domingo, 21 de setembro de 2025

Comentando o final de Zutaboro Reijou wa Ane no Moto Konyakusha ni Dekiai Sareru: fui surpreendida por uma história cativante e com protagonistas melhores do que a da maioria dos animes por aí.

Sexta-feira, chegou ao final no Japão o anime Zutaboro Reijou wa Ane no Moto Konyakusha ni Dekiai Sareru (ずたぼろ令嬢は姉の元婚約者に溺愛される) ou Betrothed to My Sister's Ex, baseado nos livros de Tobirano com ilustrações de Mai Murasaki, e no mangá de Chikage Nakakura.  Este texto focará nos dois últimos episódios e fará um balanço da série, então, se você chegou aqui sem saber de qual anime estou falando, por favor veja os textos anteriores: 1 - 2 - 3 - 4.  E aviso que teremos spoilers.

Deixei os últimos dois episódios de Zutaboro (*chamarei assim daqui para adiante*) juntos.  Foi uma forma de tentar sentir o impacto do epílogo da série, que deveria ter pelo menos 13 episódios para não correr tanto no final, muitas das temporadas de anime têm, então, não sei por qual motivo escolheram fazer menos. Muito bem, no final do episódio #10, há a revelação do que já sabíamos faz muito tempo (*e eu desconfiava desde o início*): Anastasia estava viva.  A jovem foi ao encontro da irmã acreditando que ela estava sendo obrigada a casar com Kyros, que só a queria para produzir um herdeiro.  Esclarecida a confusão com Marie e Kyros se declarando publicamente diante de Anastasia, ela acalmou seu coração, ainda que o excesso de afeto do noivo da irmã a tenha deixado com a impressão de que ele era um tanto desequilibrado.

Foram dois episódios muito dramáticos, mas o tom do drama foi subindo desde o episódio #8, por assim dizer, então, surpresa não foi.  Anastasia e Marie têm uma longa conversa e ficamos sabendo mais sobre o passado das irmãs.  Voltamos para aquele dia em que Marie era pequena e estava doente e a avó, Sasha, expulsou Anastasia do quarto da menina.  Depois do ocorrido, a velha excêntrica tem uma conversa com Anastasia, que ficara sentada por horas na porta do quarto da irmã, igual a Ana de Frozen, e vemos que ela era amada, também, e que Sasha via as qualidades dela, que eram seu talento para criar coisas, enquanto Marie era alguém mais intelectual no sentido estrito da palavra.  Sasha sugere que o filho - o pai horroroso das meninas - tinha talento para a música, mas que foi obrigado a assumir o título e as terras.  Sasha, que é uma figura subversiva e feminista, por assim dizer, diz para Anastasia que ela e a irmã irão viver em um mundo diferente, no qual as pessoas poderão escolher o seu caminho a partir da sua vocação.  É uma utopia, porque isso não aconteceu nem lá, nem aqui, mas era algo sonhado por socialistas utópicos lá no início do século XIX.

Vemos então o quanto Anastasia sofreu por não poder ajudar Marie, porque era criança, também.  Ela sofria em ver Marie ser maltratada pela mãe, que odiava o cabelo da menina e seu aspecto físico em geral, e explorada pelo pai.  Anastasia, porém, tinha inveja de Marie em um aspecto; ela podia ir para a escola, enquanto ela era tratada como uma boneca enfeitada pela mãe e como um investimento futuro para o pai.  Enfim, quando Sasha morreu, Marie teve que assumir o trabalho administrativo do baronato.  A menina, sob a rígida supervisão da avó, aprendera várias línguas e precisava se aprimorar.  Ainda não me desce que o pai de Marie e Anastasia fosse completamente analfabeto, porque ele aparece lendo pedidos de casamento da filha mais velha e o orçamento que o sujeito de quem ele alugou a carruagem trouxe por escrito.  O que eu acredito é que ele fosse capaz de ler a escrita do povo comum, mas não as línguas elaboradas usadas para diplomacia, comércio e administração pela nobreza, em especial o Flarian.  Mas e a mãe das meninas?  Ela frequentou a escola; vemos isso no último capítulo.  Ela não podia ser analfabeta.

E vemos como Anastasia escapou do cocheiro que queria estuprá-la, enganando a todos sobre sua morte, e foi parar na oficina de Norman.  E não me desce, também, que o pai tenha mandado sua preciosa filha para se casar com Kyros sozinha com um homem desconhecido.  São os detalhes sem sentido do anime, que imagino que tenham vindo do original.  Como correram muito nessa reta final, no último episódio vemos alguma interação entre Luiphon, o príncipe amigo de Kyros, com Anastasia.  No mangá, e eu olhei raw, o príncipe ia com frequência à oficina de Norman e surgiu um flerte entre os dois.  Só que Anastasia estava disfarçada de garoto.  Eu não leio japonês, mas é visível que ambos estavam interessados, ainda que ela tivesse que fingir que não.  O que eu não sei é se Luiphon se importava dela ser um garoto.  Como deixaram isso de fora?  Um episódio a mais resolveria ou até  uma frase dele dizendo que gosta ainda mais dela como mulher, ou debochando que a preferia como homem, as duas opções combinariam com ele.

O último episódio tem duas partes, o confronto com os pais de Marie e Anastasia, que vão juntas até às terras do barão, que  não respondera ao chamado de seu suserano (*Kyros*), e o casamento.  A primeira parte mantém o drama lá em cima, mas tem algum humor.  Espero que a empregada velha do barão não tenha morrido de susto ou ferimentos quando Luiphon usa um ariête para arrombar o portão.  O fato é que Kyros, que estava junto com Marie e Anastasia, exige, depois que Mio captura o sujeito, que ele peça perdão publicamente para sua noiva.  E Marie estava vestida com uma roupa deslumbrante e que não deixava dúvidas quanto ao seu status, noiva de um conde, que um dia seria duque, e que  agora era amada e se sentia forte e segura.  

O velho, que cometera um crime contra o império, afinal, delegara suas funções sem notificar seu suserano e pedir permissão, além de administrar mal as suas terras prejudicando o povo, não se arrepende, não se desculpa, e continua ofendendo Marie e Kyros, porque há o racismo nessa história, não esqueçam.  Só que Kyros ainda estava com o príncipe Luiphon como testemunha.  O pai da moça é punido e rebaixado, perdendo seu título, que é transferido imediatamente para o filho, que ainda é uma criança, Cedric.  O menino, aliás, é enviado para a escola junto com o pai.  Toda a administração do baronato é assumida por uncionários de Kyros enquanto o menino é menor de idade.  Uma das coisas que gosto em Kyros é que ele não tem problema em ser duro se necessário for, ou de usar até métodos escusos para atingir fins que sejam nobres, por assim dizer.  Em vários momentos, ele me lembrou o Mundinho Falcão de Gabriela.  Gosto de personagens assim.

E temos a revelação do nível de loucura da mãe da protagonista.  Aqui, pouparei o spoiler, mas o fato é que a família era muito disfuncional e quem mostra mais ódio pelos pais é Anastasia.  Ela não consegue perdoá-los, já Marie está curada, por assim dizer, tem o amor do homem que ama, a estima da sogra, o respeito e o afeto dos empregados, ela pode olhar o futuro sem medo e deixar o passado para trás.  Falando em família tradicional, o anime mostra o quanto ela pode ser um poço de traumas e hipocrisias.  E Zutaboro não celebra a tradição, por assim dizer, mas uma busca pela felicidade pessoal, conciliada com o bem comum e o direito de escolher o seu destino.

E houve uma cena bonitinha nesse episódio final que mostra bem isso. Anastasia retornando para a oficina de Norman.  Ela pretendia se desculpar por tê-lo enganado, fingindo-se de rapaz e aproveitando-se do fato dele estar quase cego.  Norman a recebe com um abrço e lhe presenteia com ferramentas especialmente feitas para ela, para caberem nas mãos de uma mulher pequena como ela, ou de um adolescente.  No episódio em que ele se apresenta diante de Kyros, ele ficara horrorizado quando houver a sugestão de que seu aprendiz era uma moça, porque ele JAMAIS tomaria uma mulher como aprendiz.  As coisas mudam.

O casamento já tinha sido mostrado em um flash antecipado no primeiro episódio.  Já sabíamos que Kyros e Marie ficariam juntos, mas, agora, temos a festa e foi meio como fim de novela mesmo.  Piadinhas (*Toppo, o cozinheiro, emagreceu de novo, teve dois efeitos sanfona ao longo da série*), demonstração da riqueza do conde, alguns casais sugeridos (*Anastasia e Luiphon, em especial*), o reconhecimento de Mio por parte da mãe de Kyros (*Liu-Liu*) e o noivo e a  noiva belíssimos.  Dançaram, conversaram, Kyros pegou Marie no colo, teve fogos e beijo.  Foi um romance muito satisfatório, porque eles já tinham criado intimidade antes. Vimos beijos e declarações sinceras de amor e tivemos sexo.  Marie, aliás, poderia estar grávida já. Mas uma das críticas mais sérias que eu tenho é que só mostraram os dois na cama depois de fazerem amor, mas não o quando foram para o quarto.  

Como escrevi no meu texto anterior, eles não precisavam mostrar nada, bastaria agir como aqueles filmes norte-americanos da época em que o Código Hays já  estava morrendo.  Não sei mesmo por qual motivo cortaram uma sequência que parecia ser tão terna.  E, também, não sei por qual motivo colocaram a tag "smut" nas novels de Zutaboro na página do Bakaupdates, porque não há nada de obscenidade/pornografia nessa série.  NADA!  E não acredito que algo vai mudar depois.  É como colocar "smut" em Watashi no Shiawase na Kekkon (わたしの幸せな結婚), porque Kyoka e Miyo vão fazer sexo no livro #7 e não vemos NADA, somente um beijo mais apaixonado, o mocinho pegando a mocinha no colo e dizendo que a levaria para um lugar onde ela jamais tinha estado.  Luzes se apagam.  Sim, é só isso e em Zutaboro não tem muito mais que isso, não.

Queria muito acreditar em uma segunda temporada de Zutaboro, porque há muito da história a contar, mas sei que ela não virá.  Só olhando o mangá, dá para ver que várias coisas foram cortadas.  Alumas delas podem ser descartáveis?  Sim, mas vai saber.  E há coisas que virão depois.  Kyros e Marie terão uma filha.  Kyros tem um meio-irmão do mal.  Não sabemos nada das três irmãs dele ou do pai, que parece que morrerá em um livro futuro.  E eu gostaria muito que Mio descobrisse quem são seus pais e que, de repente, ela é meia-irmã de  Kyros, também.  Mas o anime não vai continuar.  Espero pelo menos poder ler os livros.  Eles começam a sair nos EUA em janeiro.

Antes de terminar, gostaria de pontuar que, apesar da correria, a série foi muito bem estruturada.  As incoerências que eu apontei vieram do original, não acredito que tenham sido deslizes do anime.  E a história fez sentido; as questões mais difíceis relacionadas à família de Marie foram razoavelmente explicadas no final.  Sim, um episódio a mais ajudaria, mas não houve nada que tenha ficado largado pelo caminho.  E mesmo com 12 episódios, a sequência de Kyros e Marie antes de acordarem juntos caberia perfeitamente.  

Falando em inconsistências, é curioso como essas séries fantasia, sejam as coreanas ou as japonesas, escolhem ambientes pseudo-europeus, misturando épocas e referências, mas não se preocupam com usos e costumes.  O pai de Kyros colocar uma concubina dentro de casa poderia ser OK no Japão ou na Coreia até, sei lá, o fim da 2ª Guerra, mas seria inaceitável na Europa desde pelo menos o século XII.  Não de forma aberta e oficial.  Ter uma concubina em uma casa separada já seria um escândalo, até passaria, mas não sem que a igreja (*católica ou protestante, pouco importa*) torcer o nariz e até ameaçar.  E transformar o filho natural em herdeiro não é coisa fácil e quanto mais distante da Idade Média se está, mais difícil seria, mas nesses mundos de fantasia, eles querem combinar o melhor de dois mundos patriarcais para os homens, eu diria.

Acredito que o que mais me atraiu para a série, que não é perfeita, nem uma produção com o impacto de um Watashi no Shiawase na Kekkon, foram as protagonistas.  Kyros não é o mocinho clichê de coração frio e cheio de noias.  Ele apaixona-se por Marie desde o início, sem saber quem ela é, simplesmente pela sua gentileza e intelecto, e deixa isso claro o tempo inteiro.  Ele tem inseguranças, ele pode ser bobo às vezes (*o humor do anime é meio bobinho mesmo*), mas está lá para dar segurança para nossa mocinha.  E ele não vai se deixar enganar a respeito dela em nenhum momento.  Uma preciosidade.  Também foi interessante uma das escolhas da equipe de animação.  Nas novels, a pele de Kyros é bem mais clara que no mangá e o anime o coloca com a pele ainda mais escura.  Um tipo bem indiano, eu diria.  Ah, sim, e Kyros é o bom senhor, esse tipo de personagem todo poderoso, mas benigno com seus serviçais e que serve para justificar as hierarquias.  Quem precisa de direitos trabalhistas ou defender a revolução com um patrão como Kyros?  😉

Marie, bem, a evolução dela foi a preciosidade de Zutaboro.  Ela é tão traumatizada quanto uma Miyo, ela se considera inferior e indigna do amor de Kyros, ela foi educada para se sentir desprezível, mas estava aberta para a mudança.  Ter um mocinho que a acolhe desde o início é fundamental, claro.  Mas a evolução é consistente com o andamento da história e não se estica para além do que a temporada seria capaz de oferecer.  A Marie do início é muito diferente daquela que vemos no final e eu não acredito que, caso houvesse uma segunda temporada, ela retrocedesse e se enchesse de medos e dúvidas quanto a si mesma ou ao amor de Kyros por ela.  E, outra coisa, Marie sempre foi muito inteligente, a parte da carta em que ela não acredita que o pai estava à morte, pois gente que está quase morrendo não consegue escrever tão bem, é um exemplo disso.  Além de ser mais uma ponta solta da tal história de que o pai não sabia escrever ou ler.  Em qual língua ele escevia, afinal?

E, só para concluir, que figurino maravilhoso esse anime teve.  Houve alguns vestidos feios, sim, mas a maioria absoluta foi muito bem pensada, misturando épocas e culturas.  E a mocinha não era a única bem vestida, Kyros também tinha um figurino variado e interessante.  Preferia que os sapatos de Marie não fossem quase que somente scarpins, que ela usasse sapatilhas baixas em alguns momentos, mas foi interessante terem um sapato aparecendo em vários momentos importantes da vida dela.  E não era o sapato do casamento, porque o casamento não foi um dos momentos-chave da trajetória da mocinha, mas a celebração do amor que ela já tinha certeza de ter conseguido.  E a animação não caiu nunca, a qualidade foi uniforme, por assim dizer.  Enfim, é isso, foi um anime de romance que entregou mais do que prometeu, mesmo com problemas, um deles, pequenininho, mas sensível, foi Marie continuar usando -san com o Kyros, ela poderia chamá-lo só pelo nome, acho que ele ficaria extasiado.  E eu que escrevi no meu primeiro texto que essa série parecia sem conflitos e pouco interessante.  😁  Você assistiu Zutaboro?  Gostou da série?

0 pessoas comentaram:

Related Posts with Thumbnails