Sábado, assisti Wicked for Good e foi em casa mesmo, sessões legendadas são escassas e em horários e lugares que não me favorecem em nada. Como quem leu minha resenha do primeiro filme deve lembrar, eu conheci Wicked por causa das matérias do filme. Não sabia da existência dos livros de Gregory Maguire ou do musical até que apareceram as matérias sobre o filme. Estranhei um musical em duas partes, continuo achando estranho, mas entendo a escolha, era muita coisa para uma mesma película. Assim como aconteceu com Zootopia, gostei mais do segundo filme. Gostei mesmo, inclusive das músicas como conjunto. Vou dar minhas razões ao longo da resenha. E, claro, não garanto que não darei spoilers, acredito que para discutir tudo o que desejo, eles serão inevitáveis. Segue agora um resumo:
Cinco anos depois dos eventos do primeiro filme, Elphaba (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande) estão separadas e devem enfrentar as consequências das ações e decisões que tomaram. Enquanto Elphaba segue demonizada como a Bruxa Má do Oeste, exilando-se na floresta de Oz, Glinda vive as glórias de ter se tornado o símbolo da Bondade no reino, uma peça de propaganda que mora no palácio da Cidade das Esmeraldas e desfruta da fama e do glamour de ser amada por toda a população. Algo que parece deixá-la feliz e realizada. Mesmo distantes, ambas continuam nutrindo um intenso sentimento de amizade uma pela outra. Enquanto isso, Oz se torna um país ainda mais autoritário sob a orientação de Madame Morrible (Michelle Yeoh), agora ministra da propaganda, e até Nessarose (Marissa Bode), a irmã de Elphada, tornou-se uma governadora de Munchkinland sucedendo o pai e é implacável com seus cidadãos, mantendo Boq (Ethan Slater), seu amado, como prisioneiro.
Outro que se sente prisioneiro é o príncipe Fiyero (Jonathan Bailey), agora capitão da tropa de elite de OZ, a Gale Force. Ele parece tentar se convencer de que está do lado certo, mas seu amor por Elphaba o impede de se enganar. E ele não se sente confortável em ser usado como peça de propaganda em um casamento de conveniência com Glinda. Já Glinda tenta acreditar que Fiyero a ama e tem esperança de intermediar uma reconciliação entre Elphaba e o Mágico de Oz (Jeff Goldblum). As coisas parecem piorar, no entanto, com Elphaba se convencendo de que precisa se tornar a criatura má que a propaganda diz que ela é. A chegada de uma garota do Kansas e a pressão da multidão para que ela e seu grupo de aliados, o homem de Lata, o Espantalho e o Leão Covarde (Colman Domingo) matem a Bruxa Má, é o teste final para a amizade das protagonistas que terminam tendo que se aliar novamente.
O segundo filme de Wicked, apesar de continuar sendo um musical, é muito mais carregado de drama, por assim dizer. O primeiro era mais colorido e tinha um ar high school que me pareceu irritante em alguns momentos, porque mesmo todo mundo estando em uma faculdade (college), havia uniformes e todos se comportavam como adolescentes e ninguém do elenco parecia ser tão jovem para convencer nesses papéis. Quem mais perdia era Jonathan Bailey, mas a passagem de cinco anos (*segundo a Wiipedia*), ajustou melhor as coisas. Além disso, esse novo filme mergulha, ainda que de forma diluída, afinal, Wicked é para toda a família, por assim dizer, em uma ditadura totalitária na qual a propaganda é fundamental para manter o Mágico no poder... Ou seria Madame Morrible? Sim, porque é ela, a única além de Elphaba que parece capaz de fazer mágica, a mente por trás do regime. E eu fiquei procurando qual seria a cena ruim de Michelle Yeoh nesse filme apontada pelo Dalenogare na crítica dele e não achei. Tudo me pareceu estar de acordo com a proposta do filme mesmo.
Assim como no primeiro filme, Elphaba e Glinda parecem mais equilibradas, ambas são protagonistas, ainda que nesse segundo filme a atenção para a Bruxa Má do Oeste pareça ser maior. Eu não consigo ver Ariana Grande como coadjuvante; ela é tão protagonista quanto Cynthia Erivo. E ela brilha em todas as suas cenas e Glinda é a personagem mais cheia de contradições. Ela conseguiu o que desejava, a fama, a admiração, mas entrou em uma gaiola. Quando ela finalmente toma consciência disso, de que ela não é mais que um objeto manipulado por Madame Morrible, que parece ter perdido tudo, Fiyero, que nunca a amou, e Elphab, sua única amiga de verdade, ela precisa fazer escolhas difíceis, sair da sua zona de conforto e romper com todo assujeitamento a uma representação de mulher que lhe foi imposta desde a infância.
E foi muito legal a forma como as músicas, as minhas favoritas do primeiro filme, foram revisitadas de forma melancólica. Temos algumas notas de "Popular" e, principalmente, Glinda cantando "I'm not that Girl", quando a jovem conclui que ela nunca foi "a garota" no coração de Fiyero e isso é um choque, porque ela sempre se esforçou para ser perfeita em tudo e acreditava nisso até então. Como ele poderia preferir outra? E talvez a magreza excessiva de Ariana Grande sirva para reforçar essa fragilidade de Glinda, o fato de ela ser vista por Morrible como uma bibelô desprovida de cérebro e coração, uma representação de uma feminilidade frágil, fútil e manipulável. E a música nova, "the Girl in the Buble" é perfeita para ajudar a mergulhar nos sentimentos da personagem que, nessa altura da história, já estava em conflito consigo mesma. Não se trata de uma música fraca, não.
Falando de Cynthia Erivo, ela continua impressionante. Ela confere uma dignidade tão grande para Elphaba, ela tem uma presença tão forte que, mesmo em cenas menores, não há como não admirá-la. É uma atriz com uma presença cênica muito marcante. Seu papel no segundo filme é mais de ação; ela é alçada à vilã de Oz pela campanha difamatória do estado. Todo Estado totalitário precisa de inimigos; os animais falantes e pensantes foram os primeiros; Elphaba é a segunda. Criar um grande inimigo é uma forma de manter o medo e garantir a coesão social, ao mesmo tempo que a alienação é estimulada, afinal, as pessoas não podem começar a fazer perguntas simples, elas precisam acreditar e ser capazes de qualquer coisa. Vide a sequência com Dorothy e seus companheiros sendo enviados para matar a bruxa. Enfim, Wicked mostra muito bem e de forma bem didática a construção de um Estado totalitário, mas se quiserem uma sugestão de livro, recomendo Como Funciona o Fascismo: a Política do “nós” e “eles”.
Elphaba tem algumas cenas muito boas e carregadas de emoção que servem para mostrar o quanto a atuação de Erivo é forte. Destaco o encontro com a irmã e não concordo com descrições que li por aí de que Nessarose seria uma fanática religiosa. Talvez, nos livros, mas, no musical, ela é somente uma mulher frustrada e que se sente inferiorizada pela sua deficiência. Com o poder que herdou do pai, ela comete o erro de prender perto de si o homem que ama (*destruindo-o*) e se ressente de Elphaba talvez por não poder fazer o mesmo com ela. O destino de Nessa é cruel e desencadeado pelo único ato realmente mesquinho de Glinda, ainda que a grande responsável, que fique claro, não seja a personagem de Ariana Grande, até porque ela não tem poderes para isso.
As interações com Glinda rendem sempre excelentes cenas para as duas. Afinal, trata-se de um filme sobre amizade entre duas mulheres muito diferentes. Amizade feminina, ainda que eu olhe para as duas desde o primeiro filme e as imagine mais como um casal, vivendo um amor mais intenso do que o de Elphaba e Fiyero. E sei que se for procurar fanarts, os encontrarei aos montes. Estabelecido que é um filme sobre a imensa e inquebrantável amizade entre duas mulheres, só perdoo por terem colocado as duas brigando por macho, porque a sequência periga ser a mais engraçada do filme inteiro e as duas pareciam estar se divertindo muito. De verdade mesmo.
Outro ponto alto da atuação de Elphaba é durante a música "No Good Deed", na qual ela pranteia a morte da Bruxa Má do Leste e tenta salvar Fiyero da tortura e da morte. É uma música muito potente e que mostra todo o desespero e urgência da personagem, sua decisão de se tornar má de verdade e se vingar. E, sim, há o dueto final com Ariana Grande e toda a sequência em que Dorothy sela o destino de Elphaba. Acho que se eu assistisse ao filme no cinema, se conseguisse ter a imersão necessária, eu talvez chegasse às lágrimas nesse momento do filme. E a graça é que não é o final, ainda temos coisas a resolver depois e, ainda assim, não há uma barriga de fim de filme, que geralmente é um negócio que atrapalha a experiência de assistir à película.
Se eu tivesse que eleger uma sequência fraca no filme inteiro, é a da fuga dos animais em que Elphaba canta a música "No Place Like Home". A chamada à resistência não se sustenta, os animais estavam fragilizados e a música é a menos interessante do conjunto. Se a sequência fosse retirada, ela não faria falta e tornaria o filme mais enxuto. Curiosamente, o conjunto das músicas me pareceu melhor no segundo filme do que no primeiro, ainda que "Defying Gravity" seja a grande música de Wicked, a mais lembrada, seguida de "Popular". Aliás, quando, já no final do filme, Elphaba revisita "Defying Gravity", agora, em tom melancólico e se mostrando frustrada, se achando incapaz de continuar lutando, é excelente.
E vamos falar de Jonathan Bailey! Gosto muito do ator, o considero um dos grandes galãs do cinema e TV da nossa época e ele está ótimo no segundo filme. E temos dois motivos: agora ele parece ter a idade certa para o papel e tem ótimas cenas. Ele é a personagem que pareceu mais madura nesse segundo filme, porque Elphaba já estava pronta, Glinda vai se conscientizando ao longo da película, enquanto Fiyero se mostra incomodado desde o início de fazer parte do sistema. Ele parece não acreditar, mas se deixar levar pelos acontecimentos. E ele não tem nenhuma dificuldade de escolher um lado, tampouco tem dúvidas sobre quem é a mulher que ele ama e com quem deseja ficar. Noivo sem que lhe perguntassem nada, porque ele e Glinda são peças de propaganda, ele acaba se juntando à resistência, por assim dizer, e pagando um alto preço. Aliás, os três personagens masculinos do filme, Fiyero, Boq e o próprio Mágico são prisioneiros, por assim dizer.
E a música e sequência de que eu mais gostei do filme são quando Fiyero foge com Elphaba e conhece o seu esconderijo. O olhar e o rosto do ator demonstrando todo o espanto e satisfação por Elphaba lhe permitir penetrar a sua intimidade. "As Long as You're Mine" é uma canção sobre duas pessoas que se amam desesperadamente e já começam a se livrar das roupas e decidem se entregar (*e fazer amor*), ainda que seja por uma única vez. Elphaba que crê será, já Fiyero lhe jura amor eterno e ele, ao se juntar à bruxa, tornou-se um pária. E é muito bonita a interação dos dois. É uma sequência com um erotismo muito tênue e delicado. Bonita mesmo. E eu entendi as reclamações sobre o desrespeito durante as apresentações do musical em São Paulo, porque como as pessoas tiveram coragem de xingar Elphaba quando ela diz, já nos braços de Fiyero, depois de acreditar que ela nunca iria ser a garota, que pela primeira vez se sente "wicked", de nomes horrorosos. Como se ela tivesse "roubado" Fiyero de Glinda. Gente cretina. E uma reclamação é que o ator está com a barba por fazer. Ou tem barba ou não tem, ainda mais levando-se em conta que ele era um militar e o modelo para todos por ser noivo de Glinda. Não que ele não me pareça bonito de qualquer jeito, que fique claro.
Falando da cidade de Oz, eu vi muito da capital de Jogos Vorazes nesse segundo Wicked. Sim, Wicked, o musical, é bem anterior, estreou em 2003, mas estou falando do diálogo com os filmes de Jogos Vorazes, que vieram antes. A futilidade dos habitantes da capital, todo o investimento no espetáculo para o controle social e por aí vai. Como nunca assisti ao musical, esperava mais de Dorothy no filme. A gente mal vê a garota. Aliás, não vê seu rosto em nenhum momento, se bem me lembro, ou o vemos muito rápido. É compreensível o ódio de Elphaba, afinal, ela queria os sapatos de sua irmã como recordação, fora a morte de Nessa mesmo. E gostei do desfecho, porque não sabia como seria apresentada a morte da Bruxa Má do Oeste, e ela segue o original, não que eu tenha lido os livros, eu assisti foi O Mágico de Oz de 1939.
Interessante a discussão sobre a manutenção da versão de que Elphaba era realmente má como forma de garantir uma transição menos traumática para tempos melhores. Afinal, eliminado o grande inimigo, redimidos os animais, Oz pode se tornar um lugar melhor. E, não, não posso detalhar essa parte, porque teria que dar muitos spoilers, mas digo que o diálogo sobre revelar a verdade não adianta nada, porque as pessoas continuarão acreditando no que querem acreditar, no que for mais cômodo, se remete a um comportamento de seita que, aqui, no Brasil, conhecemos bem. Ajudou a eleger um presidente, aliás... Espero que vocês assistam ao musical. Eu ainda vou observar se aparece uma sessão legendada. Ano passado, eu assisti na semana do Natal, em uma sessão que apareceu de repente.
Faltou falar do figurino. Bem, ele continua interessante e competente, mas não trouxe surpresas. Achei o vestido de noiva da Glinda elegante, mas muito preguiçoso, lugar comum, mas toda a sequência com as borboletas, a entrada da noiva, foi bem bonita mesmo. Só espero que as borboletinhas sejam de CGI ou IA, sei lá. E não acho que Wicked vai levar o Oscar esse ano novamente em figurino. Acredito que deve ir para Frankestein, mas imagino que Wicked leve o prêmio do sindicato na categoria fantasia e o filme da Netflix pegue o de filme de época. Vamos ver como fica essa disputa, mas não deve repetir, não.
Concluindo, Wicked é, definitivamente, um filme feminista. Esse filme dois deixa isso tão claro que eu não consigo não imaginar que parte das reclamações dos críticos homens resida aí, no peso que foi dado à relação entre Elphaba e Glinda, talvez, também no fato de todas as personagens masculinas serem muito mais fracas que as duas. Eles não estão acostumados, não estão mesmo, a ter um filme que se preocupe sem culpa alguma em falar de mulheres, seus sentimentos, sua amizade. E recomendo a crítica de Fernanda Talarico para o UOL, porque ela vai direto ao ponto. É como o incômodo com shoujo mangá. Além disso, Wicked é cheio de metáforas muito explícitas ao racismo, LGBTfobia (*e o Chris Gonzatti fez mais de um vídeo sobre isso*) e totalitarismo. Enfim, o timing é perfeito, porque vivemos tempos tenebrosos. Mas o filme deixa a esperança, mesmo que nem todas as mentiras possam ser reveladas.












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