sexta-feira, 29 de maio de 2020

Comentando Mansfield Park (1999): Por qual motivo alguém decidiu que era uma história sobre escravidão?


Ontem, decidi pegar o filme Mansfield Park de 1999 para assistir.  Assim como fiz o projeto de assistir todas as adaptações possíveis de Emma, quando resenhei Manfield Park de 1983, imaginei que poderia fazer o mesmo com as adaptações desta obra de Austen.  Demorou, mas como é coisa rápida, são dois filmes, acho que vou levar esta tarefa adiante.  O filme de 1999 é da Miramax, feito para o cinema e meio que seguindo os passos de Emma (1996).  Inclusive, tenho os dois filmes em um mesmo box.  O livro original foi lançado em 1814.


Fanny era pobre, pobre, muito pobre.
Para quem não conhece a história de Mansfield Park, em linhas gerais é a seguinte. Fanny Price (Hannah Taylor-Gordon) vai morar com os tios e os primos em Mansfield Park aos 10 anos. Sua mãe é irmã de Lady Bertram (Lindsay Duncan, em ambos os papéis) e fez um casamento ruim, pois sua união se fez por amor, mas seu marido (Hilton McRae) tornou-se um alcoólatra. Quem leva a menina para Mansfield Park é outra irmã de sua mãe, a Mrs. Norris (Sheila Gish), que é casada com o pároco residente. 


E substituem o irmão por uma irmã nesta versão.
Desde o início o status de Fanny é complicado, já que ela não poderia ser criada como uma igual em relação aos primos e primas, mas não seria também uma criada. Na casa, somente seu primo Edmund (Jonny Lee Miller) trata Fanny com real afeto desde o início e a menina cresce muito apegada ao primo e mantém ativa correspondência sua irmã, Susan (Sophia Myles). Chegada ao final da adolescência, Fanny (Frances O'Connor) é sempre prestativa e amável, mesmo sendo sempre lembrada da sua condição por sua cruel Tia Norris, agora viúva e quase sempre circulando em Manfield Park.


A mãe de Fanny casou-se por amor e veja no que deu...
Enquanto seu tio (Harold Pinter) está em Antigua cuidando dos negócios da família, a chegada de um casal de irmãos à vizinhança – Mary (Embeth Davidtz) e Henry Crawford (Alessandro Nivola) – agita a vida em Mansfield Park. As duas primas de Fanny, Maria (Victoria Hamilton) e Julia (Justine Waddell), caem de amores por ele. Maria flerta com Henry Crawford sem se importar muito com a presença de seu noivo, Mr. Rushworth (Hugh Bonneville). Fora isso, o primo mais velho de Fanny, o indisciplinado Tom (James Purefoy), retorna para Mansfield Park e decide aceitar montar uma peça de teatro (Lover’s Vows) considerada escandalosa por Edmund. 


A menina Fanny é muito boa e, sim,
uma escritora desde a infância.
O rapaz teme pela virtude das irmãs e de Mary Crawford, e acredita que seu pai não iria gostar da idéia de ter suas filhas atuando, mesmo que por passatempo. Só que Edmund é voto vencido já que a idéia é do agrado de todos, inclusive de sua Tia Norris. A peça cria situações para em que virtude dos participantes, especialmente de Maria Bertram, que mesmo noiva flerta com Henry Crawford, em risco, além de aproximar Edmund e Mary Crawford. Fanny assiste o desenrolar de toda a situação em silêncio, mesmo sofrendo de amores por Edmund, pois percebe o quanto ele está encantado por Mary, uma moça rica e uma esposa mais que adequada para o rapaz.


Ao crescer, ela continua escrevendo.
A volta do tio impede a montagem da peça. Mais tarde, Henry Crawford decide se declarar para Fanny e a resistência da moça, considerada injustificável já que o rapaz é rico, faz com que o Sir Thomas a envie de volta para “casa” como uma forma de refletir sobre sua condição e o quanto está sendo ingrata. Fanny, no entanto, se mantém constante e termina perdoada pelo tio e retornando para Mansfield Park, que ela considera seu lar. Tom está muito doente e a moça ajuda a cuidar dele, enquanto isso, as máscaras começam a cair e todos descobrem que Fanny estava certa a respeito do caráter de Henry Crawford.  A constância de Fanny é recompensada com seu retorno para Mansfield Park e seu casamento com o primo, Edmund Bertram.


Em Mansfield Park, somente Edmund tem afeto por ela.
Resisti bastante em assistir esta versão de Mansfield Park.  Apesar de ter o DVD, nunca tinha conseguido assistir por completo.  Como o DVD estava aqui em casa fazia mais de dez anos, precisava compreender o motivo da recusa, também.  Entendi, claro, porque tive a mesma sensação de estar assistindo Sanditon, mas não por este Mansfield Park ser um filme ruim, não é, mas por ter pouco de Jane Austen.  Quando escrevo isso, estou dizendo que gostei do filme, o assisti com prazer, mas tinha o livro e a versão de 1983 no fundo do meu cérebro, além de outras leituras paralelas.  Claro, o filme tem uma desculpa, ele diz se basear não somente em Mansfield Park, mas nas cartas de Jane Austen.


Fanny é família, ou não é?  A forma como
ela é tratada é muito dúbia.
Qual o impacto disso no filme?  Fanny Price, que era mais observadora das ações alheias do que uma elemento ativo, o que é, inclusive, ilustrado pelo fato dela não participara da peça de teatro, se torna uma escritora e mulher com uma grande habilidade com as palavras.  O senso de humor ferino da Fanny neste filme, não combina com ela, e é algo que, no caso dos livros de Austen, é mais uma características de Lizzie Bennet.  Em alguns momentos, a Fanny deste Mansfield Park me lembra sabe quem?  Jo March.  Inclusive, me lembrei da personagem no último filme mesmo.


Edmund acredita que a peça que o irmão quer montar é indecente. 
Ah, sim, Mr. Yates, o amigo de Tom, mal aparece.
Querem ver?  Há uma cena em que Sir Thomas, o tio, repreende a já crescida Fanny Price por estar correndo, gargalhando e brincando com o primo Edmund pelos corredores de Mansfield Park.  Muito Little Women, eu diria.  Só que, talvez, o objetivo fosse fazer a ponte com uma das discussões sobre Mansfield Park, o de que o liro seria o primeiro ter uma heroína que cresce diante dos olhos do leitor (*coming of age ou Bildungsroman*), dos seus 10 anos de idade até se tornar uma jovem mulher.  Nesse caso, os especialistas veem mais um pioneirismo em Jane Austen.


Mary é uma mulher muito moderna, joga bilhar 
e até fuma em público NESTE FILME.
Algo que preciso apontar, antes que eu me esqueça, é que trata-se de um filme feminista.  Sim, é uma leitura feminista de Mansfield Park e deve ter sido uma das primeiras filmagens de material da autora dirigido e roteirizado por uma mulher, no caso Patricia Rozema.  Há temas feministas a serem explorados em todas as obras de Jane Austen.  TODAS.  Agora, o que o filme fez foi reinventar Fanny Price, criar outra personagem, na verdade.  Ela é capaz de dizer o que pensa, ela é ferina com as palavras, mesmo que somente as escritas, ela não se conforma com o papel das mulheres na sociedade e ela é "elogiada" por Edmund diante de Sir Thomas.  


Henry parece ter se apaixonado por Fanny.
O rapaz diz que "Apesar dela ser mulher, ela tem uma mente de homem."  Se eu esquecer que é Mansfield Park, eu consigo gostar dessa Fanny Price, mas se eu lembro do livro, eu realmente me aborreço com essas coisas e tenho vontade de correr e rever a minissérie de 1983.  Acredito que é a mesma cena na qual Sir Thomas pede que Fanny se aproxime, faz com que ela gire diante dele, e a elogia por sua beleza e elegância, decidindo que está na hora da sobrinha ser apresentada para a sociedade.  É quando Henry Crawford percebe Fanny pela primeira vez.


Ela ganha um baile do tio.
A cena faz uma analogia óbvia com a escravidão, só faltou o tio pedir par a jovem mostrar os seus dentes.  Fanny se sente tratada como uma escrava, sendo avaliada pelo tio.  O que são as mulheres naquela sociedade senão escravas das vontades masculinas.  Sim, a sequência está lá para isso, porque além de ser um filme feminista, esse Mansfield Park é um manifesto contra a escravidão, quase um desagravo às acusações feitas injustamente à Jane Austen.  Explicando, o tio de Fanny tem propriedades em Antigua, nas chamadas Índias Ocidentais.  Ele deveria ser dono de plantações e escravos negros.  A escravidão era tema de acaloradas discussões na Inglaterra neste momento.  Proibida no país, mas não em suas colônias, os abolicionistas estavam tentando fazer o Parlamento abolir o tráfico negreiro, primeiro passo para o fim da escravidão.  Para entender melhor essa discussão, recomendo o filme Amazing Grace, tem resenha aqui.


Edmund e Fanny se amam, mas... 
Há indícios nos escritos de Austen - algumas passagens em suas cartas e livros, aquela crítica sutil à sociedade de sua época, os autores que ela admirava -  que apontam que a autora seria abolicionista.  Colocar gente hipócrita e cheia de (pre) conceitos como dona de escravos em Mansfield Park pode ser lido como uma crítica.  É assim que eu percebo a coisa.  E há uma cena no livro que causa muita discussão, que é quando Fanny, tentando ser agradável ao tio e por gostar de ouvi-lo falar de Antigua, pergunta sobre o tráfico (*de escravos*).  Silêncio.  Ignorarem Fanny é mais que normal ao longo do livro.  


Se Fanny fosse tão assertiva quanto no filme,
a surpresa do tio, quando ela recusa Henry, não existiria.
Ainda assim, há quem acuse (*Edward Said foi um deles*) Austen de ser complacente com a escravidão, algo que não vejo como se sustente, mas é fato que este filme decidiu fazer "justiça com as próprias mãos" e se você só assistir Mansfield Park 1999 vai achar que Jane Austen era uma aguerrida abolicionista.  Fanny vai lembrar um pouco Sinhá Moça e Edmund, na medida que sua timidez e temor em relação ao pai permitem, também se insurge contra a prática.  O filme se passa em 1806, a discussão sobre a escravidão estava pegando fogo na Inglaterra, mas, bem, não dentro do livro Masnfield Park, Austen sempre foi sutil em tratar de todos os assuntos, sendo assim, o filme se afasta MUITO do original.


Eu gosto muito de Sophia Myles, que faz a
irmã de Fanny que é tão importante no original.
Outra mudança feita neste filme para ajustá-lo ao fato de que se inspirava, também, nas cartas, foi trocar o irmão de Fanny, William, por uma irmã, Susan que, no livro, não tem esse papel.  Austen tinha como grande correspondente sua irmã, Cassandra.  Só que ao retirarem William, eles eliminam do roteiro uma das estratégias que foram utilizadas para chantagear a mocinha, o fato de Henry Crawford interceder pelo irmão de Fanny para que ele pudesse receber um posto melhor na Marinha, tencionando, claro, que a moça finalmente aceitasse casar com ele.


Edmund e Fanny tem uma relação muito íntima,
ninguém estranha muito, eles são como irmãos.
Já que falei em Henry, cabe um elogio a este filme, o único momento no qual ele é superior à série de 1983.  Em Mansfield Park 1999, eu realmente acredito que Henry Crawford em algum momento realmente pensou que amava Fanny Price.  Alessandro Nivola está lindo, sedutor e convincente no papel, isso, claro, enquanto Edmund parece ainda um menino um tanto inseguro, porque não sei se por causa de um elenco mais velho do que deveria, ou por eu ter revisto Emma 2009 pouco tempo antes, Jonny Lee Miller me parece muito novinho nesse filme, mais jovem do que realmente era.  E não estou reclamando, dado o roteiro do filme, isso ajuda a sua personagem a funcionar.


Mary parece querer seduzir Fanny. 
Sim, esta foi a minha impressão, 

meio que confirmada no fim do filme.
O que não ajudou ao filme, foi colocarem uma Fanny não assertiva, porque foi-se embora todo o susto de Sir Thomas diante da teimosia da moça em recusar um casamento tão vantajoso, especialmente, quando Fanny nada tinha e devia ser grata a todos que lhe estendiam a mão. E o filme optou por não colocar as atitudes ruins de Henry, ele flertando com Maria, a prima comprometida, e Fanny observando tudo.  A passagem do passeio em que Henry e Maria saem sozinhos deixando o noivo da moça, Mr. Rushworth, para trás, foi eliminada.  Na série de 1983, criaram uma cena de Fanny conversando com Rushworth na qual a mocinha percebe a dor do rapaz, o amor que tinha por Maria e que, bem, ele sabia ser corno, mas se casaria com ela mesmo assim.  Falando francamente, Hugh Bonneville está sendo desperdiçado nesse filme.


Ensaiando a peça, Mary aproveita para meio que abraçar
e quase beijar Fanny e Edmund se oferece para ensaiar com ela.
Nada disso fica claro nesse filme, Henry não é tão explícito em seus avanços sobre Maria e Julia, a irmã caçula, Fanny não parece tão observadora e, o que é mais importante, não é mostrada a cena em que Crawford aposta com a irmã que iria fazer a corretíssima Fanny se apaixonar por ele.  Resumindo, o filme não deixa Henry parecer o canalha que é, Alessandro Nivola é o homem mais bonito do filme, já que James Purefoy, que faz o primo mais velho de Fanny, não tem espaço para brilhar, e a mocinha chega a dizer "sim" para ele quando está na casa dos pais.  Aliás, o primeiro beijo de Fanny é em Henry.  E a cena é bonita (*vídeo abaixo*), e ele parece tão feliz e a gente é levado a torcer por Henry... 



Mais uma vez parece que o roteiro está dialogando com as cartas de Austen e brincando com elas, porque Cassandra queria que a irmã deixasse Fanny com Henry e o reformasse.  Só que o Henry deste filme, não é o do livro, provavelmente, ele seria um bom marido, mas se formos ao original, o rapaz é um boy lixo e nenhuma mulher tem o dever de embarcar em um casamento com um sujeito de caráter dúbio acreditando que o amor irá torná-lo um homem melhor.  Ponto para Jane Austen.  E temos os agravantes, Fanny não amava Henry, nem no livro, nem neste filme, ela estaria se curvando ao desejo alheio e às necessidades materiais.


Lindsay Duncan fez a mãe sofrida e... 
Falando em necessidades materiais, o filme retrata muito bem a miséria em que vivia a família Price na cidade portuária de Portsmouth.  A mãe de Fanny, maltratada e sempre grávida do marido alcoólatra e pouco carinhoso é muito clara com a filha "Eu casei por amor.".  Fanny, e isso é mérito do original que o filme mantém, sente falta de Mansfield e dos confortos que tinha lá, mesmo sendo tratada com desdém pelos tios e primos, além de atormentada pela Tia Norris, que não tem tanto espaço neste filme, além de umas três cenas excelentes, porque viver com a família em uma casa com baratas, vermes andando sobre a mesa e um bando de crianças mal educadas (*porque veja a condição de desgaste absoluto de sua mãe*), é uma tortura SIM.  Mas, ainda assim, Fanny recusa Henry, depois, claro, do papelão que o filme a coloca fazendo.


...a tia rica viciada em ópio.
Só que Fanny nunca cedeu a Henry, nunca lhe deu esperanças, e o filme faz isso sem que, repito, o caráter do rapaz tenha ficado suficientemente claro para a audiência.  Quem não leu o livro, ou viu a série de 1983, pode tender a ver Fanny com maus olhos e a heroína não merece isso.  E a situação da família de Fanny é tão precária que se ela tivesse realmente uma irmã, no caso Susan, esta menina iria ter ódio dela, de jogar fora todos os confortos e a possibilidade de um casamento vantajoso com um homem que a amava fora.  Sério, é triste viver naquela casa.  Nota dez para quem fez a composição da residência dos Price.  E e está de parabéns, também, a atriz Lindsay Duncan, que fez tanto a dopadíssima Lady Bertram, quanto a sofrida Mrs. Price.  A atriz atuou muito bem.


Os fechos desse espartilho são muito modernos para 1806.
A resenha está ficando longa, mas do que deveria, e eu ainda tenho algumas coisas para colocar.  Tanto Frances O'Connor, quanto Embeth Davidtz, estão muito fora da idade para serem Fanny e Mary.  O'Connor ainda consegue passar, desde que a câmera não dê um close em seu rosto, mas Davidtz parece ter a idade que tinha quando fez o filme.  E qual o problema?  O Edmund de Jonny Lee Miller aparenta ser um quase adolescente.  Assim, Mary parece uma balzaquiana tentando devorar um mocinho virgem.  Aliás, Mary neste filme tem uma grande sensualidade e meu gaydar apitou nas cenas dela com Fanny, aliás, acredito que a personagem, no filme fosse bissexual.  Aliás, a última cena de Mary na película talvez confirme isso. Prestem atenção.


Mary parece muito mais velha e experiente que Edmund.
Já Edmund nesta versão, não me parece sequer fascinado por Mary como no livro, ou na versão de 1983, tampouco me sugere aquela certeza moralista de que ele vê os defeitos da moça e se sente capaz de reformá-la, porque, sinceramente, ele não conseguiria.  Minha impressão é que Edmund se deixa empurrar para o casamento com Mary, porque, bem, ela parece interessada nele e é desejo de seu pai, e ele não tem certeza de que seria aceitável casar-se com quem realmente ama.  Fanny.  É preciso lembrar que Edmund é o caçula, ele vai herdar muito pouco, ele precisava casar bem e Mary é uma herdeira.  Fora isso, ele é como um irmão para Fanny.  Ela teria sentimentos por ele?


Ele virou pastor, ou não virou?
Mas, repito, como o Edmund desse filme parece um garotinho, enredado por uma mulher muito mais experiente e astuta, Mary. E a personagem funciona, nem é esse o problema. Outra coisa, no filme, eles anulam praticamente a aversão da moça pela profissão escolhida por Edmund por vocação (*isso é importante*), a de pastor.  No livro, na versão de 1983, ela quer que ele desista desse intento.  No filme, ela se acomoda à questão, porque inventam uma doença de Tom (*no livro é um pouco diferente, ainda que sua vida esteja em risco*) e a possibilidade de Edmund herdar tudo.  


Mary quer que Fanny case com seu irmão. 
Pergunto-me se não era para ter um
arranjo sugerido no final do filme.
Isso não está no original e mexe com a ordem dos acontecimentos.  Sir Thomas manda buscar Fanny para ajudar a cuidar de Tom, Edmund vai buscá-la e temos a sequência fofinha da carruagem.  Mais tarde, ele quase beija a prima, expondo seus sentimentos.  No livro, a redenção de Fanny se dá quando Maria, já uma mulher casada, e Henry fogem juntos e Mary tenta defender o irmão e culpar a heroína. Lembram da ideia de que se Fanny casasse com ele, o moço se reformaria?  Pontos para Jane Austen de novo, porque nenhuma mulher é responsável pelos atos de um homem adulto.  E o povo tem que aprender a parar de palhaçada.


No livro, o irmão é chamado para buscar Fanny e
levá-la para a casa dos pais.  No filme,
Sir Thomas a manda sozinha.  Seria um escândalo.
Enfim, no filme, Fanny já está de volta quando acontece.  E se volta, mais uma vez, ao tema da escravidão.  Tom, neste filme, não é um dissoluto, ele está em sofrimento.  O pai o obrigou a presenciar práticas horríveis nas plantações de Antigua.  Daí, o filme inventa que Tom desenhou o que viu e Fanny encontra o caderno do rapaz.  Fica evidente, inclusive, que Sir Thomas era um estuprador.   Sir Thomas vê Fanny com o tal caderno, grita com ela, enfim... Precisava?  Não.  Anulou-se nessa sequência qualquer possibilidade de aceitar o tio da mocinha como um sujeito imperfeito, mas, pelo menos, era o único pai que ela teve.   Neste filme, Sir Thomas só se mostra pai preocupado quando tenta demover Maria do casamento com Mr. Rushworth, porque sabe que ela nunca conseguirá repeitar o marido.  Lembram da cena de Mr. Bennet falando sobre o mesmo tema com Lizzie, quando recebe o pedido de Mr. Darcy?  É uma cena parecida, mas bebe no original.  


Hugh Bonneville no papel de bobo genérico.
O final do filme é um final feliz genérico no qual todos recebem o que merecem.  Edmund finalmente se declara para Fanny, eles se casam, ela se torna uma escritora.  Já ele, não o vimos pregar um único sermão.  Maria e Mrs. Norris são punidas com o ostracismo, ainda que não tenha ficado claro o papel daninho da tia má na corrupção moral da sobrinha.  Mary e Henry conseguem cônjuges que, ao que parece, pretendem se dedicar à uma vida moderna e sexualmente criativa.  Susan, a irmã de Fanny, vem morar em Mansfield e ocupa o seu lugar.  


Os desenhos do Tom.  Um dos menos violentos.
O inesperado acontece e Tom se recupera, mas a gente não consegue nem dar uma olhada direito no lindo do James Purefoy, que, na época certa, teria sido um excelente Capitão Wentworth, Coronel Brandon, ou Mr. Knightley, ou até um Mr. Darcy num tom mais... deixa para lá, não aconteceu.  Já os tios se tornam amorosos.  E Julia?  Bem, isso me obriga a comentar sobre o desperdício de ter Justine Waddell no papel de Julia, uma samambaia enfeitando o fundo.  A atriz é muito boa, ela poderia ser uma Fanny bem mais adequada, mas ela teve chance de brilhar neste mesmo ano em Wives and Daughters.


Final feliz genérico.
É isso.  Mansfield Park 1999, chamado por aqui de Palácio das Ilusões, não é ruim como filme, mas é uma adaptação fraca e distante do original de Jane Austen.  Você pode gostar do filme, eu mesma não desgostei dele, mas é preciso ter em mente as grandes liberdades tomadas pela produção.  E eu me lembrava mal das coisas, porque acreditava que minha aversão era por causa de Jonny Lee Miller, mas ele está OK. São as mudanças na personalidade da mocinha, o fato de terem omitido parte do maucaratismo de Henry e a imposição de discussões sobre escravidão como se para dar satisfação aos críticos que tornam esse filme tão problemático.  Vou assistir a adaptação de 2007, também, deve ser a próxima resenha.

4 pessoas comentaram:

Qual adaptação cinematográfica de Mansfield é mais fiel ao livro ?

Para o cinema, esta é a única que conheço e ela, como bem coloquei na resenha, está longe de ser fiel.

Adorei teu (realmente longo!) texto; mas, não sou dos que desistem fácil, rs. Ele ajudou-me a me reposicionar, com relação ao enredo do romance, que já lera havia certo tempo - creio que logo após a pandemia, ou um pouco antes do seu término, não estou bem lembrado. E reposicionou-me, também, acerca da obra de Jane Austen, da qual não me considero nenhum estudioso, mas um grande apreciador, com certeza.Achei interessantíssima a tua avaliação do filme, sobre cuja existência só tomei conhecimento ontem (29/11/2023) e a que resolvi assistir hoje, por ter-me dado uma folga do trabalho. Vou assistir, assim que possível, à versão de 2007, que já salvei em "Assistir mais tarde", no YouTube. A tal série de 1983, a que tu te referes, não a conheço. De fato, fiquei até bem surpreso q houvesse tantas versões cinematográficas deste que não é, propriamente, o trabalho mais reconhecido de Austen, ao menos até onde eu saiba. Foi bom poder ver o filme tomando emprestada a tua ótica sobre ele, e concordo que falta à protagonista a sua característica principal, que eu descreveria, talvez, como um "ensimesmamento" - que, decerto, é mais fácil descrever, no texto em prosa, do que sustentat num roteiro de cinema.`Pode ser que essa "assertividade", a que tu fazes menção, seja necessária para posicionar o espectador do filme acerca do que é mostrado sob o olhar de Fanny, considerando-se que ela é uma espécie de narradora (quase que onisciente) dos fatos que vemos desenrolar, nas pouco menos de duas horeas do filme - sob o risco de que ela se tornasse uma figura a quem a audiência não desse a devida importância. Devo concordar, no entanto, que foge do que nos é apresentado, no original. Achei, porém, a contextualização acerca da escravidão bastante benvinda e não de todo desvinculada das características apresentadas, sobretudo pelas personagens masculinas (no filme!). Como tu apontaste, é um bom filme. Espero ter a sorte de encontrar o teu escrito a respeito do filme de 2007 para enriquecer a minha visão, tsambém, desta outra obra, baseada em "nossa" Jane. Abraço.

Poxa! Muito obrigada por ler. Eu sei que escrevi uma resenha muito longa, mas não consigo evitar. Eu acredito que a obra menos adaptada de Austen, das mais importantes, pelo menos, é Northanger Abbey. Só conheço duas adaptações.

Se quiser ler a resenha do filme de 2007, ela está aqui.

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