segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

RIP Leiji Matsumoto: O Grande Mangá-ka partiu para o Mar de Estrelas


A família de Leiji Matsumoto (1938-2023) comunicou que o mangá-ka (*e character designer, ilustrador, roteirista etc.*) faleceu devido à problemas cardíacos no dia 13 de fevereiro. Leiji Matsumoto foi, e continuará sendo, um dos maiores artistas de mangá de todos os tempos, dono de uma capacidade de imaginar um futuro distante que conseguia unir características de outros períodos históricos, em especial, o Japão da 2ª Guerra Mundial, de forma tão criativa, que a gente era capaz de embarcar sem problemas nas batalhas do Yamato, que reproduziam no espaço os confrontos navais de guerras da primeira metade do século XX. Ainda que com enfoques diferentes, eu considero Matsumoto um tanto similar à Gene Roddenberry, criador de Jornada nas Estrelas, por sua grande capacidade imaginativa e a capacidade de colocar no futuro discussões que do momento em que viviam.

A frase “O mangá-ka Leiji Matsumoto partiu para o mar de estrelas”, que usei no título, foi usada no comunicado oficial de sua morte. Makiko Matsumoto, que dirige o Studio Leijisha, e imagino que seja filha, ou nora do artista, acrescentou, segundo o Japan Times, que "Matsumoto costumava dizer: 'No ponto distante onde os anéis do tempo se juntam, nos encontraremos novamente'. Confiamos nessas palavras e estamos ansiosos por isso.” Em outro texto do comunicado, citado pela BBC, lemos o seguinte "Acho que ele viveu uma vida feliz, pensando em continuar a desenhar histórias como um artista de mangá." Segundo o obituário do Japan Times, Matsumoto começou a desenhar mangás aos 5 anos de idade, iniciou sua carreira como mangá-ka aos 15 anos quando ganhou o prêmio do jornal Mainichi, nessa época e até o início dos anos 1960, o mangá-ka usava seu nome verdadeiro, Akira Matsumoto.  Mais tarde, junto com outra lenda do mangá, Shotaro Ishinomori (1938-1998), foi assistente do grandioso Osamu Tezuka (1928-1989).


Mesmo com uma carreira sólida, Matsumoto  só emplacou sua primeira obra de grande sucesso em 1971 com Otoko Oidon (男おいどん), mangá sobre um jovem que se prepara para o vestibular. Em 1974, no entanto, veio o mangá e o anime que serviram de divisor de águas na ficção científica na cultura pop japonesa, Uchuu Senkan Yamato (宇宙戦艦ヤマト).  O que eu quero dizer é que Yamato gerou a primeira grande mobilização de fãs de anime de ficção científica no Japão e que influenciou diretamente Gundam (ガンダムシリーズ), que sacudiria os alicerces do gênero pouco tempo depois.  A diferença, claro, é que ninguém ousaria colocar trens no espaço profundo, ou recuperar a carcaça de um couraçado da 2ª Guerra Mundial e transformá-la em uma nave espacial com tanta cara de pau e elegância quanto Leiji Matsumoto.  ❤️

Matsumoto produziu mangás de todos os gêneros, além de ter feito séries em pelo menos três demografias, shounen, shoujo e seinen.  As mulheres de Leiji Matsumoto, longilíneas, com grandes olhos, bebiam diretamente na estética do shoujo, que não foi criada por ele, que fique claro, mas que ele soube aproveitar muito bem em obras que não eram direcionadas ao público feminino.  Leiji Matsumoto era casado desde 1961, com uma grande mangá-ka, Miyako Maki, ela, sim, uma das responsáveis pela estética do shoujo mangá.  Uma vez, muitos e muitos anos atrás, li em uma página que Matsumoto tinha atrapalhado a carreira de Maki, exigindo que ela se dedicasse ao lar e aos filhos.  


Olha, há muito machismo nas obras de Matsumoto (*vide o próprio Yamato em alguns momentos, ou Gun Frontier*), mas qualquer um que pegue a lista de obras de Miyako Maki é capaz de desmentir isso, porque ela nunca parou de produzir, mesmo no início do casamento, ela continuou tão ativa quanto era antes, na verdade, eles foram parceiros de vida e em vários projetos profissionais.  E ele era capaz de fazer material sobre a 2ª Guerra realistas de grande qualidade, também, vide The Cockpit (ザ・コクピット), inspirado em um mangá de Leiji Matsumoto.

Em 2001, Matsumoto recebeu, em seu país, a "Medalha com Fita Púrpura" e, em 2010, foi novamente homenageado, desta vez, com a "Ordem do Tesouro Sagrado, Raios de Ouro com Roseta". Em 2012 recebeu do governo francês a condecoração Chevalier de l'Ordre des Arts et des Lettres (Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras), tinha esquecido de acrescentar, mas o ANN, me lembrou.  Matsumoto fez muito sucesso na Itália e na França, acredito que em terras francesas sua obra mais lembrada seja Capitão Harlock (宇宙海賊キャプテンハーロック), chamado lá de Albator, e, não, Yamato.  Um OAV, ou movie de Harlock foi exibido na TV Manchete, quando ela estava chegando no seu colapso, mas a série mesmo, nunca assistimos no Brasil.


Eu fui criança nos anos 1980 que se tornou fã de animação japonesa graças à duas obras bem diferentes, Yamato e Candy Candy (キャンディ・キャンディ).  Eu acompanhava avidamente os capítulos da série na rede Manchete, eles não passavam todos os dias, era terça e quinta, se não me engano, e lembro uma vez, aos oito anos de idade, que mamãe, meu irmão e eu fomos ao Tívoli Park, o maior parque de diversões do Rio de Janeiro, porque meu pai tinha ganho as entradas para dia de semana, elas eram caras e não podíamos comprar.  Eu fui chorando o caminho inteiro, porque ia perder um capítulo de Patrulha Estelar, o nome brasileiro da série. 
Eu apendi muita coisa assistindo Yamato e sofri um tanto com os dramas da série, suas personagens dúbias, decisões que podiam custar a vida de milhões, ou mesmo a de um só, porque eu aprendi o que era eutanásia assistindo Patrulha Estelar.  Acredito que o primeiro anti-herói que conheci foi Desslok (*a gente assistiu com a dublagem com nomes norte-americanos*).  E era o tipo de programa totalmente diferente dos desenhos estilo Hanna Barbera que alimentavam a TV da época, aquilo nos fazia vibrar, torcer, sofrer e nos apresentava emoções muito novas para crianças tão pequenas. O Yamato subindo as céus ao som da música de abertura do anime, me arrepia até hoje.


Leiji Matsumoto já tinha nos dado um susto antes, em 2019, quando foi parar na UTI quando participava de um evento na Itália, fora isso, ele era um homem idoso.  Ainda assim, é uma morte que me eixa muito triste e eu acabei chorando um pouco, porque, como pontuei no parágrafo anterior, Yamato teve grande importância na minha vida, na minha infância, em especial, mesmo tendo tido o primeiro contato com a animação e, não, com o mangá.  Aliás, para quem se interessar, a NewPop lançou a série original de Yamato e é possível adquirir os volumes no Amazon.

5 pessoas comentaram:

E mais um mestre se vai. Apesar de sabermos ser inevitável, é impossível não ficar um pouco triste.
Yamato é seguramente o anime que mais me marcou na vida. Acompanhei na Manchete e fiquei felicíssimo ao conseguir baixar as 3 temporadas com dublagem original e legendas há alguns anos.
Um grande artista, o senhor Leiji Matsumoto.

Fiquei muito triste com a notícia do falecimento dele.
Eu assistia e adorava Yamato ! 1 clássico incrível !
Também gostei do trabalho dele com o Daft Punk.
Capitão Harlock se "converteu" em Albator na francofonia
para evitar confusão com o amigo de Tintin. (Capitão Haddock).

Matsumoto era um gigante e fará muita falta.

Na França realmente o Albator (Harlock) é muito mais conhecido, foi um dos primeiros animes exibidos no país, junto com Goldorak (UFO Robot Grendizer) e Space Adventure Cobra. É portanto um dos animes mais famosos na França! Não por acaso existem duas séries franco-belgas do Albator, uma bem recente. Yamato, que nunca foi exibido, é bastante obscuro por lá.

A Manchete exibiu o longa Waga Seishun no Arukadia, como Capitão Harlock e a Nave Arcádia. Eu não assisti na época, mas vi uma gravação em VHS muitos anos depois. O longa foi dividido em episódios, o que não é tão estranho, já que os próprios japoneses fizeram isso, transformando-o nos primeiros cinco episódios da segunda série do Harlock.

"Eu fui chorando o caminho inteiro, porque ia perder um capítulo de Patrulha Estelar, o nome brasileiro da série. "
hoje.. com a internet.. praticamente esse drama acabou...
as pessoas hoje pouco dependem da TV ...

Hunter, Matsumoto também era popular na Itália...

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