domingo, 23 de dezembro de 2018

Jornal do Shoujo Café: Doraemon na TV brasileira outra vez mais um monte de notícias engajadas que eu preciso postar


O jornal do Shoujo Café parece ter agradado muita gente, então, tenho me esforçado para postá-lo todos os domingos.  Esta semana, acredito que será uma edição muito política, não no sentido partidário, mas de posicionamento mesmo.  É preciso, é urgente e um blog feminista não pode deixar de fazer isso.  Tenham em mente, portanto, de onde parte o meu olhar e sigam a leitura se desejarem.

Será que Doraemon fará sucesso?
1. Doraemon (ドラえもん) na Bandeirantes em janeiro.  Na alvorada do novo ano, Doraemon vai estrear nas manhãs da TV Bandeirantes.  Segundo o JBOX, será a última série do gato robô que é uma instituição no Japão, a de 2007.  Doraemon já passou pelas TVs brasileiras, uma de suas temporadas (*Além da série original de 1973, elas foram produzidas continuamente entre 1979 e 2005*) foi exibida pela saudosa TV Manchete.  A série não causou nenhum impacto à época e eu imagino que um dos problemas possa ter sido a dublagem, escrevo isso, porque Gênio Maluco (ハクション大魔王/Hakushon Daimaō) era adorado pelas crianças (*eu inclusa*), tinha o mesmo perfil, e uma dublagem realmente muito inspirada.  É só uma teoria, mas espero que dessa vez Doraemon conquiste corações.
Chico Alencar tem mais livros religiosos do que de História.
2. Pais exigem exclusão de livro de autoria do deputado Chico Alencar da lista de material de uma escola de elite de Brasília.  Fui aluna do deputado Chico Alencar na UFRJ em Didática do Ensino de História.  Ele tinha perdido a eleição para prefeito do Rio, não contou com o apoio do seu próprio partido na época, o PT, terminou em terceiro lugar, e teve que voltar ao serviço público.  Tinha estudado em um livro dele, História da Sociedade Brasileira, no 2º ano, que cursei em um colégio super tradicional e conservador de Nova Iguaçu, mas ele escreveu vários livros de contos, inclusive infantis.  A Semente do Nicolau – Um Conto de Natal é um desses livros e foi escrito quase trinta anos atrás, adaptado para o teatro e tudo mais.  Eu nunca o li, mas é um livro sobre valores e, bem, Chico Alencar foi um dos sujeitos mais católicos que eu já conheci na vida, um cara comprometido com o evangelho dos pobres, aquele do santo que lhe deu nome, Francisco de Assis.  Talvez, os pais militantes não comunguem dos mesmos valores.  Aliás, a maioria dos livros do deputado são religiosos e publicados pela Vozes, editoras dos franciscanos.

Quando esse livro foi escrito, Chico Alencar nem era deputado, era professor, mas para os pais influenciados pelo projeto Escola Sem Partido, bastou saber que ele era do PSOL para que sua obra ficasse manchada.  A escola, o Le Petit Galois, de uma das redes mais caras de Brasília, chegou a negar que o livro estivesse incluído na lista.  Foi tudo um engano.  É lamentável e triste, mas são os tempos em que vivemos.  A Rádio CBN fez uma matéria sobre o caso e o próprio Chico aparece falando nela.
O projeto Escola Sem Partido
foi apelidado de "Lei da Mordaça"
3. Projeto Escola Sem Partido é arquivado, mas não convém comemorar ainda.  O projeto Escola Sem Partido, que visa oficialmente inibir a doutrinação ideológica nas escolas, foi arquivado.  Trata-se de uma pequena vitória e enfatizo isso, porque ele já está sendo aplicado em alguns lugares, mesmo contra a legislação vigente, e voltará a ser discutido no ano que vem.  De qualquer forma, fiquei feliz com o resultado e, mais uma vez, confirmei que votei corretamente para deputada, pois Erika Kokay (PT/DF) foi uma das que mais combateu contra essa aberração.  

E não é uma aberração por criticar e desejar proibir a doutrinação ideológica e partidária nas escolas, esse fantasma inventado por lunáticos que nunca ou quase nunca estiveram em sala de aula, ou exigir que professores cumpram o conteúdo previsto (*tem professor que alopra e cisma que pode dar o que quiser.  Falo como professora que acompanha problemas do tipo*), mas por desejarem banir o ensino de conteúdos importantes (*educação sexual, diversidade, e outros*) com o intuito de proteger as crianças e privilegiar os interesses das famílias.  Daí, como já escrevi em outro texto, além de proibirem a propaganda político-partidária em sala, podem proibir Teoria da Evolução ou ensino de certas pares do corpo humano, ou que a Terra não é plana, ou que a escravidão vai contra o mais básico dos direitos humanos.  Basta pegar o discurso dos militantes do projeto e comprovar esse risco. 
Minha deputada Erika Kokay bem ao centro.  Junto com ela,
Ivan Valente e Maria do Rosário.  As outras duas,
infelizmente, não reconheço.
Ano que vem o projeto volta e chancelado pelo governo eleito.  De qualquer forma, queria deixar uma matéria da revista Época que é muito alarmante, ela se chama "Procuradores se revoltam com erotismo, defendem Escola sem Partido e armam estratégias em convenção".  Bem, bem, autoridades envolvidas nessa convenção utilizaram trechos de um livro adulto com conteúdo erótico/pornográfico e que nunca esteve na lista do MEC para acirrar os ânimos e inflamar uma autora.  A organizadora do tal livro era  Ana Maria Machado, muito mais conhecida por seus livros infantis, o trecho lido, e que está na matéria, era do conto "O Cobrador", escrito por Rubem Fonseca.  Perguntado sobre a reportagem sobre a "confusão" deliberada, o procurador Guilherme Schelb, que foi um dos indicados pela bancada evangélica para o ministério da educação e acabou preterido pelo candidato do astrólogo que se diz filósofo, respondeu que o livro "Poderia estar em qualquer lista recomendada pelo MEC".  Não, não poderia e ele sabe.  É como a mamadeira erótica que circulou pelo Whatsapp de muita gente.  Esses caras vão mentir e mentir e mentir sem nenhuma dor na consciência em nome de um "bem maior" que seria o controle dos corações e mentes das crianças e adolescentes.  Fiquemos de olho.

4. O Caso João de Deus.  Não comentei nada sobre o escândalo do médium que é acusado de ter abusado de mais de 500 mulheres com idades de 9 e 67 anos, por falta de tempo mesmo.  A primeira denúncia contra ele data de mais de dez anos atrás e ele ganhou o processo.  Só que, agora, veio uma enxurrada que é difícil ignorar, ainda que muitos casos já tenham prescrito.  Primeira coisa, João de Deus, que eu conhecia faz tempo, ganhou fama internacional graças à personalidades como Oprah Winfrey.  No Brasil, ele já era super conhecido e não somente Abadiânia, cidade perto de Brasília  onde está o santuário do médium, e todas as cidadezinhas vizinhas dependem do turismo religioso.  E os efeitos do escândalo já estão sendo sentidos na economia da região. 
João de Deus entre famosos.
"'500 mulheres para calar um homem', diz Bruna Lombardi sobre João de Deus.", ela foi uma das celebridades que se posicionaram publicamente, afinal, aparecia em foto com o médium junto com toda a família.  Eu até poderia jogar todo o peso da questão no fator gênero, a palavra de um homem vale mais que a de qualquer mulher, especialmente, se esse homem é branco, o que é agravado quando se trata de um líder religioso.  No entanto, queria que vocês atentassem para a questão econômica. Pensem o seguinte, quantos casos foram abafados para não gerar dano aos negócios?  Imagine a filha ou esposa de um comerciante local denunciando um abuso. O que aconteceria com o negócio da família?  Melhor deixar quieto.  Minha tese é que o fato de serem mulheres teve, pelo menos nesse caso, um impacto menor do que os interesses econômicos diretos.  

Enfim, João de Deus está preso e em seu depoimento culpou Deus e os espíritos.  Como encontraram armas e dinheiro escondido em suas residências, talvez a preventiva seja mantida.  No entanto, é surpreendente que o fervor religioso, ou a superstição (*e eu falei um pouco disso no último Shoujocast*) estejam presentes até entre os policiais.  O relato da delegada responsável pelo caso, é estarrecedor, ela deveria ficar fora do caso.  O pedido de habeas corpus do médium será julgado por Dias Toffoli, que já se consultou com ele, por isso, há quem tema que ele seja complacente.  De qualquer forma, acredito que fora da cadeia João de Deus terá todas as condições de intimidar e comprar vítimas.  Por enquanto, a sua defesa só tenta desqualificá-las moralmente, algo que, sim, tem a ver com gênero.  A parte positiva desse horror todo, além de tirar esse sujeito de circulação, é que o Senado avançou com as discussões sobre tornar o estupro um crime imprescritível.  Espero que passe.

A cadelinha assassinada.
5. Penas mais duras para quem maltrata os animais.  Se o escândalo relativo a João de Deus pode gerar mudanças na legislação sobre o estupro, o assassinato de uma cadelinha por um segurança do Carrefour em Osasco teve como um dos efeitos o endurecimento da legislação sobre maus tratos contra os animais.  Na verdade, houve outro caso acontecido nos mesmos dias que teve impacto nessa história, também, a descoberta de uma rede  de difusão de zoofilia pela internet. A lei mais dura, no entanto, não inclui vaquejadas, ou rodeios.  

6. Ainda o Caso Damares.  Escrevi duas vezes (*1-2*) sobre a ministra e continuarei escrevendo se puder e quando for necessário. Enfim, esta semana, ela deu uma entrevista contando em detalhes os abusos sexuais perpetrados por dois pastores contra ela na infância e dentro da casa de seus pais, ou seja, dois baluartes do discurso do novo governo - igreja e família - foram incapazes de impedir, ou lidar com a violência sexual contra uma criança.  Os pais de Damares foram instados a orar pelos anciões da igreja e ficou por isso mesmo.  E os pedófilos estupradores, bem, se evadiram.  Não descreio do depoimento, ofereço toda a minha solidariedade, PORÉM gostaria de saber de duas coisas, primeira, se ele buscou tratamento profissional depois de adulta e independente, algo fundamental em casos como esses, ou ficou só no círculo religioso, segundo, os nomes dos pastores precisam ser revelados.  

Pensem no caso João de Deus e no estrago que esses homens podem continuar fazendo por aí.  Será que a ministra não pensa nisso?  Um deles foi preso, ela diz na entrevista, e eu entendo o seu silêncio naquela época, mas e depois?  E o outro?  Eu faria de tudo para impedir que outras meninas caíssem nas garras desses homens e ela tem poder.  Já tinha antes de se tornar ministra, porque era palestrante importante e seu testemunho amplamente divulgado (*eu sabia antes do vídeo da goiabeira que ela tinha sido abusada, quem soube depois dormiu no ponto*). De resto, deixo a fala de terça-feira do Reinaldo Azevedo sobre a entrevista.  Está no ponto certo, basta deixar rolar.


7. Terminando com uma notícia muito boa: Ex-aluno da UnB é condenado a 41 anos por racismo, terrorismo e coação.   Trata-se de uma vitória para muita gente que foi perseguida por ele durante anos, inclusive, a blogueira feminista Lola Aronovich,  professora de Universidade Federal do Ceará, que eu conheço e estimo bastante.  Marcelo Valle Silveira Mello, o criminoso, só frequentou a UnB por um semestre, mas foi nessa época, quando teve que abandonar o curso de português-japonês (*seria ele otaku, também?*), que ouvi falar dele, isso muito antes de eu saber quem era a Lola.  Ele expressou opiniões racistas, ofendeu cotistas e alegou insanidade para não ser preso.  Esse caso rolou na época do Orkut.  


A Lola é uma querida e uma valente, também.
Mais tarde, Marcelo foi preso acusado de planejar um atentado na UnB.  Ficou uns meses na cadeia, saiu e voltou a praticar os mesmos atos infames: ameaçar pessoas, especialmente mulheres, divulgar material pedófilo, misógino, homofóbico e racista, abrir sites com esse tipo de conteúdo usando o nome de terceiros para incriminá-los etc.  Ele também ameaçou um repórter da Globo por causa do programa Profissão Repórter que abordou o tema e as atividades criminosas dele.  Recentemente, ele foi preso na Operação Bravata e, bem, pegou um juiz que percebeu a seriedade dos seus atos e lhe deu uma pena pesada.  Segue trechos das matérias:

""Marcelo reiteradamente estimula o ódio, o preconceito, ofende a minorias, mulheres, homossexuais, raças, entre outros, bem como estimula os leitores de suas postagens a atuar da mesma forma", afirmou o juiz federal Marcos Josegrei na decisão em que autorizou a operação." "O magistrado considerou “inequívoca” a periculosidade do condenado. Caso fique solto, Marcelo pode ser uma “verdadeira ameaça à ordem social”, escreveu o juiz na sentença. “Não só na condição de autor de delitos, como divulgação de imagens de pedofilia, racismo e líder de associação criminosa virtual, mas também como grande incentivador de cometimento de crimes ainda mais graves por parte de terceiros, como homicídios, feminicídios e terrorismo”, completou Marcos Josegrei."  Marcelo e outras figuras de seu círculo podem estar envolvidos no massacre de Realengo exatamente nessa condição de "incentivadores".  Mas, enfim, recomendo o texto da Lola, afinal, ninguém melhor que ela, que sofreu a perseguição desse e de outros celerados, para falar.  Leiam o texto, por favor.  Às vezes, a Justiça funciona.  É possível ter esperança. 💙

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