadeiro.
Olha, os dez primeiros minutos de Paging Mr. Darcy quase me fizeram desistir do filme e ainda bem que eu não o fiz, porque o filme foi se tornando interessante, divertido, fofo até, mesmo que operando em cima de vários clichês, como o da rivalidade entre irmãs. Quando começamos, Eloise Cavendish está voando para a conferência da JALA, uma clara brincadeira com a JASNA (Jane Austen Society of North America), e é extremamente arrogante com um homem ao seu lado que tenta puxar assunto. Chegando ao aeroporto, ela maltrata o pobre Mr. Darcy do evento, que só quer ser prestativo. E até meio que debocha dele ter sotaque falso. Mais tarde, descobriremos que ele é inglês de verdade.
Há um motivo, que será revelado mais adiante, mas que não darei, porque é spoiler, para Cavendish ter reservas em relação aos eventos de fãs, mas, no fundo, no fundo, há, também, um elitismo acadêmico. Eu sei que esse tipo de separação entre a academia e os fãs, ou o público comum, existe. Muitos anos atrás, vinte, acredito, eu estive em um Encontro Internacional de Estudos Medievais em Londrina e havia um pessoal que era fã de Idade Média e tinha sido convidado pela organização para fazer uma exposição com réplicas de armaduras e outras coisas, vários membros do grupo ficaram andando vestidos à caráter pelo campus.
Conversei com a líder do grupo e ela me explicou que muita gente estava reclamando, dizendo que eles não deveriam estar ali, que eles eram um desserviço ao evento, que era um encontro acadêmico sério. Vejam, era um congresso que, ao trazer esse pessoal, que faz divulgação popular, poderia atrair gente comum, adolescentes, crianças, que, em no futuro, poderiam se interessar por Idade Média, desejar estudar história, ou mesmo ajudar a fazer a ponte entre o que se produz na universidade e o público mais amplo.
Considero isso super válido, mas, para alguns acadêmicos, é uma ofensa. Anos depois, reencontrei este mesmo pessoal em mais de um evento de anime e mangá, aqui, em Brasília eles não faziam mais réplicas realistas, mas material estilizado, coisas de Harry Potter e afins. Era o que vendia, era o espaço que conseguiram.
Muito bem, Cavendish tem lá uns traumas do passado, ela se sente um patinho feio em comparação com a irmã caçula, ela detesta ser o centro das atenções por causa disso (*salvo, quando está discutindo questões acadêmicas*), mas é o elitismo que a faz considerar o pessoal que se veste como nos tempos de Austen em um evento, ou decide fazer chapéus artesanais (bonnets), ou sonha em encontrar um Mr. Darcy para chamar de seu, como um problema. Ela acredita que esse tipo de gente prejudica a percepção da obra de Jane Austen e sua valorização. Austen é reduzida a uma autora de romances românticos, enquanto, para Cavendish, a autora seria uma refinada crítica e observadora de sua sociedade. Enfim, Austen foi as duas coisas.
Ao descobrir que a Dr.ª Jennings se diverte com os eventos, gosta de participar deles, a protagonista tenta pelo menos parecer interessada. E vem a proposta do Mr. Darcy oficial do encontro. Eloise Cavendish não vai com a cara de Sam Lee (*achei esse nome tão americano*) no início, afinal, o homem se interessa pelo universo de Austen, se diverte encarnando o Mr. Darcy do evento e gosta até das roupas. Aqui, abro um espaço para comentar o figurino dele. Achei as roupas de época mal cortadas, ou, pelo menos, mal arranjadas nelas, mas o ator fica lindo com roupas contemporâneas. Quando ele se troca a primeira vez e aparece com uma blusa verde, a protagonista meio que perde a fala. Figurino simples, mas foi o que o deixou mais bonito.
Sim, o tal Will Kemp é bem interessante e simpático, tentaram fazer com que ele ficasse parecido com o Matthew Macfadyen, basta prestar atenção, mas olhando outras fotos dele, vi que ele não é tão parecido assim. Já a atriz que faz Eloise é linda, também. No início, metida naquele horrendo vestido verde, que é todo fechado em cima, mas com uma inexplicável minissaia, não parece tanto, mas com outras roupas, ela se torna a mulher mais bonita do filme de longe. O que tona meio absurdo o fato dela se achar feia.
Claro, é um clichê, mas em contraste com a irmã, ela ganha de longe. Aliás, Mia, a irmã de Eloise, é uma personagem muito realista nas sua contradições. Eu conheço gente como ela, expansiva, um tanto egoísta, encantadora, inconstante e cheia de fantasias. Por isso mesmo, acho que aquele noivo dela deveria é fugir da encrenca, porque ela é encrenca. O pobre sujeito era sincero nos seus sentimentos, isso fica evidente desde o início do filme, mas Mia quer glamour, que sonho, quer espetáculo. Não sei se vale a pena alguém, seja homem, ou mulher, se submeter aos sonhos e manias dos outros. Na verdade, eu tenho certeza que não vale a pena.
Voltando, Eloise termina mergulhando no universo do evento por interesse, verdade, e acaba genuinamente se divertindo. Sam é um excelente guia e as cenas dos dois, aprendendo a dançar, tentando salvar um piquenique regencial, visitando a exposição que tem originais de Jane Austen, ficaram bonitinhas, mesmo. Temos quase beijo em uma dessas cenas, porque, pelo que eu entendi, nos filmes da Hallmark parece só rolar beijo no final, o que é meio frustrante, mas o desenrolar da coisa até ficou bem arrumada. A parte do piquenique é muito boa, porque Eloise usa seu conhecimento sobre culinária do período, ela dera um curso sobre isso, para que eles consigam organizar com os recursos que possuem, o que seria a alimentação básica do período. E a sequência de ambos cozinhando, porque os doces eles terão que fazer mesmo, é uma das mais legais do filme.
O sujeito parece muito seguro de si mesmo, mas foi a experiência com o teatro desde o colégio que lhe deu alguma segurança. Ele é incrivelmente tímido e trabalha com internet exatamente para não ter que interagir com pessoas o tempo inteiro. A tia chega a adverti-lo que ele está vivendo menos do que poderia e que precisa ser capaz de expressar seus sentimentos, ou terminaria sozinho como ela.
Bem, nem Mr. Darcy, nem Jennings terminam sozinhos no filme é bom dizer. Paging Mr. Darcy arruma a vida amorosa de todo mundo e o faz de forma tão simpática e divertida, que o roteiro simples não ofende. Fazer o simples de forma apetitosa e sincera é melhor do que vir com ideias mirabolantes que não conseguem ganhar consistência em tela. Sam e Eloise ficam juntos. Ela consegue superar seus traumas de adolescência e um certo complexo de inferioridade em relação à irmã. Temos muitas citações às obras de Jane Austen e a brincadeira com a versão ruim da BBC de Razão & Sensibilidade é engraçada.
Se tiver a chance, se gostar de Jane Austen, ou de comédias românticas, assista Paging Mr. Darcy, porque é um bom filme. Love & Jane era fraco, An American in Austen foi exibido hoje, não tenho como avaliar, mas Paging Mr. Darcy foi uma boa homenagem à obra de Jane Austen e com um elenco que tem a idade certa, uma mocinha que não parece uma idiota e um mocinho que convence como uma boa escolha, mesmo nao sendo Mr. Darcy de verdade.
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