sábado, 31 de março de 2018

Comentando o filme Maria Madalena (Mary Magdalen, 2018)


Quinta-feira assisti, finalmente, ao filme Maria Madalena.  Primeira produção a tratar da segunda mulher mais importante do Novo Testamento (*a primeira é Maria, Mãe de Jesus, claro*) e que recentemente se tornou a mais controversa figura dos primórdios do Cristianismo.  Queria escrever que assisti a um grande filme, que o diretor de Lion, Garth Davis, entregou outro filme excepcional, carregado de sentimento, no entanto, o que eu assisti foi uma película monótona boa parte do tempo e que não despertou em mim as emoções fortes que eu imaginava ter em um filme sobre Maria Madalena.  Não é ruim, tampouco é bom, evita todas as polêmicas possíveis, e como diz a própria Bíblia “Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.” (Apocalipse 3:16) O que eu quero dizer é que dificilmente este filme será lembrado.  Dificilmente e este é o preço que se paga pela timidez, ou pela covardia.

Maria Madalena começa 33 E.C., último ano da missão de Jesus Cristo na Terra, na vila de Magdala, e acompanha o dia-a-dia monótono da personagem título (Rooney Mara), uma mulher solteira, já está passando da idade de casar, trabalhando como pescadora junto com outros membros de sua família e que sofre a pressão do pai (Tchéky Karyo) e, principalmente, do irmão mais velho (Denis Ménochet), para contrair matrimônio.  Ela resiste, sente um vazio espiritual enorme, e é acusada pelo irmão de trazer vergonha para a família e estar possuída por demônios.  


Chamada para ser pescadora de mulheres.
Um dia, um profeta chamado Jesus (Joaquin Phoenix) passa por Magdala.  A jovem decide segui-lo, mesmo contra a vontade de sua família, e é aceita no grupo dos apóstolos.  Sua presença causa apreensão em Pedro (Chiwetel Ejiofor) e recebe boa acolhida de Judas (Tahar Rahim), que acredita que logo virá o reinado do Messias.  A partir daí, acompanhamos os últimos meses de vida de Jesus, a crescente confiança que ele deposita em Maria Madalena, os ciúmes de Pedro e os primórdios da Igreja Cristã.

Reitero que não vi nada de novo ou excepcional no filme sobre Maria Madalena.  Nada que não tivesse lido em livros acadêmicos, ou matérias de revistas ou jornais.  Pouca coisa se inventou de fato para além das fontes bíblicas, recorreu-se pouco aos apócrifos gnósticos, à tradição, ou mesmo à imaginação.  Aviso logo de saída que esta resenha é escrita por uma historiadora feminista que, apesar de sua formação cristã e também por causa dela, considera todas as personagens do filme como uma dupla construção discursiva.  


Ela queria uma experiência religiosa mais profunda,
que as práticas tradicionais não ofereciam.
Não há como provar a existência histórica nem de Jesus, nem de Pedro, nem de Madalena, o que sabemos deles, o sabemos pelas fontes cristãs canônicas e apócrifas e pela tradição; eis a primeira construção.  A segunda, é a do filme, que se aproxima desse caldeirão de discursos, se apropria deles e lhes dá forma em tela.  Agora, independentemente de suas existências reais, personagens como Jesus são das mais influentes de toda história da humanidade.  Estabelecido isso, sigamos.

Quem temia que este Maria Madalena fosse uma abordagem feminista da personagem, esqueça, salvo se o simples fato de colocar uma mulher seguindo Cristo como apóstolo, algo que a própria Bíblia apresenta, é muito feminista para você.  Se você espera uma película com alto potencial explosivo como o excelente A Última Tentação de Cristo, esqueça também, não há absolutamente nada de subversivo de verdade neste filme, muito menos de erótico na relação de Jesus com Maria.  Nada.  Fiquei feliz de ver uma relação genuína entre mestre e discípula e, não, aquela coisa clichê de homem e mulher centrais em um filme/livro/whatever precisam ter um envolvimento amoroso.  Agora, o que o filme faz muito bem é retirar emoção de acontecimentos que eu transformaria em momentos de catarse, se eu fosse a responsável pelo projeto.


Jesus existiu?  Não existiu?  Dada sua importância histórica,
isso me parece irrelevante.
Querem um exemplo?  É mostrada a ressurreição de Lázaro.  Se Maria Madalena é a mulher mais citada nos Evangelhos, as irmãs de Lázaro, Maria de Betânia e Martha, pareciam gozar de uma amizade especial com o Messias.  Tanto que há certa dubiedade se a mulher que lavou os pés de Jesus e enxugou com seus cabelos é a Madalena, ou a outra Maria (Lucas 7:36-50).  É na passagem da morte de Lázaro que é dito que “Jesus chorou”, ao ver Maria chorando e dizendo que se o mestre estivesse com eles, seu irmão não teria morrido. (João 11) É uma das minhas passagens favoritas dos Evangelhos. Pois bem, no filme, parece que Jesus está passando e vê o sepultamento de um estranho, se compadece e decide fazer alguma coisa.  Só no fim da cena é que nos é dito que é Lázaro.  

Seria uma oportunidade muito boa de mostrar que as mulheres tinham papel importante na vida de Jesus, mesmo que Maria Madalena tenha certa proeminência, que, no caso do filme, já está dada no título.  Também sabemos que Madalena não era a única mulher que seguia com o grupo, o Evangelho de Lucas fala das mulheres que o acompanhavam e sustentavam (Lucas 8:1-3), ou seja, Jesus não tinha recursos próprios, algo que outras passagens pontuam e não recusava que mulheres de posses o ajudassem.  Só que isso continua subversivo demais para o cinema.  No caso desse filme, se economizou até nos apóstolos, nem sequer temos os doze, imagina colocar mais mulheres com nomes e falas... 


Judas era o mais devoto entre os apóstolos no filme.
Enfim, antes do encontro com Jesus, como parte da apresentação de Maria Madalena, criou-se uma relação familiar conturbada para a protagonista. Pobre, órfã de mãe, filha única e querida pelo pai, ela estava protelando seu casamento.  O pai não parecia fazer questão para se separar dela.  Há uma relação muito amorosa entre ambos.  Só que o irmão mais velho não vê outra função para as mulheres salvo o casamento e a procriação.  Ele sabe que se o pai morrer, ele terá que sustentar a irmã solteira e, pelo menos para mim, está claro que ele não quer esta responsabilidade.  Se vocês observarem, era uma casa pobre com todo mundo amontoado, irmãos, cunhadas, netos, avô, Madalena... Se ela se casasse, seria menos uma pessoa naquele cubículo.

Aos olhos do irmão, Madalena também parece ser mais devota do que seria decente para uma mulher.  Provavelmente, os roteiristas foram buscar as bases para essa parte em certos ramos do  Judaísmo Ortodoxo, que isentam as mulheres de várias obrigações que seriam dos homens, mas, ao fazê-lo, na verdade, as proíbem de desempenhar uma série de funções.  Em alguns casos, até ouvir a voz de uma mulher, seu canto ou oração pode ser considerado religiosamente inadequado.  De qualquer forma, não pensem que Madalena é uma Yentl, uma mulher que questiona ativamente suas limitações, ela só quer o direito de viver de forma devota, aparentemente em celibato, de poder orar em voz alta sem ser repreendida ou tomada por endemoninhada.   


Domingo de Ramos.
Quantas mulheres passaram e passam por situações semelhantes?  A coerção do casamento?  A obrigação de se sentirem espiritualmente inferiores, apesar de serem mais devotas?  A se verem como um peso, mesmo trabalhando duro de sol a sol?  Enfim, esse é o drama inicial de Madalena.  Uma das poucas cenas de efetiva emoção do filme é quando Daniel, o irmão, convence o pai a levar a protagonista para uma seção de exorcismo.  Ela quase é morta e entra em uma espécie de torpor do qual só sai após um encontro com o Messias, ele lhe diz que ela não tinha demônio algum.  Restabelecida, o irmão volta à carga “Mas ela ainda pode casar com fulano!”.  Só que ela escapa.

A Maria Madalena que acompanha Jesus e os apóstolos é silenciosa e discreta.  Ela não eleva a voz, ela não entra em contendas teológicas, ela se choca quando vê os apóstolos discutindo entre si como se fossem soldados,ainda que o filme não discuta ativamente a política da época, ou a possível ligação de alguns discípulos de Jesus com o grupo dos zelotes, militantes que lutavam para expulsar os romanos da região. Falando nos apóstolos, já pontuei que não temos nem os doze canônicos aparecem no filme.  Dos que se fazem presentes, destacam-se Pedro e Judas, dois outros que tem nomes são Mateus e Felipe.  Acho que André foi citado em uma cena.  Os outros sequer tem falas.  Quando vi Judas a primeira vez, pensei que fosse João ou Tiago.  Esses dois famosos apóstolos não são sequer citados.  Será que não havia recurso, ou espaço na tela, para colocarem os doze mais Madalena?


Pedro queria uma revolução terrena,
depois, passa a se preocupar com o destino do grupo.
Voltando para a protagonista, ela batiza outras mulheres.  Vejam que o filme pode parecer transgressor aos mais conservadores por conta de alguns detalhes, mas o fato é que ele foge da polêmica o tempo todo.  Não coloca Maria Madalena pregando aos homens, ou os batizando.  Ela parece usada por Jesus para falar para as mulheres, ainda assim, de forma discreta.   Eu já sabia previamente que não colocariam uma Madalena ex-prostituta.  Ótimo, porque esta ideia, que caiu no gosto do Ocidente por séculos, foi enunciada por Gregório, o Grande, no século VI.  Não defendo que o Bispo de Roma tenha tirado isso da sua cachola, mas a narrativa não era hegemônica até então, depois disso, consolidou-se em uma tríade de mulheres modelo se perpetuando até nossos dias no imaginário coletivo: Eva-pecadora, Maria-Virgem (*e Mãe*) e Madalena-Prostituta Arrependida.  

O filme também não investe na premissa, que é particularmente atraente para alguns, de que Madalena foi esposa, ou amante, de Cristo.  Esta ideia é alimentada principalmente pelo evangelho gnóstico de Filipe, que foi encontrado em Nag Hammadi, no Egito, junto com vários outros fragmentos, ou livros, a maioria tardios, século III, que tinham sido escondidos.  Ainda assim, cabe interpretação.  Por exemplo, o fato de Jesus beijar Madalena nada quer dizer, porque o hábito é descrito no Novo Testamento e, mais tarde, gente como Tertuliano (*se bem me lembro, mas não vou atrás do livro do Peter Brown agora*) condena o fato, por razões de decência, de que homens beijassem mulheres e vice-versa.  Como o Reino está próximo, ou assim criam os cristãos dos primeiros séculos, muita gente deveria estar se lixando para certas regras do cotidiano.  Daí, vocês encontrarem textos do Novo Testamento – alguns atribuídos à Paulo – reforçando convenções sociais como uma forma de impedir que a comunidade de cristã fosse mal vista.


Mulheres trabalhavam e trabalham duro,
mas seu trabalho é, muitas vezes, ignorado.
Há, também, o Evangelho de Maria, que muitos julgam ser a Madalena.  O texto sugere uma relação especial dela com Jesus, mas nada que se caracterize como matrimônio, ou coisa do gênero.  O que não quer dizer que ela seja a autora, tampouco que esta visão fosse hegemônica entre os primeiros cristãos, afinal, o gnosticismo era tratado como heresia e era uma tendência minoritária – até por se desejar assim – dentro do Cristianismo dos primeiros séculos.  Enfim, é por causa desses dois evangelhos que se infere essa relação mais próxima de Maria com Cristo, assim como antagonismo com Pedro, que a hostilizaria por ser mulher e por ser mais amada pelo Messias do que seus apóstolos.  O resto é culpa de romances contemporâneos como O Santo Graal e a Linhagem Sagrada e O Código Da Vinci.

Voltemos ao filme, nele transparece o ciúme de Pedro, ele se sente ameaçado por essa relação mais próxima entre Maria e Jesus, que parece desequilibrar as hierarquias dentro do grupo. Pedro exercia uma função de liderança e, ainda que não clame para si este lugar, Maria Madalena goza de uma intimidade de espírito, por assim dizer, com o Messias que os homens não têm.  Ele não queria levá-la e alega decoro, porém, o Pedro do filme não me pareceu particularmente machista, ou misógino, era alguém que temia perder o poder que cria possuir.  


A relação muito próxima com o
mestre faz com que Pedro tenhas ciúmes.
Agora, na Bíblia, Jesus é acusado de andar com prostitutas e publicanos, o que diriam dele se mulheres começassem a seguir com ele pelas estradas?  De qualquer forma, desde que Jesus não mostre preferência especial por Madalena, Pedro está bem com ela.  Agora, quando ela se torna a primeira testemunha da ressurreição (Mateus 28:9-10; Marcos 16:9-11; João 20:11-18), ele se recusa a acreditar nela.  Lembro de quando em uma pregação, ou um estudo na Igreja, um homem disse que os apóstolos tiveram razão em não crer, afinal, mulheres eram dadas a inventar coisas e tinham muita imaginação.  

O fato é que os apóstolos não creram e Pedro tenta calá-la.  O filme não mostra os apóstolos se encontrando com Jesus, mas aponta para o esforço inicial de Pedro de organizar uma igreja.  É como se a igreja que Pedro almejasse, não precisasse do Cristo ressuscitado para existir, ou não tivesse como lidar com ele. Como o filme é um tanto fragmentado, já tínhamos quase umas duas horas de projeção, não se volta ao assunto.  


Judas se frustra.  Maria fortalece sua fé.
São duas horas de filme e questões importantes são apresentadas de forma corrida.  Temos pausas e silêncios demorados, aquelas tomadas do deserto longuíssimas, e quando alguma coisa acontece, na maioria das vezes, é trabalhada de forma displicente.  Toda a sequência final da vida de Jesus foi assim.  E sabem o que é a melhor coisa do filme?  A mais tocante, a que mais emociona?  Judas.  Ele é apresentado como um homem de fé, alguém que acreditava que o Reino estava próximo, que seria algo espiritual, que ele iria rever sua esposa e filha que tinham morrido, mas, não, ele estava errado.  O Reino de Cristo não era desse mundo e, bem, sua traição (*é um spoiler, mas não é teoria nova*) foi uma forma de tentar obrigar Jesus a se revelar em toda a sua glória.  Não deu certo.  

O que eu quero dizer é que enquanto Rooney Mara estava linda e parecendo uma asceta; Chiwetel Ejiofor parecia querer sempre passar uma imagem de dignidade e liderança; o Jesus de Joaquin Phoenix parecia oscilar entre o meio chapado e meio aterrorizado; o Judas de Tahar Rahim parecia cheio de vida, de felicidade, até que termina fazendo tudo errado, ou certo, afinal, Jesus deveria morrer na cruz.  E se em um filme sobre Maria Madalena, eu sou obrigada a dizer que gostei mais de Judas, efetivamente, o filme não me atingiu como deveria.  Só fiquei consolada de não estar só nesse sentimento.


Não se enganem com quem insinua que
existe romance entre Jesus e Maria.
Falando de Joaquin Phoenix, bem, ele já estava velho para ser Jesus.  E não me passou a impressão de ser um Jesus mais humano, mesmo que nunca se negue sua divindade, mas é representado como uma espécie de guru dado à transes e ausências, delírios.  Vide a sequência dos vendilhões no Templo.  Se fazia um milagre, era como se ficasse sem energia vital.  Foi feito um bom trabalho em relação ao seu medo/ansiedade em relação a sua morte, mas esta foi uma das partes corridas do filme.  Na crucificação, que foi solitária, sem o ladeamento de dois ladrões, optaram por uma cruz romana mais realista e os cravos estavam no lugar certo, nos pulsos.  E, sim, o filme tem grande diversidade étnica, começando pelo Pedro negro, mas Jesus é louro de olhos azuis, assim como Madalena é de uma brancura pouco condizente com uma mulher que trabalha deixo do sol o tempo inteiro.

Caminhando para o fim, Maria Madalena cumpre a Bechdel Rule.  Há várias mulheres com nomes e falas.  No início, temos as cunhadas de Madalena, depois, as mulheres com as quais interage durante a pregação de Cristo.  Essas mulheres falam mais de si, de seus problemas, mesmo que os homens estejam envolvidos.  E há a outra Maria, a mãe de Jesus (Irit Sheleg), ou, pelo menos aos meus olhos, a mulher mais importante do Novo Testamento.  Madalena conversa com a Maria quando ela se junta ao grupo em Jerusalém.  Elas conversam sobre o Messias, claro, Maria fala da infância do filho e de seus medos (*apócrifos como referência*), mas fala dela própria, de sua missão, e de Madalena.  Falando em Maria, mãe de Jesus, apesar dos tons pobres do figurino, algo bem coerente, aliás, mantiveram o azul – cor cara, cor difícil, cor de fixação complicada – no seu manto.  Mais uma tentativa de reforçar e, não, questionar tradições em um filme que é tudo, menos ousado.


Maria, mãe de Jesus.
Seria este filme feminista?  Eu não o vi dessa forma.  De novo, é preciso ser muito conservador e até obtuso para negar que Maria Madalena teve um papel de destaque na missão de Cristo na Terra.  Agora, repito, ela não prega aos homens, ela não os batiza, ela não contende com eles, ela quer viver sua espiritualidade de forma mais pessoal, daí seguir o Cristo e romper com antigos costumes e práticas, mas seu papel é muito mais tradicional – até na parte do cuidado com os doentes, que Pedro queria abandonar – do que de mulher que repensa papéis de gênero.  Mas decidam-se a respeito, se assistirem o filme.  

A meu ver foi um filme bem chapa branca, evitando, ou tentando não desagradar grupo algum.  Não emocionou, não tocou, não marcou, querem um filme religioso de impacto, vejam Silêncio, que é do ano passado.  Espero que alguém decida falar de Maria Madalena novamente, mas com mais criatividade, com mais coragem, afinal, aquela que foi reconhecida como “apóstola dos apóstolos” merece muito mais destaque.  Mérito do filme é romper com a história da Madalena prostituta e não embarcar na narrativa da Madalena-esposa, mas isso ainda é muito pouco.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Versão em quadrinhos de O Diário de Anne Frank causa polêmica em escola


Em 2017, a editora Record lançou no Brasil a versão em quadrinhos feita por Ari Folman e David Polonsky de O Diário de Anne Frank.  A versão tem inclusive status de adaptação oficial para a mídia dada pela Fundação Anne Frank (Anne Frank Fonds).  Mas, talvez, você nunca tenha ouvido falar da criança mais famosa do Holocausto, na verdade, uma das mais lembradas vítimas do extermínio promovido pelos nazistas, desde que seu pai, o único sobrevivente da família, encontrou seu diário e o publicou – com censura – em 1947.  Posteriormente, edições integrais foram lançadas em muitas línguas.  Mas vou fazer um breve resumo da vida da menina:

Anne Frank nasceu em 12 de junho de 1929, na cidade alemã de Frankfurt.  A família não era rica, mas pertencia a uma classe média muito bem estabelecida, era, também, liberal, isto é, não eram judeus ortodoxos.  Com a ascensão do nazismo e as leis antissemitas, a família de Anne deixou a Alemanha e refugiou-se na Holanda.  O pai de Anne, Otto, consegue garantir as condições de vida da família, mas com a invasão da Holanda e a rendição do país, em 1940, a situação dos Frank se deteriora e quando uma ordem chega para que o pai se apresente às autoridades nazistas, a família entra no esconderijo.  


Em 1942, a guerra ainda demoraria uma eternidade para terminar, especialmente, quando se corria tanto risco.  É nesse refúgio-prisão que Anne escreve seu famoso diário, entre os 13 e 15 anos.  Registra suas impressões do dia-a-dia, as dificuldades do convívio em um espaço tão pequeno, o medo, a esperança, o despertar da sexualidade, as saudades de tempos melhores, os conflitos com a mãe... Em 4 de agosto de 1944, devido a uma denúncia, todos são presos.  Anne e sua irmã mais velha, Margot, acabam morrendo em fevereiro de 1945 no campo de Bergen-Belsen, provavelmente, de tifo. Há mais informações no site do Museu Anne Frank.

Se você lê O Diário de Anne Frank pode discutir um monte de coisas.  Começando pela selvageria do Holocausto.  Garanto para vocês que até minha menina de 4 anos entenderia, obviamente, ela não seria público para esta adaptação, mas a dor de ter que se esconder, de perder a liberdade, a insanidade do extermínio, certamente, ela compreenderia.  Pois, bem, o livro foi recomendado como paradidático em uma escola particular de Vitória para as turmas do 7º ano, crianças entre 11 e 13 anos, eu presumo.  Alguns pais ficaram indignados, porque o quadrinho aborda questões relativas à sexualidade e obrigou os responsáveis – não qualquer pessoa, não a internet, não os colegas na rua – a conversarem sobre, enfim, coisas como o termo “vagina”.  Olhe a fala de um pai: "A minha filha trouxe a informação pra mãe dela, de que ela tinha lido o livro e começou a falar do que estava acontecendo em sala de aula, de que as crianças estavam repercutindo o conteúdo do livro na sala. Ela contou que alguns menino estavam fazendo chacota com as meninas, porque o livro fala do órgão genital feminino".   Assistam a matéria no site do G1.

Repito, o livro foi publicado a primeira vez em 1947 e escrito nos anos nos anos 1940 por uma menina entre 13 e 15 anos.  Crianças de 12 anos são curiosas e brincalhonas, também, e fazem piada de tudo.  Só que o pai entrevistado acredita que “(...) a escolha da escola acabou antecipando um momento da vida da filha”. "Ela comentou com a gente acerca de penetração, de masturbação, de colocar o dedo na vagina. Coisas que não são para a idade dela. Ela sequer tinha curiosidade de sabe aquelas coisas ainda, mas depois que ela leu, a gente teve que explicar, porque é melhor pai e mãe explicando do que um amiguinho ou uma pessoa mal-intencionada".  

Muitos pais têm dificuldade em lidar com temas ligados à sexualidade, em alguns casos, não tem mesmo o preparo para isso.  Talvez, a escola tenha sido negligente em perceber as demandas dos alunos e guiar a discussão.  Talvez, ainda, o material devesse ser recomendado para o 8º ano, quando as crianças estudam corpo humano, ou para o 9º ano, quando estudam 2ª Guerra Mundial e o Holocausto promovido pelos nazistas.  Talvez, simplesmente seja difícil acreditar que a palavra “vagina” seja desconhecida para uma menina de 12 anos.  De qualquer forma, acredito que nós, adultos, tenhamos sérios problemas ao olharmos as crianças e adolescentes, pois ou os cremos capazes de qualquer coisa, experientes, enfim, ou os vemos como completos inocentes e à mercê de influências malignas.  

Enfim, se discutíssemos mais e melhor certas questões teríamos menos neonazistas adolescentes por um lado e menos gravidezes nessa faixa etária por outro.  Só que vivemos em tempos de Escola Sem Partido e falsos puritanismos.  É mais fácil aceitar o Holocausto como banal do que imaginar que crianças de 12 anos conheçam o nome dos seus órgãos genitais, ou já tenham se masturbado alguma vez.

Termino o texto com a citação de uma especialista, a Prof.ª Maria Amélia Dalvi, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), sobre a questão: “Me espanta muito que as pessoas se choquem com questões de sexualidade do que com o terror que milhões de pessoas condenadas aos campos de concentração passaram. Eu imagino que com 12 anos as questões ligadas a corpo e sexualidade já habitam o imaginário das crianças, dos adolescentes. As indagações já começam a aparecer. É muito melhor aprender sobre isso mediado pelos pais ou pela escola do que na rua (...)"Tem uma coisa, que a gente sempre precisa se lembrar: qual é o papel da literatura na escola? A literatura existe para complexificar a compreensão do real e ela faz isso quando nos defronta com questões difíceis da existência. Eu penso que uma obra que foi escrita por uma adolescente entre os 13 e os 15 anos, abordando coisas que passavam pela cabeça lá década de 40, e que se tornou após publicação um clássico juvenil no mundo inteiro, é um material muito importante que precisa sim ser debatido nas escolas."


Prometo uma resenha desse quadrinho.  Ele está aqui em casa faz vários meses, meu marido leu, e eu não li ainda.  Ah, sim!  A graphic novel que já foi lançada em mais de 50 países, vai virar animação.

Livro celebra a obra do diretor Osamu Dezaki


Osamu Dezaki foi um dos maiores gênios da animação japonesa e o Comic Natalie anunciou que um livro celebrando sua obra, especialmente, Ashita no Joe (あしたのジョー), foi lançado no Japão pela editora Takarajima.   Dezaki era um machista horroroso, mas produziu alguns dos melhores animes que eu assisti e meu anime favorito, Ace wo Nerae.  Curiosamente, ele está na capa e o CN sequer cita a série... Enfim, Dezaki dirigiu metade do anime da Rosa de Versalhes (*o primeiro diretor foi demitido no meio do caminho.  Sim, o anime da Rosa foi rejeitado pelo público no Japão*) e a única outra adaptação animada de um mangá de Riyoko Ikeda, Oniisama E... (おにいさまへ…).  Ele dirigiu a primeira temporada de Lupin III (ルパン三世), toda a série Ashita no Joe, Cobra (スペースコブラ) e uma infinidade de outros títulos.  Queria muito poder ler este livro.  Deve ser muito interessante.


O diretor morreu em 2011, seu último anime,  Genji Monogatari Sennenki: Genji (源氏物語千年紀), deveria ser uma adaptação do mangá mais elogiado de Waki Yamato (*de Haikara-san ga Toru*), Asaki Yume Mishi, (あさきゆめみし).  Tratava-se de um grande evento, os mil anos do  que muita gente considera o primeiro romance da literatura, e o mangá de Waki Yamato é considerado sua melhor versão para mangá.  Enfim, o diretor decidiu que não queria adaptar a obra de Yamato, trouxe seu parceiro Akio Sugino para o projeto, e fez uma adaptação do original.  Ficou chato.  Eu fiquei furiosa.  Enfim, esta última obra dele eu quero esquecer.

P.S.: Obrigada, Sam, por me avisar.  Eu deixei passar a notícia quando ela saiu no Comic Natalie.

quinta-feira, 29 de março de 2018

novo mangá de Chiho Saito estréia em 28 de abril


Em 28 de março foi publicado o último gaiden de Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ) na revista Flowers.  O capítulo, que será publicado no volume chamado ~After the Revolution~, trata dos gêmeos Kozue e Miki.  


Mês que vem, teremos o novo mangá da autora, Kaguya-den (輝夜伝).  Não há mais detalhes, a autora simplesmente disse no Twiter que será outra princesa guerreira... 


Olhando a imagem acima, imagino se a mocinha estará travestida.  Se os acontecimentos são da época da Revolução Meiji, enfim... A notícia estava no Comic Natalie.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Revista ARIA é cancelada ou, pelo menos, é o que parece...


A revista ARIA da Kodansha deixará de ser publicada no Japão.  Lançada em 28 de julho de 2010, ela teve seu auge quando começou a publicar gaiden de Shingeki no Kyojin (進撃の巨人 ), em 20013.  Segundo o Comic Natalie e o Mangamag, a última edição da revista seré em 28 de abril.  Agora, nada é dito sobre a revista se tornar digital, ou o destino das séries que não serão encerradas na última edição da revista.


Fica parecendo um cancelamento mesmo e é um que eu não esperava.  Vamos aguardar novas notícias, elas virão mês que vem.  Agora, o CN pontua que a editora tem três plataformas digitais de leitura de mangá, o MangaPoke, e os recentes Comic Days e Palcy.  


Este último, o Palcy, foi lançado com certo alarde e eu deveria ter comentado, mas deixei a notícia esfriar... mas é isso, de todos os cancelamentos que eu já acompanhei, o da ARIA foi o que me pegou mais de surpresa, por assim dizer.

terça-feira, 27 de março de 2018

Comentando Lady Oscar, o Filme (1979): Só para quem é fã mesmo e olhe lá!


Como me perguntaram se eu conhecia o filme live action da Rosa de Versalhes  (ベルサイユのばら) e eu respondi que, sim, que tinha, inclusive, feito uma resenha sobre ele, fui desencavar o tal texto que estava no meu primeiro (*e saudoso site*), o Shoujo House.  Tenho tudo arquivado no HD.  Pois bem, era um texto de 2004 e eu tenho quase certeza que assisti ao filme dublado em italiano.  Olhando o texto, vi que era coisa bem pobre e atropelada, mas algumas das minhas impressões não mudaram, assistir outra vez só me fez confirmar a impressão inicial.  Para quem tiver curiosidade, segue, na íntegra, o texto de 14 anos atrás e, logo após, meus novos comentários.

MacColl era garota propaganda dos cosméticos da Shiseido.
“Falar que o filme é fraco, não seria mentira, mas dizer que é absolutamente ruim seria exagero. Complicado? Não é, não. Filmado na França, com equipe de produção toda européia e falado em inglês por exigência da produtora japonesa, Lady Oscar (nome que foi usado na veiculação) não consegue captar a grandeza do mangá, nem tampouco ter a força dramática do anime. Mesmo com um diretor consagrado e a música de Michel Legrand, o filme amargou um grande fracasso.

Para começar, a escolha dos atores e atrizes é muito questionável, muitos não tinham o tipo físico necessário, vide, por exemplo, a protagonista, Catriona MacColl, que é muito bonita, até boa atriz, mas não tem altura e porte para ser Oscar.  DVD italiano Mas constrangedor ainda é Maria Antonieta que ao invés de parecer fútil tem um ar vulgar que contrasta com a personagem criada por Ikeda. Aliás, parece que a direção oscilou sem se definir entre seguir a obra original e ter alguma fidelidade histórica. Bola fora, claro, pois se a reconstituição de época ficou muito boa (cenários, figurinos, comportamento de Luís XVI, principalmente), ser historicamente preciso tornaria absurda a presença de Oscar. E isso efetivamente acontece, já que a protagonista parece mais observar a ação do que participar dela. Além disso, o tempo de um longa-metragem normal não conseguiria contar bem a história criada por Ikeda, a não ser que houvesse um mágico responsável pelo roteiro.

Algumas mudanças foram lamentáveis, também. Por exemplo, Rosalie - que também tem um arzinho vulgar - não convive com Oscar e André, Alain não existe, Girodelle que no mangá é galante e cavalheiresco é mostrado como um devasso repulsivo, Oscar aparece criança dormindo com uma boneca, a noite de amor de André e Oscar é em um estábulo (!). Os atores que fazem Rohan, Jeanne e Luís XVI se saem muito bem, e quando não se afasta muito da obra de Ikeda o filme é até aceitável, embora seja um produto para fãs e não mais do que isso.

O filme, como todo o material de Lady Oscar, foi lançado na Itália e foi exatamente uma versão dublada em italiano que eu, que imaginava que nunca veria esse live action, consegui para assistir. Como eu disse, coisa de fã, que quer ter tudo do seu seriado favorito em suas mãos (falta algum vídeo do Takarazuka). Bem, se você ficou curioso, corra atrás do filme, afinal existem coisas muito piores no mercado e a gente assiste, mas esteja avisado, o final é a coisa mais insossa do mundo e absolutamente diferente do anime e do mangá. Se você é fã da Rosa de Versalhes e quiser sugerir um elenco e diretor para um possível remake, mande um e-mail para mim. Se muita gente escrever, eu prometo colocar os resultados aqui na página. ^_^”


Infância feliz.
Lady Oscar foi filmado originalmente em inglês e contava com atores e atrizes de várias nacionalidades, já o diretor é o famoso Jacques Demy.  Ele trabalhou com Catherine Deneuve em Os Guarda-Chuvas do Amor (The Umbrellas of Cherbourg) e dirigiu um musical que virou cult, Duas Garotas Românticas (The Young Girls of Rochefort).  Além disso, meu conto de fadas favorito no cinema, Pele de Asno (Peau d'Âne), foi dirigido por ele.  Lembro que quando descobri que ele era o diretor de Lady Oscar, nome escolhido para divulgação internacional do filme, até me espantei. 

Falando em "Lady Oscar" desconfio que esse título foi inventado aqui.  Em um determinado momento do filme, Fersen chama Oscar desse jeito e segue tratando-a como Lady Oscar.  O filme foi lançado em 3 de março e precedeu em vários meses o anime, que começou a ser exibido em 10 de outubro de 1979.  Acredito que algumas ideias do filme, cuja produção foi acompanhada de perto por Riyoko Ikeda, foram aproveitadas no anime, que era do mesmo produtor, Mataichiro Yamamoto.  Infelizmente, as ideias aproveitadas não foram as melhores.
André não se conforma com a separação
de Oscar, nem com as barreiras de classe.
Reassistindo ao material, um filme longo com mais de duas horas, qual foi a minha impressão?  Eu manteria a frase inicial “Falar que o filme é fraco, não seria mentira, mas dizer que é absolutamente ruim seria exagero.”, mas acrescentaria que o filme talvez tenha um dos piores finais que eu já vi materializado em tela.  Oscar e André participando da Tomada da Bastilha, não como no mangá, ou  no anime, que difere muito pouco do original, como soldados, mas no meio da multidão, sem armas aparentemente.  No empurra-empurra, eles se perdem um do outro, André procura a amada, ela só faz gritar “André!  André!” com sua voz doce.  

Eles não se encontram, André toma um balaço nas costas.  E Catriona MacColl, a atriz que interpreta Oscar, com cara de coitada, assustada, vagando pelas ruas, empurrada pela multidão.  O filme termina com a festa em Paris e a voz chorosa de Oscar ao fundo.  Uma atrocidade reduzir a heroína a esse farrapo de pessoa.  E aviso que isso aí não é o final do mangá que a JBC vai publicar em nosso país, acredite em mim, mas é o final mais brochante do qual me recordo em qualquer filme que eu tenha visto na vida, agravado pelo fato de eu amar as personagens.  Mas falemos do filme como um todo.
O pai se orgulha de Oscar e fica
feliz quando ela duela com um sujeito.
Lady Oscar começa, tal e qual o mangá, com o nascimento de Oscar em 1755.  O bebê chora alto, o General de Jarjayes (Mark Kingston) supõe que é um menino, o seu tão esperado herdeiro.  Nanny (Constance Chapman) esclarece que se trata de mais uma menina e que a esposa do general morreu.  O sujeito não dá a mínima para a morte da esposa e meio que surta dizendo que finalmente teve um filho, batizando a criança de Oscar François de Jarjayes.  O general manda que Nanny traga seu neto, André, para ser o companheiro de jogos de seu filho.

Primeiro salto, 1767, é anunciado o noivado de Maria Antonieta e do Delfim.  O pai de Oscar comunica para a filha, que ele chama de filho, que, um dia, ela será comandante da guarda da rainha.  Oscar parece feliz, mas segue com André para o estábulo, atira a espada para um lado e pega uma boneca que está escondida.  Deita-se abraçada com a boneca e com André ao seu lado.  Patsy Kensit, a menininha que faz Oscar, é uma gracinha.  Enfim, este tal estábulo tem uma função na narrativa, porque é nele que Oscar se despe da personagem que o pai lhe impôs.  Sim, neste filme, bem mais que no anime, Oscar arrasta o peso de ter que ser homem, só que com um agravante, André repete para ela mais de uma vez que ela nunca conseguirá desempenhar o papel masculino que tanto persegue. 

Antonieta considera Oscar uma amiga.
A partir daí, temos Oscar como capitão da guarda da rainha e gozando de certa intimidade com Maria Antonieta (Christine Böhm).  Só que sua presença é muito mais a de testemunha quase silenciosa das maquinações da monarca, suas futilidades e mesmo atos levianos.  Ela não consegue evitar nada.  Oscar se apaixona pelo Conde Fersen (Jonas Bergström), que a vê como uma amiga.  Com a ida para o palácio, termina se afastando de André (Barry Stokes), que reage mal à situação e começa a manifestar um pensamento político radical, recusando-se a se submeter às velhas hierarquias e aceitar que nunca terá Oscar.  Com o passar dos anos, a crise política e econômica se agrava no país, fazendo com que Oscar tenha que escolher entre a Revolução e André, ou suas fidelidades de classe.

Falemos do André do filme, que é interpretado de forma bem irregular por Barry Stokes.  Esqueça o André doce e abnegado do mangá, ou mesmo o mais decidido do anime, no filme, ele é um sujeito cabeça quente, que responde na lata, ciumento e que incorpora um modelo de masculinidade intimidador.  Esta última palavra cabe, porque Catriona MacColl não tem porte para ser Oscar, ela chega a ser mais baixa que várias das mulheres em cena.  Ela era o rosto das campanhas da Shiseido, uma mega fabricante de cosméticos japonesa, que foi uma das patrocinadoras do filme.  

Fersen demora um monte de tempo
para descobrir que Oscar é uma mulher.
MacColl não engana como homem e, neste filme, praticamente todos tratam Oscar como ele.  Da mesma forma que no anime – e acredito que a série de TV bebeu muito no filme, no que o filme teve de pior, aliás – Fersen parece ser o único que não sabe que Oscar é uma mulher.  Como MacColl, sequer esconde os seios, é cheia de curvas, a cena da descoberta acaba tendo caráter involuntariamente cômico.

Voltando ao André, ele tem uma autoestima impressionante.  E uma das suas falas é memorável.  Ele agarra Oscar e a beija.  Não é igual ao mangá, tampouco como no anime, não é uma tentativa de estupro (*salvo se você enquadrar beijo como estupro*), ele não está bêbado, só está muito enciumado e achando Oscar linda. É logo depois do baile que ela dança com Fersen.  Oscar o rejeita e ele diz que não lamenta por si, pelo que fez, lamenta por ela não ser capaz de entender o grande amor que está jogando fora.

O estábulo é o refúgio secreto dos dois.
Enfim, Oscar no filme parece arrastar o peso do mundo.  Precisa ser fiel ao pai e à Monarquia.  E, pior ainda que no anime, ela não tem consciência alguma do que acontece no mundo real.  Ela não sabe das mazelas do povo de Paris, do seu sofrimento.  Como Rosalie (Shelagh McLeod) interage mais com André, do que com Oscar, a protagonista não tem nem a pobre órfã para jogar sua miséria e a do povo na sua cara.  Rosalie, aliás, e eu hoje não usaria o termo vulgar que usei no texto de 2004, está em uma situação tão miserável que seria capaz de se prostituir mesmo.  Ela se oferece à Oscar, que declina, mas, André como uma forma de provocação, se oferece todo faceiro só para fazer com que a protagonista fale com ele e o repreenda.  

De resto, a história é toda fragmentada, Rosalie não sabe que a Duquesa de Polignac (Sue Lloyd) é sua mãe de sangue, como no mangá e no anime, nem nada é dito.  Só sabe que deseja se vingar dela, porque a duquesa atropelou sua mãe com uma carruagem, provocando, assim, sua morte.  Já que falamos de Rosalie, é preciso falar de Jeanne (Anouska Hempel), a grande vilã da série.  No filme, o “Caso do Colar” é muito mal inserido e eu só consigo ter pena do Cardeal Rohan (Gregory Floy), que foi levado a achar que a rainha Maria Antonieta o queria por amante... Enfim, Rohan é sensato e avisa que fazer um julgamento público seria péssimo para a monarquia, mas Luís XVI (Terence Budd) prefere ouvir sua esposa.

A Maria Antonieta mais fútil que eu já vi em tela.
Em relação às minhas impressões originais, mudei de ideia sobre algumas coisas.  Terence Budd é um Luís XVI inexpressivo.  Em nenhum momento se explica a sua personalidade, sua relação (*ou falta de relação*) com a Rainha.  Suas cenas são poucas e desconexas.  Antonieta fala da operação que ele deve fazer para consumar o casamento (*fimose*), mas nada foi tratado sobre as dificuldades do rei antes.  Já Maria Antonieta, bem, Christine Böhm, que é austríaca e interpretou a rainha duas vezes, é muito boa.  E não é vulgar.  Retiro a palavra novamente.  Agora, é o retrato mais injusto de Antonieta que vi em um filme.  Ela é insensível às necessidades do povo, egoísta.  Não parece em nada com a Antonieta de Ikeda, que tinha contradições, mas que era uma personagem simpática boa parte do tempo.  

A Antonieta desse Lady Oscar parece a caricatura da rainha fútil que muitos professores teimam de empurrar nas suas aulas de Revolução Francesa.  Poderia até dizer que são os franceses tentando limpar a barra de seu rei, mas não chegaria a tanto, porque Luís XVI faz quase nada nesse filme.  Já a relação com Fersen – que é um ator sueco – é sem culpa e começa antes do rei consumar seu casamento.  Só que não temos o encontro no baile, Antonieta e Oscar veem o sueco da janela em meio a exercícios militares.  Ambas terminam se apaixonando.

Romance exibido para o mundo inteiro.
No filme, a Rainha tem desejos, Fersen está disponível e ao alcance de sua mão.  Nada do sofrimento, das recusas, dos lamentos do mangá e do anime.  Antonieta se joga e vira alvo de escárnio.  Não é calúnia, ou difamação, é verdade.  E há uma cena lamentável com Antonieta dando escândalo quando Oscar lhe comunica que Fersen foi lutar na Revolução Americana.  É como se a Antonieta dos panfletos difamatórios fosse, de fato, a rainha, sem crítica, sem meio termo.  Já no final do filme, em suas últimas cenas, Fersen, que observa o movimento político, quer que a rainha fuja com ele (*isso não está no mangá, nem é história, por assim dizer*) e ela recusa.  Quem ousaria tocar na rainha?

Agora, uma das coisas mais divertidas do filme é Gerodell (Martin Potter).  Não fica muito claro por qual motivo o pai de Oscar cisma de casá-la com ele, aliás.  Parece que o velho já estava variando e comunica à filha que ela precisa se casar.  Gerodell tem umas ceninhas ao longo do filme inteiro, sempre ou manjando Oscar, ou metido em alguma atividade moralmente condenável (*como querer prostituir Rosalie*).  O sujeito é cheio das más intenções e acaba sendo divertido.  Leva as ofensas de Oscar na esportiva e vê tudo como parte de um jogo sexual excitante.  

Girodelle pervertido é a melhor coisa desse filme.
Para se ter uma ideia, ele propõe transformar André em uma espécie de brinquedo sexual depois do casamento (*André queria arrancar os olhos dele, acredito...*); pergunta se pode chamar o futuro sogro de “papai” e o velho general diz que “sir” é o tratamento que ele espera e que Oscar o trata assim; mais adiante, fica excitado quando Oscar aparece no baile vestida de homem e quer saber se ela gosta das obras do Marquês de Sabe.  Por fim, quando Oscar se revolta (*André tinha saído de casa por conta do tal casamento*) e diz que prefere casar com o cachorro, bem, ele acha que daria um “espetáculo interessante”.  É um Girodell, que só usa luva em uma das mãos e preta, proibido para menores. Não é o Gerodell original, mas é um achado.

Falando no baile, ele se parece com o do mangá.  Oscar chega vestida como homem, flertando com todas as mulheres, beija uma delas (*sim, tem beijo lésbico no filme*) e irrita o pai.  Já Gerodell, é o que eu descrevi acima.  Só faltou a plaquinha do Oscar Club, mas isso não poderia rolar mesmo.  No filme, há nudez, algo que eu tinha deletado da minha mente, talvez, nem seja isso, a versão que assisti pode ter saído da mão da censura italiana.  Como há toda essa narrativa de mulher obrigada a agir contra sua natureza, depois da cena da briga do bar, com Oscar chegando quebrada em casa com a ajuda de André e de Fersen (*a cena é diferente no mangá*), da descoberta do conde, enfim, a moça se olha no espelho e tira a camisa.  André está olhando pela fresta da porta. Achei que ia ficar nisso, só que, mais tarde, voltamos a cena para Oscar e a atriz está desfilando pelo quarto sem camisa.  Assim, foi inesperado, eu diria.

Oscar toca terror no baile de noivado,
mas Girodelle acha tudo muito excitante.
Agora, uma cena que eu realmente detestei, foi quando Oscar enfrenta o pai e eles duelam (!!!).  Como assim?  A cena começa parecida com o mangá e, até certo ponto, com o anime.  Oscar está questionando sua fidelidade ao rei.  O pai ameaça matá-la, bate nela.  Só que Oscar bate de volta e, bem, é algo meio que inimaginável.  Depois, eles terminam duelando e Oscar perde.  André vem em seu salvamento.  De qualquer forma, é o tipo de atitude desrespeitosa que não consigo imaginar Oscar tomando.  Há uma cena do mangá que eu gosto muito, em que Oscar enfrenta o pai.  Ela está lendo os iluministas, o pai a repreende, ela diz que comprou os livros com seu dinheiro e irá continuar sua leitura.  É a partir daí que o pai começa a questionar a forma como a criou.  Mas entre me deixe em paz com meus livros e dar um tapa na cara do pai, há um oceano.

O filme cumpre a Bechdel Rule?  Sem dúvida.  O filme é feminista?  Não.  As mulheres do filme são cheias de defeitos e contradições.  Oscar não é forte como no mangá e nem capaz de enganar que é, como no anime.  Ela é salva por André repetidamente, tutelada por ele e termina aceitando seu lugar, ainda que não saibamos se uma Oscar iria conseguir se ajustar ao ideal de feminilidade exigido.  Antonieta, a segunda personagem mais importante, é a caricatura da futilidade dita feminina.  Só faltou colocarem a coitada falando “se não tem pão, que comam brioches”.  Já uma das mulheres mais importantes da vida de Oscar no mangá, a mãe, é morta por trás das cenas.  Sequer a vemos.  Rosalie, Polignac, Jeanne, pouco impacto tem na história.

Oscar usa um vestido para dançar com Fersen
e André fica para morrer de ciúmes.
No filme, e em 2004 eu não tinha noção, é mais fácil associar, no início, pelo menos, a figura de Oscar a da Rainha Christina da Suécia, fonte de inspiração da mangá-ka.  Ela, também, “enganou” a todos com seu choro forte e foi criada como homem.  Mas a Rainha Christina – e a do filme que resenhei em particular – era muito mais impressionante do que esta Oscar do cinema, que parece sempre na defensiva, ou assustada, e muito  mais parecida, talvez, com a Oscar  original do mangá de Ikeda.  Ah, sim!  Oscar coloca um vestido e vira uma dama perfeita.  É a natureza, vocês sabem!  Esta parte, fora o ciúme excessivo de André, está no anime, mas, não, no mangá.

Falando da caracterização da época.  A gente vê que é um filme caro.  Houve um investimento considerável e as locações foram escolhidas a dedo, inclusive o próprio Palácio de Versalhes.  Só que quando pensamos em figurino e cabelos, o filme fica naquele meio termo entre o mangá e a época.  Enfim, algumas roupas parecem boas, mas, no geral, não há grande fidelidade.  O pessoal do Frock Flicks gongou Lady Oscar.  Claro, eu dou um desconto para a dureza da análise delas, mas, não, para a desatenção de escrever que a maioria das personagens pensava que Oscar era um homem.  O único enganado que realmente faz diferença no filme é Fersen e, mesmo assim, não dura muito.  Enfim, mas elas são especialistas em história da moda, mas não conhecem nada da Rosa de Versalhes.  Agora, eu também fiquei chocada quando o filme fala que estão todos de luto pela morte do Delfim, o filho mais velho de Luís XVI e Antonieta, e ninguém está de preto... 

A noite de amor dos dois é no estábulo.
Terminando, o filme Lady Oscar representou um investimento muito grande da Shiseido e outras empresas japonesas, lançado em 3 de março de 1979, foi rejeitado no Japão, assim como o anime.  As divergências com o mangá, para mim, explicam tudo.  E vejam que A Rosa de Versalhes do Takarazuka foi sucesso desde a primeira adaptação em 1974.  O problema é como a obra é transportada para outras mídias e o respeito à personagem original, no caso a protagonista forte que representava muitas das lutas e desejos das mulheres japonesas de sua geração.  

Agora, o filme foi a primeira adaptação internacional de um mangá.  Recebeu permissão especial do governo francês para filmar em Versalhes.  Foi todo feito com autorização de Riyoko Ikeda, ela chegou a dar palpites na escolha do elenco, ainda que sua escolha para Oscar não tenha sido acatada, e contou com um diretor de renome e música de Michel Legrand. O que deu errado?  Muita coisa mesmo.  Talvez, a incompreensão do que era o mangá, de que se tratava não de uma obra histórica “de verdade”, mas de uma fantasia.  Se o filme fosse feito depois do anime ter sido exibido na Europa, talvez o resultado fosse outro.  Nunca li Ikeda criticando o filme.  Imagino que, ou ela gostou, ou aceitou a culpa de ter ajudado a produzir esta obra.  

A atriz como Maria Antonieta em Waffen für Amerika.
Uma nota final, a atriz que fez Antonieta, Christine Böhm, morreu pouco depois de fazer este filme, em um acidente de carro, com míseros 25 anos.  Nesta foto estava muito mais bonita e com uma aparência mais refinada, se bem que só tenho uma imagem do filme austríaco no qual ela faz Antonieta.


segunda-feira, 26 de março de 2018

Drama CD de mangá de Aoki Kotomi é brinde da revista Cheese


O mangá atual de Aoki Kotomi retrata um triângulo amoroso escolar (*claro*) com três membros do clube de judô.  O nome da série é Niji, Amaete yo。(虹、甘えてよ。)  e está no segundo volume.  Como tudo que Aoki Kotomi faz, a série é um sucesso no seu nicho.  Enfim, nesta edição da Cheese, já temos um Drama CD.  Não sabe o que é isso?  


Um Drama CD é como uma rádio novela, normalmente, contratando dubladores de sucesso. Se, por exemplo, uma série vira animação (*e as de Aoki Kotomi normalmente não são*), nem sempre as mesmas vozes são contratadas.  No caso de Kotomi, é mais comum que suas séries sejam adaptadas para live action.  Enfim, maiores informações sobre o Drama CD estão no Comic Natalie.

Marmalade Boy é capa da revista Cocohana


No dia 27 de abril estréia o filme live action de Marmalade Boy (ママレード・ボーイ).  O mangá original foi publicado na revista Ribon, mas a autora,  Wataru Yoshizumi, publica na revista Cocohana.  Por conta disso, a promoção de lançamento do filme acontecerá principalmente nessa revista. Por conta disso, o Comic Natalie noticiou que a última edição da Cocohana veio com um brinde, o Marmalade Boy SPECIAL FILM FAN BOOK.  


Aqui, no Brasil, Marmalade Boy foi publicado pela Panini.  No Japão, está em publicação uma continuação da série chamada Marmalade Boy little (ママレード・ボーイ little).  A página do filme é esta aqui.

domingo, 25 de março de 2018

Primeiro trailer do filme de Natsume Yuujinchou


Natsume Yuujinchou (夏目友人帳) terá um filme estreando nos cinemas japoneses no dia 23 de setembro. Segundo informação do ANN, Yuki Midorikawa supervisionou o roteiro, mas trata-se de uma história original sob a supervisão da autora. Os ingressos entram em pré-venda em 31 de março e o nome do filme é Natsume Yuujin-Chou: Utsusemi ni Musubu (劇場版 夏目友人帳 ~うつせみに結ぶ~).

sábado, 24 de março de 2018

Mais um gaiden de Kaichou Wa Maid-sama


Kaichou wa Maid-sama (会長はメイド様!) foi publicado na revista LaLa entre 2005 e 2013. Teve anime e foi um grande sucesso. Enfim, a autora, Hiro Fujiwara, decidiu lançar outro capítulo extra da série, segundo o Manga Mag.  O capítulo novo sairá na própria LaLa,  terá 47 páginas, é será lançado em 24 de abril. Aqui, no Brasil, a série foi lançada pela Panini.  Não acredito que qualquer Garden da série saiam por aqui.

Confiscaram o arco-íris, para as meninas só rosa ou lilás


Júlia agorinha "Tem meninas na minha escola que dizem que rosa, roxo, lilás, violeta são as cores das meninas e o resto é tudo cor dos meninos.".  Obviamente, ela estava contando algo com o qual não concorda. Eu pontuei que meninos e meninas tem direito ao arco-íris.  Ela completou que meninos podem gostarmos Rosa e que até a cor de barro é bonita.

E, bem, estou muito feliz que ela pense assim. A cor favorita dela é amarelo. Ela sabe que a minha é azul, assim como a do pai. E se levarmos em consideração o que o historiador  Michel Pastoureau, que não é feminista, nem trabalha com gênero, escreve azul é a cor favorita da maioria das pessoas quando se faz uma entrevista sobre o assunto.


Está disponível para download basta
 clicar no link que coloquei
 no parágrafo seguinte. A meu ver, isso 

aqui é a verdadeira ideologia de gênero.
 Tire suas conclusões .
Por isso mesmo que a cartilhinha contra a ideologia de gênero, essa fantasia que vem ganahndomcasa vez mais espaço nos meios religiosos, que a Convenção Batista Brasileira teve o péssimo gosto e falta de bom senso de bancar não chegará nas mãos da minha filha até que tenha idade para destruir cada afirmativa absurda da Marisa Lobo, psicóloga que vive envolvida em controvérsias seu órgão de classe, com evidências.  Eu sou batista, sou membro de uma das igrejas da CBB e lamento muito mesmo que esse tipo de material esteja sendo lançado pela convenção. Triste, mas isso não obriga ninguém a consumir, ou aceitar.

No mais, Júlia precisa ter idade, também, para ser capaz de perceber o lixo daquela arte. Aliás, povo nem sabe fazer propaganda ideológica. Eu, criança,  ficava babando na arte dos folhetinhos e livros dos Testemunhas de Jeová, porque as imagens era lindas. Hoje, eu pegaria alguém que tivesse arte de mangá. Mas acho que faltou dinheiro, ou visão estratégica. Aleluia por isso!