Lá em outubro, por conta de uma postagem no Facebook, me lembrei do filme francês Jane Austen Arruinou minha Vida (Jane Austen Wrecked My Life/Jane Austen a gâché ma vie), comecei a resenha e já se passaram uns dois meses. Sim, fui relapsa, vamos tentar resolver isso. Enfim, como eu imaginava, ele não foi para o cinema, está em algum desses streamings da vida. Como estamos no ano de comemorações dos 250 anos de nascimento de Jane Austen, acaba sendo uma boa homenagem. Quando comecei a assistir, estava esperando que esse filme fosse outra coisa. O rótulo comédia romântica não dá conta da riqueza da película, primeiro longa-metragem da diretora Laura Piani. Ela também assina o roteiro. E, sim, existe a conexão com Jane Austen, mas não se trata do tipo de filme no qual a mocinha fica sonhando com a ideia de que um Mr. Darcy irá, de repente, aparecer na sua porta.
Antes de mais comentários, segue um resumo, o mais enxuto que eu encontrei, e que veio da página francesa Picta Novo: "Agathe tem tanto charme quanto contradições. Ela é solteira, mas sonha com uma história de amor digna dos romances de Jane Austen. Ela é livreira, mas sonha em ser escritora. Ela tem uma imaginação fértil, mas uma vida sexual inexistente. A vida nunca corresponde ao que a literatura lhe prometeu. Convidada para uma residência literária na Inglaterra, Agathe precisa confrontar seus medos e dúvidas para finalmente realizar seu sonho de escrever... e se apaixonar."
Jane Austen Arruinou minha Vida é uma dramédia com pessoas adultas tentando restaurar suas vidas. A protagonista, Agathe, se vê como Anne Elliot, a protagonista de Persuasão, no sentido de se acreditar como alguém que ficou parada no tempo, que perdeu o viço da juventude, sem nunca ter vivido de verdade. Não há nenhuma situação de desilusão amorosa envolvida, mas ela sofreu um grande trauma que acabou fazendo com que sua vida ficasse travada. Por conta de um incidente do passado, ela passou a ter medo de automóveis e evita empreender viagens que não possam ser feitas de bicicleta. Além disso, ela perdeu sua voz, não conseguindo iniciar e terminar uma criação literária. Ela mora com a irmã (Alice Butaud) e o sobrinho (Roman Angel) e vive meio que em função do trabalho em uma livraria de fato existe, a Shakespeare and Company.
Um dos seus escritos não concluídos termina por cair nas mãos de um amigo, colega de trabalho e interesse romântico, Félix (Pablo Pauly). É ele quem inscreve Agathe para a tal residência literária e ela acaba sendo selecionada. Ela resiste, mas termina aceitando e tem que se submeter a uma viagem de carro até o Canal da Mancha. No caminho, Félix já ensaia uma declaração de amor e a beija, mais adiante, será criado um mal-entendido por causa disso.
Ao chegar na Inglaterra, ela é recebida por Oliver (Charlie Anson), filho do casal de idosos que é dono da casa onde acontece a tal residência literária. Eles são parentes distantes de Jane Austen, mas Oliver, que é um professor universitário de literatura contemporânea, mostra desprezo pela autora. Ele e Agathe não se dão bem, ela não sabe que ele é fluente em francês e comete uma gafe, e temos uma referência direta a Orgulho & Preconceito nesse ponto de partida dos dois. Ele diz não gostar de franceses e, mais tarde, descobriremos que, assim como Agathe, ele é um homem quebrado. Ele foi casado com uma francesa que, segundo ele, porque não a conhecemos, o traiu com o departamento de literatura inteiro, homens e mulheres, o que o levou a se indispor com todo mundo, ser suspenso e ficar viciado em medicamentos. Por causa disso, ele está de volta à casa dos pais.
Beth (Liz Crowther), a responsável pela residência literária, é um amorzinho, gentil com Agathe e muito esperneosa de ver seus escritos. Agathe mente sobre sua capacidade de escrever, porque está envergonhada de não conseguir ir além. Já o pai de Oliver, Todd (Alan Fairbairn), é um homem gentil e um grande intelectual, mas sua saúde mental está declinando, o que leva a alguns acontecimentos constrangedores e reclamações dos outros participantes do seminário. Agathe, no entanto, se mostra paciente e gentil com ele, o que atrai a atenção de Oliver e começa a fazer com que ele mude de ideia sobre ela. Ele estava sofrendo bastante com a situação do pai e sentindo-se sobrecarregado pela responsabilidade de tomar conta dele. Mas até que eles comecem a se entender, demora um pouco.
Há mais três participantes no seminário, mas somente as das mulheres realmente têm participação no filme. Olympia (Lola Peploe), que é uma acadêmica feminista construída para ser muito chata e esvaziar seu discurso de derrubada do patriarcado por estar assujeitada pelo desejo da maternidade. Ela é que sempre reclama de Todd e se estranha com Agathe no início para, mais tarde, as duas conseguirem se conectar. Já Chéryl (Annabelle Lengronne) é acolhedora e se torna amiga de Agathe, mas ela também quer ver os escritos da francesa. O elenco inteiro do filme é bilíngue, então, a gente fica pulando de uma língua para outra.
Conforme a história progride, Agathe continua travada e mentindo, mas se aproxima de Oliver, a quem termina por confessar o seu problema. Ele a aconselha a encontrar a voz perdida, ou, como ele diz, suas ruínas. A atração entre os dois é inegável e quando se embebeda, Agathe acaba por se declarar para ele e quer que Oliver faça amor com ela. Mesmo apaixonado, ele faz o que um adulto funcional deve fazer, ele recusa, porque ela não está no domínio das suas faculdades. Por fim, o último acontecimento do seminário é um baile ao estilo Regência, como nos tempos de Jane Austen. O figurino não é dos melhores e quem aparece de repente é Félix.
Ele acredita que Agathe tenha sentimentos por ele. Cria-se o mal-entendido, porque Oliver estava disposto a se declarar e Félix e Agathe terminam na cama. É a única cena de sexo do filme e, ao terminarem, os dois acabam se dando conta, ele em especial, de que aquilo foi muito errado, que eles são amigos e não esse tipo de amigos, que não podem se agarrar um ao outro simplesmente por serem dois solitários. Mas o estrago já está feito e Agathe termina fugindo e confessando para Beth que é uma fraude. É Oliver quem a leva até o ferry boat e os dois parecem inconsoláveis.
De volta a Paris, Agathe decide ir em busca da sua voz, como recomendou Oliver, e superar o trauma. É um percurso doloroso; ele envolve lembrar da morte trágica de seus pais, mas ela termina conseguindo. Ela termina conseguindo e consegue o seu final feliz, como Anne Elliot e, claro, temos uma carta, porque Oliver não é Darcy, precisa ser Wentworth. Se bem que Darcy escreve uma carta... mas é outro tipo de carta, enfim. Não fosse a cena de sexo, esse filme poderia tranquilamente estar no catálogo do canal Hallmark e não estou criticando ou dizendo que é ruim, mas apontando que, no geral, a história segue os padrões castos das produções deles.
O ator que faz o Oliver não me era estranho, descobri que ele fez um papel menor em alguma temporada de Downton Abbey, tem bem o perfil, por assim dizer. Já Camille Rutherford estava em Anatomia de uma Queda, Mary Queen of Scots e Azul é a Cor mais Quente. Lembrava dela de algum desses filmes. Liz Crowther foi Julia Bertram, uma das primas de Fanny, em Mansfield Park (1983).
Concluindo, Jane Austen Arruinou minha Vida é um filme para adultos, é bonitinho, mas não é meloso, não tem gente linda desfilando de lá para cá, e aproveita para discutir nossa relação com os mortos e os vivos e os problemas advindos da velhice. Poderia ser um tiquinho mais longo, eu não iria reclamar, mas cumpre bem a sua função. Recomendo e não somente para quem é fã de Jane Austen.















































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