sábado, 20 de junho de 2020

"CUSTAVA A MENINA SER DE MAIOR??" Se a menina não fosse "di menor" eu conseguiria torcer pelo romance dos dois!

Este post é importante e é desdobramento de uma discussão do grupo do Shoujo Café no Facebook.  Uma pessoa abriu um post sobre o mangá Living no Matsunaga-san (リビングの松永さん), de Keiko Iwashita.  A Caroline Saldanha escreveu o seguinte e eu sei que era uma colocação sincera: "Gente, em nome de Jesus, podemos falar de Living no Matsunaga (mangá)? Alguém já leu? Como lidam com a história de amor mais sensível que vi em um mangá com relação a uma colegial de 17 e um adulto de 28? É um tema delicado, mas eu tô me sentindo estranha em torcer tanto por um casal assim..."

O primeiro comentário foi meu e eu deveria ter começado escrevendo "Ninguém deveria se sentir culpado por gostar de uma obra de ficção", mas esqueci.  meu comentário foi o seguinte: "Não li o suficiente do mangá para falar especificamente sobre ele, mas pensando em relacionamentos desse tipo:

A menina se apaixona pelo rapaz mais
velho e o público torce por ela.
1. Normalmente, os mangás adocicam as coisas, fazendo, por exemplo, com que o cara mais velho não aparente a idade que tem, no entanto... (*É o que eu chamo de raio shoujoficador.*)
2. Uma moça de 17 anos, não é uma criança. Não é como as situações vistas em Karekano, ou Usagi Drop.
3. Ainda que o relacionamento não seja o que eu preferiria, não gosto dessas grandes diferenças de idade, não gostaria de ver minha filha, no futuro, envolvida afetivamente com alguém tão mais velho que ela, penso o seguinte, se não há violência (*física, ou psicológica*) envolvida, se a história é construída de forma coerente, para mim, está OK.
4. Resumindo, até onde li, o romance dos dois não me incomoda em nada."

Este vai ser um post longo, eu vou voltar lá na minha infância, vou circular por outros mangás, por obras da literatura, pela TV brasileira, por quadrinhos da disney e falarei, também, daquilo que ocorre no social.  Não sei se você terá paciência para seguir até o fim, pode ter certeza de que o post valerá a pena.  Vamos lá!

Acho que só li uma historinha solo do Patera na vida.
Esta discussão sobre maioridade, me fez lembrar de uma historinha do Pateta, que eu li quando era criança, uns oito, nove anos, acho, em uma revistinha do meu tio Climério que estava na casa da minha avó.  Foi através dela que comecei a refletir sobre a legislação sobre maioridade.  Era mais ou menos assim, Pateta iria completar 18 anos, ele tinha nascido 18h, algo assim, o relógio é importante na história.  Ele diz para o sujeito do balcão que quer uma bebida alcoólica, era uma historinha da época em que essas coisas podiam aparecer em material infantil, mas qualquer sugestão de afeto mais caracterizado era banido.  O garçom pergunta a sua idade e ele diz que completará 18 anos tal hora.  

O sujeito olha para o relógio e passa uma descompostura no Pateta dizendo que ele não tinha idade para beber e que fazia mal para a saúde e se ele lhe desse bebida teria problemas com a polícia.  Pateta, resignado, pede um copo de leite.  O funcionário olha para o relógio e já tinha dado a hora do aniversário.  O que ele faz?  Vira para o Pateta e o humilha “Um homem adulto, barba na cara, pedindo leite?!”  Todos riem da personagem.  Enfim, em nossa sociedade a masculinidade tende a ser construída pela humilhação e violência, os que sobrevivem e reagem, são os fortes.  Pateta, bem sabemos, não é um deles.

Até hoje, mesmo após tantos anos, há quem queira aprisionar
Antonio Fagundes no papel de galã e sedutor.
Outro exemplo, virá de uma minissérie chamada Amizade Colorida.  Ela foi exibida pela Globo em 1981 e foi reprisada no festival de 25 anos da emissora, em 1990.  Foi nessa época que eu assisti alguma coisa dela. O protagonista era um fotógrafo freelancer Eduardo Lusceno, o Edu (Antonio Fagundes), um solteiro de mais de 30 anos, conquistador, que tinha dificuldades em entender a liberação feminina, mas estava aberto a tentar compreender os novos tempos e se ajustar.  Seria o par da série Malu Mulher (1979-80), isto é, o olhar masculino sobre o tal processo de liberação feminina.  

Enfim, houve um episódio no qual Edu se envolve com uma adolescente.  Ele transa com ela, não sei se o pai da moça os surpreende juntos, porque o que ficou na minha memória foi a confusão na delegacia.  O pai da garota levou os dois, acho que envoltos em lençóis, e os colocou na frente do delegado.  Ele exigia, como já foi comum no Brasil e é algo mantido nas tradicionais quadrilhas de festa junina, que os dois se casassem, porque Edu teria desvirginado a moça.  

Um machão tentando se adaptar aos novos tempos.
Ele quis argumentar que a garota não era mais virgem, detalhe mais que importante nesse rolo, quase apanhou do delegado que começou um discurso de que se tratava de uma menina, que o pai (*O PAI*) merecia uma satisfação, como ele  tinha tido a coragem de seduzir uma menor de idade.  Menor de idade?!  Não!  Não!  A moça consegue falar pela primeira vez e diz já ter 18 anos.  O delegado vira para o pai e o esculacha.  Como ele o tinha feito perder o seu tempo?  Uma mulher adulta, maior de idade e que já sabia tudo da vida?  Sim, deixou de ser a menina que deveria ter a honra protegida e foi quase que exposta como p***, mas isso nem estava em discussão no episódio.

Por qual motivo citei esses dois exemplos?  Bem, parece que há pessoas que acreditam piamente que uma relação desigual, que pode, inclusive, envolver algum tipo de violência psicológica, física, econômica, deixa de ser um problema se a pessoa tem mais de 18 anos (*ou seja lá qual a idade de maioridade no país*), que aí, tudo bem, cada um é responsável pelo seu nariz.  Há um filme na Netflix nesse momento chamado 365 Dias causando furor e ódio.  Em linhas gerais, ele tem muitas cenas de sexo, dois protagonistas bonitos e com corpos desejáveis, e romantiza situações de violência sexual.  

365 Dias me pareceu muito ruim, cafona, sexista,
PORÉM a mocinha é maior de idade.  Sem problema.
Quem não quereria estar na situação dela, não é mesmo?  Um cara rico, gostoso (*não faz meu tipo, mas é*), viril.  Tudo que uma mulher deseja.  Como a mulher é maior de idade, adulta, no caso, o fato dela ser sequestrada, mantida prisioneira, enfim, não dó na consciência de ninguém.  Aliás, eu li sobre Living no Matsunaga-san, o mangá motivo desse post, que se a mocinha tivesse 18 anos, não 17, não haveria problema do sujeito pelo qual ela se apaixonou ter 28.  Só mudar o número e está OK, porque ter menos de 18 anos é que gera desconforto, independentemente da história fazer sentido, ou não, ter violência, ou não.

Lendo muitos comentários, sou levada a pensar que nessa discussão insana sobre pedofilia, que parece querer engolir a adolescência, destruir essa fase da vida humana, construída a tão duras penas nas sociedades contemporâneas, as pessoas confundem idade de consentimento e maioridade.  Vamos explicar as coisas, então.  Idade de consentimento é aquela baliza estabelecida pela legislação para considerar uma pessoa apta a decidir se quer, ou não, fazer sexo. No Brasil, esta idade é 14 anos.  O que isso quer dizer?  Qualquer ato sexual com menor de 14 anos é SEMPRE estupro.  Não importa se o menor testemunha se gostou, ou não, se estava apaixonado/a, o que seja.  

"Casamento na roça", o pai da noiva e o
delegado obrigam o rapaz a se casar.
Obviamente, e já discuti aqui antes essas questões poderiam ser contornadas.  Uma das formas era obrigar a vítima a casar com o estuprador, ou com quem o criminoso, caso fosse homem importante e de posses, arranjasseEstava resolvido o problema.   O juiz poderia autorizar o casamento relâmpago, não pode mais.  Outro recurso seria recorrer ao termo  "mulher honesta", que esteve na legislação durante muito tempo e poderia ser invocado para salvar algumas situações, ou a sua lembrança ainda era tão forte que poderia ser invocado por algum operador do direito, ou mesmo criminoso.  Meninas de 12 anos poderiam ser consideradas prostitutas e o criminoso sair livre.  Só que, "Em 2009, uma lei mudou o Código e criou o delito de "estupro de vulnerável". Depois, STF e STJ decidiram por "presunção absoluta de violência" nesses casos.".  Ainda assim, o criminoso pode sair livre, estamos no Brasil, afinal.

A partir dos 14 anos, e não estou discutindo se nossa idade de consentimento é adequada, ou não, um adolescente pode fazer sexo, mas continua podendo ser estuprado/a claro. Qualquer pessoa pode ser vítima de violência sexual, a idade serve somente como agravante. Também continua menor de idade, logo, impedido legalmente de assumir uma série de responsabilidades diante da lei, assim como de consumir bebidas alcoólicas, frequentar alguns espaços, ser prostituído/a, entre outras coisas.  Se fotos, ou vídeos erótico-pornográficos de um adolescente forem divulgados, a pena será maior, porque é um menor.  Se um adolescente namorar e fizer sexo com alguém maior de idade em situação normal, essa pessoa não poderá ser acusada de crime.  A questão é com a família do/a menor e os envolvidos.  

Apesar de todo o contexto, houve quem
 visse pedofilia na animação Aladdin da Disney.
O resto é julgamento moral.  Questão de sensibilidade pessoal, ou coletiva.  Por exemplo, cresce no nosso meio a ideia de que você é criança para fazer sexo até os 17 anos e, magicamente, deixa de ser quando o relógio bater as badaladas corretas.  Não deveria ser desse jeito.  A preocupação com a pedofilia e o abuso (*veja a palavra que eu usei*) de adolescentes é muito importante, o confisco da autonomia dos jovens, o apagamento da adolescência e a histeria em relação ao tema, não é.  O problema é que a gente tende a importar o que há de pior dos Estados Unidos, ao invés do que eles tem de mais interessante.  Mas eu escrevi sobre isso extensamente no meu post sobre o desenho do Aladdin original normalizar a pedofilia.  Dê uma olhadinha nele, por favor.

Enfim, eu não consigo ver como aceitável alguém conseguir ligar e desligar a sua chave de "nojo" e da "condenação moral" simplesmente porque um número girou do 17 para o 18.  CUSTAVA A MENINA SER DE MAIOR??  Se fosse, estava tudo resolvido.  Também, não me sinto habilitada a julgar e condenar os afetos de ninguém, desde que não exista violência, ou crime envolvido.  Ver automaticamente como sórdido, ou sujo, ou aliciamento, um romance entre pessoas com alguma diferença de idade (*porque grande, para mim, tem que começar com 15 anos*) aponta muito mais para um problema com quem acusa do que com quem está feliz com a relação.

Para mim, a partir do volume #13,
Karekano é meio que ladeira abaixo.
Acredito ser ainda mais complicado quando a discussão é sobre obras de ficção, porque, bem, as pessoas estariam preocupadas com a moralidade e a segurança de criaturas que nem existem de verdade.  Sim, não estou negando, até porque estaria jogando por terra boa parte do trabalho que faço aqui, que as obras de ficção ajudem a construir o nosso imaginário social sobre o que é amor, o que é cuidado, o que é aceitável, ou não.  Mas se eu simplesmente deixo de me sentir culpada porque a mocinha tem 18, mesmo que o cara tenha 30, desculpe, se há violência, opressão, abuso, o que seja, continua lá e a obra ainda é um reforço das hierarquias entre masculino e feminino e da dominação dos homens sobre as mulheres.  Enfim, eu sou contra moralismo seletivo.

Terminarei, então, revisitarei três casos que foram citados na discussão e que conheço bem.  Karekano (彼氏彼女の事情), Usagi Drop (うさぎドロップ) e Honey & Clover (ハチミツとクローバー).  Em Karekano (*post aqui*), lá no início do mangá, Asaba, melhor amigo de Arima, diz que se o protagonista fosse uma mulher, se casaria com ele.  Quando Miyazawa descobre a gravidez, Asaba brinca dizendo que seria uma menina e que ele esperaria por ela.  Eu não levei à sério, por mais que Karekano já estivesse meio ladeira abaixo desde o volume #13. 

A adolescente "poderosa" seduz o adulto. 
É uma estrutura MUITO diferente
da de Living no Matsunaga-san.
Essa ideia fica adormecida e, bem lá no final, no penúltimo capítulo, acho, somos apresentados à filha mais velha adolescente de Arima e Myazawa.  Ela tem 16 anos, idade dos pais no início do mangá. é linda e inteligente, uma cópia do pai, uma versão feminina sua.  A garota se declara para o solteirão Asaba, a quem tratava como "tio", ele, depois de resistir, afinal, ele a via como sobrinha aceita seu amor.  Não se mostra sexo, a iniciativa é da adolescente, mas, enfim, a autora está endossando e romantizando um tipo de relacionamento muito problemático.  

Chamaria de grooming?  Só se fosse da parte da própria autora que fantasia com essas coisas.  Fosse ela mais responsável com suas jovens leitoras, ela colocaria Asaba rejeitando o amor da menina com todo o tato, tal e qual o protagonista de Koi wa Ameagari no You ni  (恋は雨上がりのように).  Só que Masami Tsuda planejou esse desfecho, talvez o tivesse na cabeça desde lá o volume #2 do mangá tanto que Asaba continuava solteiro.  Parece que algo que algumas autoras de mangá gostam de fazer é mostrar essa assertividade de suas jovens personagens como uma espécie de empoderamento.  Elas são as responsáveis por assediar (*mesmo que usando de expedientes não-sexuais*) homens mais velhos e fazê-los ceder.  É bem complicado.

A autora fez a escolha certa.  Frustrou alguns fãs,
satisfez outros.  Torcer por eles e, ainda assim,
saber que não era certo não torna você uma pessoa ruim.
Agora, esse topos da diferença de idade (*homem bem mais velho e mulher mais jovem*) é comum em material feito para mulheres.  A fascinação do homem mais velho, experiente, protetor, financeiramente estabelecido, enquanto um homem jovem teria ainda que construir sua fortuna, é algo que se repete, seja em material escrito por homens, ou por mulheres. Quantos romances Harlequin se focam na relação entre o tutor e a moça de quem ele tem a guarda?  Basta que ela tenha 18 anos e a consciência de muita gente é aplacada.  E mangás de romance entre aluna e professor?  E os filmes que não cansam de colocar atrizes muito jovens fazendo par romântico com homens bem mais velhos.  Mas vou citar quatro exemplos respeitáveis e tirados da literatura para reforçar as coisas. 

Em Razão & Sensibilidade ninguém vê como problemático que o Coronel Brandon, de 35 anos e aparentando mais, se interesse por Marianne com seus meros 16 anos, ainda que um marido mais jovem fosse preferível para ela. Ele é rico e honrado e quer se casar com ela, como recusar uma proposta dessas? Em Orgulho & Preconceito, o que causa revolta e escândalo é que Wickham, de 28 anos, tenha fugido com Lydia, uma menina de 15 anos, não o interesse dele por ela.  O máximo que a família da moça talvez exigisse seria um noivado mais longo, que ela esperasse até os 17 anos, talvez.  

A garota de 15 anos se casa com o
homem de 28 em Orgulho & Preconceito.
Já em Jane Eyre, os vinte anos de diferença entre Mr. Rochester e a heroína pesam menos que o fato de pertencerem a grupos sociais diferentes e, claro, do noivo ter fama de devasso.  A preocupação de Mrs. Fairfax, e que está clara no livro, é que Rochester se aproveite da moça de 18 anos (*Ah, então, está OK, ela é "de maior"!*) e a abandone.  Na recente adaptação de Emma para o cinema, talvez para não ferir as sensibilidades modernas, escalaram um ator que aparenta ser bem mais jovem (*além de colocá-lo se comportando de forma juvenil*) para tentar diluir o fato da protagonista ser 16 anos mais jovem que o amado, que ele a pegou no colo recém nascida, acompanhou o seu crescimento.  ainda assim, como Emma tem 21 anos, a consciência de muita gente não se manifestaria.  Se tem 18 anos para cima, não precisamos nos incomodar.

O inverso é muito difícil, porque há todos os mitos de que a mulher envelhece mais rápido que o homem e de que os grandes atrativos femininos são sua beleza e fertilidade, fora, claro, que seria a inversão de uma hierarquia.  O homem tem que ser mais velho, tem que ser mais alto, mais experiente, rico, mais tudo.  Estou lendo um mangá em que a mocinha está cheia de noias, porque é oito anos mais velha que o namorado.  Antes que alguém grite pedofilia, ambos são ADULTOS.  Mas o rapaz afirma que a amou desde a infância e que ela sempre foi a única para ele.  No estágio em que estamos, a família dela quer que os dois se separem por causa da diferença de idade.  

Brigitte e Emmanuel Macron.
Isso tudo me lembrou a história de Macron, presidente da França, e sua esposa, ele se apaixonou por ela no colegial, ela era a professora, era casada, nunca tiveram nada.  Os pais ficaram preocupados, o mandaram para um internato bem longe da cidade natal.  Ele se formou, tornou-se adulto e independente, e voltou para procurá-la.  Ela estava separada e eles se casaram.  Caso raro, raríssimo.  E debocham do casal por causa disso, ela é uma velha com um homem jovem e que poderia ter qualquer mulher, o correto e aceitável seria um homem com uma mulher com idade para ser sua filha, ou até neta.  É a mesma coisa com Hugh Jackman e sua esposa, que é bem mais velha que ele e aparenta a idade que tem.

Voltando os quadrinhos japoneses, o caso dois é o de Usagi Drop, uma das maiores decepções do mundo dos mangás para muita gente, porque a AUTORA, sim, escolha dela, decidiu que a relação entre pai (adotivo) e filha viraria outra coisa.  E, assim como em Karekano, a menina toma a iniciativa.  Nada de sexual é mostrado, mas o adulto, depois de resistir e se culpar, cede.  Veja que é o mesmo padrão de Karekano, só que um pouco pior, porque o mangá sobre o jovem solteiro que adota a tia-criança e muda sua vida quando se torna um pai-solo é destroçada diante dos nossos olhos para atender aos fetiches da autora e de parte de sua audiência.  

Usagi Drop é muito bom, até que a autora
pegue um caminho bem complicado.
Procurem material oficial da série e vejam que, para a maioria das pessoas, as lembranças da série são da primeira fase, a segunda, a problemática, é esquecida.  E eu sou uma dessas pessoas.  Usagi Drop vai até a metade e acaba para mim, o que a autora fez depois com as personagens, eu ignoro quando vou apreciar a série.  E chegamos à Honey & Clover, um dos queridos do meu coração.  De todos os casos anteriores, este, para mim, é o pior, porque nem é vendido como amor mesmo.

Primeira coisa, Ragu não é "de menor", ainda que tenha uma aparência infantilizada.  E muita gente só coloca a série nesse rolo por causa disso, tenho certeza.  Segunda coisa, é um caso que poderia ser visto como grooming, porque ainda que eu acredite que sexo não haverá, o professor ao cuidar da menina, estimular seus talentos, ajudá-la a chegar na universidade, acolhê-la em sua casa, protegê-la, enfim, ele a quer para si. Terceiro, no final da série, Ragu fica com o professor por DEVER, dívida de honra, algo que é da cultura japonesa e que faz com que a gente fique com raiva, porque, bem, a gente acredita que somos livres para agir como bem desejarmos em nossas sociedades ocidentais.  

Ela parece uma criança, mas não é.
É a mesma coisa de CandyCandy (キャンディ♥キャンディ), quando Terry casa com Susanna, porque a moça perdeu uma das pernas ao salvar sua vida.  Ele ama Candy, mas seu dever é casar com a outra.  DEVER, não AMOR.  Por motivos vários, leia minha resenha, eu nunca poderia pegar Honey & Clover e jogar no lixo, a série é bem mais do que esse desfecho infeliz de uma das protagonistas, PORÉM, eu não vou deixar de apontar essa desgraça por ser fã da série.  O professor, que sempre foi uma personagem simpática, termina como detestável e é bem diferente de Usagi Drop, porque, assim como Karekano, a situação é revelada no apagar das luzes, a gente nem tem tempo de processar a coisa direito, perceber que ela se aproxima.

Terminando, porque esse texto ficou imenso, acredito ter agregado coisa demais nele, mas é isso, precisava comentar o post do Facebook e desenvolver algumas ideias.  Romances em que as pessoas têm grande diferença de idade são comuns da ficção e na vida real.  Eu não vou julgar os afetos das pessoas, isso me incomodava muito quando eu era adolescente e muito jovem, hoje, não mais.  Olho para outras coisas.  Como pontuei, no caso da ficção que esse tipo de construção é comum, e, nos casos reais, fico atenta para indícios de violência e opressão, porque não acredito que basta o mais jovem da relação ser "di maior" para um relacionamento deixar de ser problemático, na ficção, ou no mundo real.  E, concluindo, maioridade é diferente de idade de consentimento e adolescentes não são crianças.  O excesso de tutela não vai ajudá-los a amadurecer.

9 pessoas comentaram:

Li até o final. <3 E queria saber como participar do grupo do Facebook

Post maravilhoso. Incrível como você consegue colocar de forma tão clara as coisas. Penso assim e sinto o mesmo incômodo que você mencionou com a indignação seletiva de algumas pessoas. Relacionamento abusivo pode ocorrer em qualquer idade. Ah, fiquei revoltada com o desdobramento de Usagi Drop. Vi a primeira temporada do anime e tinha essa lembrança terna no coração. Achei tão bonito o desenvolvimento de um afeto entre pai e filha... Não segui a série por falta de tempo, na época em que assisti só havia a primeira temporada disponível. Imagino a revolta dos fãs sensatos. Que raiva da autora. Não precisamos de mais obras desandando desse jeito, ela deveria ter saído desse desdobramento óbvio e cliché. Paciência.

Obrigada por esse texto! Falta muita sensatez e reflexão com relação ao tema nos debates da internet... Inclusive, gosto demais do que você escreve, sempre com muito embasamento e coerência!

Indignação seletiva e hipocrisia andam juntas.
É o mesmo caso dos ferrenhos opositores do aborto, que pregam até a morte da mulher que o faça. É só ver a reação dos "cidadãos de bem" culpando a menina que foi abusada e fez o aborto. Gente dizendo que ela gostava dos abusos e tal. Um terror.

Meu deus que post maravilhoso! Tudo isso que vc citou se aplica tanto na sequência de inuyasha em que uma menor se relaciona com um de maior sendo que anteriormente eles tinham uma relação de pai e filha

Que texto incrível! Estive pensando sobre Living no Matsunaga também, mas acho que até então a obra vem se desenvolvendo de uma forma muito boa, conseguindo dosar esse ""relacionamento"" entre os dois. Obrigada por trazer essa reflexão para nós! ^^

É apavorante. Eu não gosto de usagi drop, não curti honey e Clover, não cheguei ao fim de karekano. Acompanho matsunaga. Mas nunca vi toda essa problemática em matsunaga, por que a obra é, em minha opinião, bem composta. Tem outras histórias de personagens secundários, onde a pessoa mais velha rejeita a jovem (que em geral é feminina) nos mangas. Faz tempo que não leio "meus queridinhos" da harlequin, justamente por depois de estudar ver tantas problemáticas (era sempre um garanhão que ficava com uma virgem, o oposto era pouco).
E gostei muito da parte em que você descreve essa parte/fase complicada da adolescência. Pois antes mesmo dos quatorze, que seria "legal", não apenas tem acesso como já estão tendo uma vida sexual ativa, seja por influência de séries, de influencées, novelas ou por se sentirem com o pé no mundo adulto. Sou professora e a gente vê muita coisa, milhares de problemas. Tanta coisa que a gente não consegue nem achar um culpado, tem a família, tem o estado, tem a mídia, tá tudo muito... Nem sei. Talvez é só uma indignação.

É apavorante. Eu não gosto de usagi drop, não curti honey e Clover, não cheguei ao fim de karekano. Acompanho matsunaga. Mas nunca vi toda essa problemática em matsunaga, por que a obra é, em minha opinião, bem composta. Tem outras histórias de personagens secundários, onde a pessoa mais velha rejeita a jovem (que em geral é feminina) nos mangas. Faz tempo que não leio "meus queridinhos" da harlequin, justamente por depois de estudar ver tantas problemáticas (era sempre um garanhão que ficava com uma virgem, o oposto era pouco).
E gostei muito da parte em que você descreve essa parte/fase complicada da adolescência. Pois antes mesmo dos quatorze, que seria "legal", não apenas tem acesso como já estão tendo uma vida sexual ativa, seja por influência de séries, de influencées, novelas ou por se sentirem com o pé no mundo adulto. Sou professora e a gente vê muita coisa, milhares de problemas. Tanta coisa que a gente não consegue nem achar um culpado, tem a família, tem o estado, tem a mídia, tá tudo muito... Nem sei. Talvez é só uma indignação.

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