Começo dizendo que não assisto The Gilded Age. Sei muito sobre a série, porque leio sobre ela, acompanho os posts do Frock Flicks e de gente que eu conheço e assiste ao seriado que é do mesmo criador de Downton Abbey, Julian Fellowes. Muito bem, posso acabar indo assistir, mas esse post veio, porque preciso falar do mini-doc que vi circulando no Facebook. Ele está no final e comenta o baile da elite negra, no qual a personagem Peggy (Denée Benton) tem um papel central. Ao que parece, houve dois bailes, um da elite branca, outro da elite negra. Eles aconteceram ao mesmo tempo.
Algo que é destacado no mini-doc é o cuidado em apontar que o evento dos negros seguia o mesmo padrão daquele dos brancos, ou seja, eles reproduziam o que era a NORMA da elegância no mundo dos brancos, nada de enfiar um arrasta-pé lá no meio, ou algo que rompesse com o que a cultura europeizada dos norte-americanos refinados via como adequado. E não havia misturas raciais. Observando o espectro da cor da pele das pessoas presentes ao baile dos negros, fosse no Brasil, vários daqueles homens e mulheres seriam vistos como socialmente brancos. Nos Estados Unidos, o buraco era mais embaixo, bastava uma gota de sangue negro e você era negro. Algo que eu só comprovaria se fosse assistir a série, mas que infiro pelo pouco que vi de The Gilded Age, é que essa elite negra se orgulha de ser o que é, rica, negra e, em alguns casos, culta (*também para os padrões brancos*).
Outro ponto muito legal do mini-doc é que há uma ênfase em estabelecer que se tratam de PESSOAS REAIS, isto é, ou são personagens históricas da Nova York da década de 1870-80, acredito que seja a temporalidade da série, ou inspiradas nelas. Não estamos no terreno da fantasia histórica, caso de Bridgerton, ou produções color blind como Ana Bolena (*1 - 2*) ou Persuasão da Netflix (*e o futuro Orgulho & Preconceito vai na mesma linha*), ou ainda, materiais que ignoram o racismo que imperava no século XIX, porque a ciência era racista, como Enola Holmes. E quem quiser, eu fiz duas aulas para os meus alunos sobre racismo científico (*1 e 2*), mas é aula mesmo, a Valéria professora. E eu já gastei muito tempo escrevendo textos de como acho curioso a recriação de passados nos quais o racismo não existe (*exemplo*), MAS que continuam sendo classistas e machistas (*ou até misóginos*). Cada um faz ficção do que quiser, porém trata-se de uma escolha curiosa, que merece ser analisada e discutida, fora, claro, que o que parece reconfortante pode produzir uma falsa percepção do passado.
De resto, eu queria mais materiais que mostrassem pessoas de cor, para usar um termo da língua inglesa, isto é, gente que não é branca, mas que foi real, e tenho posts sobre várias delas, e que tiveram vidas extraordinárias, porque o ordinário era ser pobre, obscuro e sofrer racismo o tempo inteiro (*e recomendo o vídeo do Negritude em Letras, que mostra que ser rico não anula o racismo, ainda que possa escamoteá-lo de alguma forma*). Isso não desmontaria a regra, a norma, mas mostraria que houve filósofos, cientistas, militares, empresários, intelectuais, herdeiros etc., de ambos os sexos em vários casos, que não eram brancos e venceram (*no sentido liberal da coisa mesmo, dentro do capitalismo e em sociedades pré-capitalistas, também*), mesmo lutando contra os racismos de sua época. Isso empoderaria muito mais do que um Bridgerton, que eu acho bastante divertido, mas é somente isso. E é preciso contar as vidas de grandes figuras que estavam em suas culturas, em outros espaços que não eram nem a Europa, nem a América, e nos quais o fato de não serem brancos não fazia a mínima diferença.
E é maravilhoso, pelo menos para mim, ver atores e atrizes não-brancos podendo vestir essas belíssimas roupas de época sem ser em material de fantasia. Era o mundo dessas pessoas, elas existiram, havia essa elite ilustrada e rica que convivia paralelamente, às vezes, se tocando, com a elite branca, e o mundo não era menos racista por causa disso, mas nem todos os negros e negras estavam lá sofrendo o tempo inteiro. O mini-doc está abaixo, para quem quiser assistir:



















































0 pessoas comentaram:
Postar um comentário