Esse foi o único dos indicados ao Oscar que assisti em casa até agora e, não, no cinema. Não consegui ir ao cinema na época em foi exibido. Até gostaria de ter assistido sem interrupções, na sala com a tela grande, talvez isso tivesse feito alguma diferença na minha percepção. Enfim, achei um filme muito bem executado, com boas cenas, boas atuações, mas, ao mesmo tempo, odiei boa parte do filme... Tomei tal antipatia que está complicado escrever esse texto. Assim como parei o filme várias vezes, estou interrompendo a escrita desta resenha... Mas, OK, não vou adiantar a minha indignação, deixa eu resumir a historinha do filme:
Minhas Mães e Meu Pai (
The Kids are All Right) conta a história de um casal de lésbicas, Nic (Annette Bening) e Jules (Julianne Moore). A primeira é médica e sustenta a casa, a segunda tem uma veia mais artística e leva uma vida de dona de casa com empregos temporários ou empreitadas que não vão muito adiante. Nic e Jules tiveram dois filhos, Joni (Mia Wasikowska) e Laser (Josh Hutcherson), graças a um banco de esperma. Nic é uma mãe rigorosa, enquanto Jules tem um papel mais acolhedor, tentando apagar os incêndios. Laser deseja muito conhecer seu pai biológico e, quando a irmã faz 18 anos, a convence a ligar para o banco de esperma e saber a identidade do homem que fez a doação. É o que consta no contrato. Sem que suas mães saibam, os dois adolescentes descobrem serem filhos de Paul (Mark Ruffalo). Há um primeiro estranhamento, especialmente por parte de Laser, mas mesmo depois que as mães ficam sabendo, o relacionamento entre o pai biológico e os adolescentes é positivo, para angustia e ciúme de Nic. O problema começa quando Jules se aproxima de Paul, e a estrutura da família é posta em risco.
Não sei quem colocou na cabeça e em muitos outros lugares que Minhas Mães e Meu Pai é uma comédia. O filme é um drama, eu não consegui mais que articular um ou dois sorrisos durante todo o filme. Mas Minhas Mães e Meu Pai fala de um monte de coisas interessantes e importantes. Eu realmente entendo a curiosidade dos irmãos em saber quem foi o doador, seu pai biológico. Acredito que isso tenha muito menos a ver com a falta de uma figura paterna/masculina e mais com a necessidade de conhecer suas origens. Mia Wasikowska, que conheci em Alice, me convenceu plenamente como atriz e mal posso esperar para vê-la como Jane Eyre. Ela está muito bem, como a garota inteligente e insegura, que primeiro nem queria saber do pai biológico, mas depois passa a gostar muito mais dele que o irmão. O menino, também, começou como uma figurinha bem antipática e descerebrada e, ao longo do filme, acabou se mostrando um adolescente muito convincente, com dúvidas, ansiedades, mas, e isso é importante, caráter. A maturidade do garoto fica evidente quando ele se recusa a maltratar um animal para agradar ao amigo looser e quando ajuda as mães a fazerem as pazes.
Voltando ao caso da doação de esperma. Eu pessoalmente – e parte da minha antipatia com o filme possa vir daí, por favor tenham isso em mente – acho essa mercantilização de células reprodutivas e de barrigas de aluguel algo degradante. Outra coisa que me desagrada muito é que alguém, deliberadamente, opte por uma produção independente que prive uma criança de ter um pai ou uma mãe. Se alguém me perguntar qual a saída para essa sinuca, bem, há a adoção, ou a doação de óvulo ou esperma por parte de um amigo/a ou parente, criando uma unidade familiar mais complexa, porém mais justa para com a criança. E nem estou falando de responsabilidades parentais, mas da criança saber quem é seu pai ou mãe biológica. E que ninguém pense que estou estigmatizando pais e mães solteiras ou viúvos que criam seu filho ou filha sozinhos, ou defendendo a “família de propaganda de margarina” (*pai, mãe, filho, filha e cachorro*), o que estou dizendo é que isso deveria ser excepcional, não uma escolha. Toda a confusão na cabeça de Joni e Laser começa por conta disso, e poderia ser evitada. Mas eis que um dos defeitos de Minhas Mães e Meu Pai também é não questionar a questão da maternidade compulsória. Aliás, nem se discute nada a respeito.
Outro mau sinal para mim, é que simpatizei mais com Paul do que com Nic ou Jules. Ele é o sujeito bon vivant, garanhão e tudo mais, só que doou esperma aos 19 anos – se bem me lembro – e, 18 anos depois, fica sabendo que tem dois filhos, que são garotos legais e começa a perceber que deseja ter uma família somente sua, quer ter seus filhos. Só que, segundo a lógica da mercantilização das células reprodutivas, aquela menina inteligente e linda e aquele garoto sensível não são seus filhos, ele não tem o direito de se sentir pai. Mas o sujeito decide se reformar, até rejeita a antiga ficante (*uma atriz lindíssima*), só que acaba se envolvendo com Jules e aí está a origem de toda a desgraça. Aliás, desde antes do problema, a mãe que tinha mais ciúme e problemas com a presença de Paul era Nic. E fica fácil entender pela lógica do filme, afinal, ela pode ser "o homem da casa", mas ele tem pênis e ela não tem.
Agora vamos ao problema. Parte da
comunidade lésbica americana rejeitou o filme e eu como feminista, ainda que não seja lésbica, compreendo bem o motivo. Em termos representacionais é muito legal ter duas atrizes de meia idade, com todas as rugas e tudo mais nos lugares certos, fazendo um casal de lésbicas que constituiu uma família e é feliz. Só que a parte positiva em termos de visibilidade lésbica para mim termina aí. Meu mal estar já começou com a mesa de jantar. Logo no início do filme temos uma mesa retangular, crianças e esposa sentadas aguardando o provedor chegar. E o lugar vazio é a cabeceira. Se eu me irrito com essa mesa patriarcal em novela da Globo, por que não me irritaria com ela em um filme? E, pior, normalmente em filmes americanos e ingleses, cada um dos cônjuges senta em uma cabeceira, mas, nessa família lesbiana ideal, alguém manda, alguém sustenta, alguém precisa estar na cabeceira. OK, para vocês? E não pensem que eu estou exagerando, porque mais adiante Jules reclama que Nic prejudicou sua carreira e fez de tudo para que ela ocupasse um lugar de dona de casa e mãe. Quer família mais tradicional que essa? Eu que cresci com pai e mãe heterossexuais, religiosos, e pobres tive referencial muito melhor de família e papéis de gênero.
Para piorar, Jules e Nic se preocupam muito com Laser. O garoto anda com um looser, o que não é bom para o seu futuro. Afinal, o que ele tem para oferecer? Você investe em quem pode te dar algo em troca, não é? Pois bem, os dois são feito unha e carne e as mães desconfiam que o garoto é gay. A gente vê todo o esforço de pais e mães GBLT para mostrar que orientação sexual nada tem a ver com criação e convivência e um filme como esse mostra duas mães, mais Jules que Nic, se preocupando com a orientação sexual do filho. No caso de Jules até desejando mesmo
“Se você fosse gay, seria mais sensível”. Mas elas podem ficar tranqüilas, afinal, ele só estava usando drogas... Mas isso, elas não percebem. Em contrapartida, ninguém se preocupa com a filha, que é apresentada como uma menina insegura e reprimida sexualmente. Não que ela não vá jogar na cara das mães que quer que a deixem em paz, afinal, ela já fez tudo – melhor da turma, menina exemplar – para que todos achassem que elas tinham a família lésbica ideal. Muito triste.
E chegamos ao ponto chave, apesar de lésbicas, Jules e Nic são ávidas consumidoras de filmes gays masculinos. Quando o filho, Laser, descobre isso (*e um dildo, também*), ele pergunta para as duas, para o desconcerto de Nic que é em todos os aspectos “o homem da casa”, qual o motivo disso. Daí, temos a explicação que lésbicas em filmes pornográficos não são lésbicas, mas mulheres heterossexuais pagas para fingir, já que o objetivo são os homens hetero. OK, para vocês? As duas atrizes de Minhas Mães e Meu Pai são também heterossexuais pagas para mentir. Acho que essa era uma das piadas do filme... Mas a cereja do bolo está por vir, já que Jules acrescenta que filmes com homens são melhores, porque o desejo fica evidente, afinal, eles têm pênis. Trocando em miúdos, toda lésbica, ou pelo menos Jules, deseja mesmo é um pênis, é ser possuída por um homem. E o relacionamento com Paul aponta para isso. Estranhamente, em um filme sobre um casal e lésbicas, as cenas de sexo são todas heterossexuais, ou entre dois homens na TV. As duas mães trocam selinhos e afagos, mas não passa disso.
Curiosamente, a diretora e roteirista Lisa Cholodenko, que não recebeu indicação por direção, é lésbica e mãe. Isso não a tornou mais sensível em relação ao que representou no filme. Para ela está tudo certo e no devido lugar. E não pensem que estou dizendo que mulheres bissexuais, porque Jules, para mim, não é lésbica
, não podem desejar homens, trair suas parceiras com homens. Só que a sexualidade é algo muito fluído e posso estar sendo radical. Poderia até começar a discutir isso, que as pessoas não são hetero ou homo, elas simplesmente estão hetero ou homo, afinal, é nisos que eu mesma acredito, mas acho que não vem ao caso. A pergunta para mim é por que colocar uma lésbica traindo a companheira com um homem ou babano diante da visão de um pênis ereto como Jules fez? Por que dar visibilidade exatamente a esse tipo de família lésbica tão patriarcal? Quantos filmes com casais lésbicos você já assistiu? Quantos deles ganharam a projeção de Minhas Mães e Meu Pai? Será que não foi porque ele confirma a fantasia de que lésbicas são mulheres confusas que no fim das contas precisam é de um homem? Por que escolher exatamente esse tipo de família lésbica para dar visibilidade? Por que Jules não traiu Nic com uma mulher? Por quê? Por que Nic reprime tanto os filhos? Por que Jules quase atormenta o filho por ele não ser gay? Por que o relacionamento de Jules e Nic é tão desigual? Por que Jules age tão mal com Nic, com Paul, com as crianças? Aliás, Jules age mal com todo mundo, até com o jardineiro latino que ela humilha e despede sem grande motivo. E, definitivamente,
"The kids are not all right". Não nesse filme... Talvez, os conservadores tenham razão, não é?
Eu esperava muito mais de Minhas Mães e Meu Pai. Mas, como alguém disse muito tempo atrás, quando um filme “alternativo” é indicado ao Oscar é porque ele já não é tão subversivo assim, é porque ele foi domesticado ou cooptado. Eu vejo Minhas Mães e Meu Pai quase como um filme anti-gay... Quase mesmo. De qualquer forma, é reacionário e eu não desejo vê-lo vencendo na categoria melhor filme. Não é um
Guerra ao Terror (*um filme fraco, a-crítico*), que fique muito claro, é um filme sólido com ótimas interpretações, mas me parece produto desse momento reacionário que vivemos. Aliás, não desejo vê-lo vencendo em nada, porque ainda que Anette Benning esteja muito bem, com uma interpretação bem convincente e carregada de emoção, pois sua personagem não é simpática no início, mas, com a traição, ganha a empatia do público, ou, pelo menos, ganhou a minha,
Natalie Portman ofereceu um espetáculo muito superior. Ela merece muito mais o Oscar. De positivo do filme ficam as interpretações, a humanidade das personagens, todas com defeitos e qualidades, e o desempenho dos adolescentes, especialmente de Mia Wasikowska. De resto, Minhas Mães e Meu Pai é um filme nada feminista e que pouco contribui para a causa gay. Mas, como não poderia deixar de ser, cumpre toda a Bechdel Rule,