Sanditon: Sexo, nudez e escravidão em seriado de TV de Jane Austen

A BBC publicou uma matéria com esse título que dei ao post sobre o seriado baseado em Sanditon, obra inacabada de Jane Austen, que está para estrear no canal ITV.  O centro do artigo é Andrew Davies, que assina o roteiro da série.  Para quem não sabe, ou lembra, quem é Davies, ele assinou a adaptação de Orgulho & Preconceito de 1995, que quebrou a internet na época quando Mr. Darcy, interpretado por Colin Firth, mergulhou no lago e desfilou com sua camisa molhada.  Não foi a única cena de fanservice de Darcy/Firth em O&P 1995, mas é a que o pessoal sempre cita.

A mocinha que deveria estar de
cabelo preso, mas não está... Mau sinal.

Ao que parece, Davies decidiu colocar pimenta em Sanditon.  Provavelmente, ele e a BBC (*e os outros jornais que citarei ao longo do texto*) foram meio sensacionalistas na matéria para chamar atenção para a série que está prestes a estrear.  Pois bem, Davies disse que  "Eu tento agradar a mim mesmo quando escrevo estas coisas, sexualizar isso vem naturalmente. Se não estiver lá, eu acho que vamos colocar algumas [cenas de sexo?], eu gosto de escrever e eu gosto de assistir."  Sei lá, parece que ele está falando de pornografia, não é mesmo?

Andrew Davies ficou um velhinho sinistro.

Segundo a matéria, teremos três personagens masculinas tomando banho nuas na praia e a protagonista, Charlotte (Rose Williams), irá encontrar um casal transando na floresta.  Há, também, Miss Lambe (Crystal Clarke), uma herdeira vinda das Índias Ocidentais cuja mãe era uma escrava.  Imagino que através dela se discutirá o tema da escravidão. No original, Miss Lambe era mestiça, não é invenção da série, eu só imaginei que iriam colocar uma atriz com a pele mais clara para ressaltar esse fato e, não, inegavelmente negra.  E não estou reclamando, preciso ver o resultado, achei a escalação da atriz bem arrojada, por assim dizer.

Miss Lambe será indiscutivelmente negra.

Davies prossegue falando que a produção é um trabalho de equipe e outros participantes da produção comentam sobre ousadia, desejo, luxúria e que as pessoas de outras épocas não eram muito diferentes de nós.  Como historiadora feminista, considero muito perigoso esse flerte com o essencialismo em relação aos comportamentos que são aprendidos e estão dentro do escopo da cultura e das relações sociais de uma determinada época, mas não pretendo me alongar, sigamos.  Sobre a nudez masculina na série, temos o seguinte: "Por muito tempo, foi normal que as mulheres expusessem seus corpos e isso é algo para o qual estamos acostumados culturalmente. Então, para que haja uma discussão agora... a mudança é necessária. É interessante que o foco esteja nos homens se despindo quando as mulheres fizeram isso por tanto tempo”, disse Rose Williams aos repórteres (*usei a matéria do The Telegraph que tinha a fala completa*).  

Ficou bonita essa foto.

Não vejo nada de positivo em mudar o foco da objetificação, não vejo mesmo.  Inverter um erro, não deveria trazer satisfação, seria mais interessante repensar a forma como a sensualidade é explorada na tela.  O Davies de 1995 soube fazer isso muito bem com Orgulho & Preconceito, aliás.  Já, naquela época, ele preferiu semi-despir Mr. Darcy.  "Há mais nudez masculina nos dias de hoje porque a nudez feminina pode ser uma área contenciosa", admite Davies.  Ou seja, objetificar homens é OK, porque a gente ainda não sentou para discutir a questão de forma séria como o fez com a nudez feminina.  Imagino que a série seja inócua, mas não fosse minha experiência com esse tipo de produção, eu ficaria com medo.  Espero que realmente tenhamos as coisas nas medidas certas, isto é, vão criar muito, mas que seja, ainda assim, um belo tributo à uma obra que Jane Austen não pode terminar.

A onda agora é tirar a roupa dos mocinhos? 
Eu curto, mas tem que ter um contexto, OK?

Quando Jane Austen faleceu, em 1817, ela estava escrevendo Sanditon, que só contou com 12 capítulos.  Tudo o que vier depois disso, é invenção da produção.  Houve gente que decidiu concluir o livro, a versão mais famosa é a de Marie Dobbs, sob o pseudônimo de “Another Lady”, publicada em 1975.  Andrew Davis tem muita experiência, além de Orgulho & Preconceito, ele tem no currículo  Middlemarch (1994), Vanity Fair (1998), Wives and Daughters (1999), The Way We Live Now (2001), Daniel Deronda (2002), Tipping the Velvet (2002), Sense and Sensibility (2008) etc.   Não estou criticando sexo ou sensualidade em filmes e seriados, não estou dizendo que "Jane Austen está se revirando no túmulo" e nada do gênero.  Estou mais acreditando que se trata de uma abordagem sensacionalista mesmo.  Aliás, o The Guardian reproduz as mesmas falas, também.