
Definitivamente, a melhor coisa que assisti em 2011, foi a série The Borgias. Dado o envolvimento na produção de gente ligada a bem sucedida The Tudors, eu fiquei com meus dois pés atrás (*Odeio The Tudors com todas as minhas forças, mas isso seria assunto para outro post*), só que tinha o Jeremy Irons, as fotos divulgadas pela produção me pareciam excelentes, o figurino, e os cabelos das mulheres, especialmente, estavam bem fiéis aos quadros da Renascença e eu não resisti. Baixei o primeiro/segundo capítulo – The Poisoned Challice & The Assassin – e me apaixonei. Comentei avidamente os episódios no Twitter, consegui atrair algumas pessoas para o seriado (*Não é, Kotsuki?*), mas fui empurrando com a barriga uma resenha da série. Minha intenção inicial era comentar por blocos de episódios, mas perdi o pique. Agora, antes que o ano termine, é preciso resolver o problema.
A série The Borgias – que terá 2ª temporada em 2012 – acompanha a trajetória de Rodrigo Borgia (Jeremy Irons) a partir da sua eleição como papa Alexandre VI (1492-1503) e sua luta para consolidar o seu poder e expandir a influência e riqueza de seu clã. Assim, temos um belo painel das intrigas políticas dentro do Vaticano e fora dele, envolvendo, especialmente o Reino de Nápoles, os diversos principados e cidades italianas, e a França. Acredito que um dos pontos importantes de uma 2ª e (*E tomara que não!*) uma 3ª temporada, o esforço para que a Itália se tornasse uma nação unificada. Como co-protagonistas da série temos Cesare Borgia (François Arnaud), Lucrezia Borgia (Holliday Grainger), Giulia Farnese (Lotte Verbeek) e o Cardeal Giuliano Della Rovere (Colm Feore) – futuro Papa Júlio II – e grande adversário de Rodrigo Borgia.
Sobre os Borgia, família aragonesa que elegeu dois papas (*três, se contarmos com o papa Inocêncio X*), circulam muitas histórias, e há toda uma “lenda negra” em torno deles pintando-os como uma família criminosa – e isso está inclusive no subtítulo da série. No entanto, boa parte das histórias sobre os Borgia – assassinato, incesto, roubo, etc. – foram contadas ou aumentadas por seus adversários. Por exemplo, Júlio II não tem melhor fama que Alexandre VI, mas ele era italiano e os Borgia eram estrangeiros, chamados de “mouros” e “marranos”, fora, claro, que os escândalos sexuais que tanto interesse despertam em muita gente são particularmente destacados quando se fala de Alexandre VI e seus filhos. Curiosamente, das amantes e filhos de Júlio II (Cardeal Della Rovere), pouco se fala, até agora, na série, nada sobre isso foi colocado. Mesmo nos livros de história, quando se fala de Júlio II – Cardeal Della Rovere na série – a ênfase fica na sua megalomania (*Pense Capela Sistina e no filme Agonia e Êxtase*) e no seu ímpeto guerreiro (*ele é o papa que passa em cavalo de batalha e armadura prateada no filme Lutero*).
Sobre os Borgia, de concreto, temos que eles eram capazes de tudo pelo poder, entendido como poder do clã, daí a analogia com uma família mafiosa. Boa parte das casas italianas que disputavam o poder na época – Sforza, Medici, Orsini, Piccolomini, etc. – recorriam ao mesmo expediente. Rodrigo Borgia teve que abrir caminho usando de seu talento político e diplomático (*negociou o Tratado de Tordesilhas, por exemplo*) e, quando o momento chegou, recorreu ao método tradicional para chegar ao poder, a simonia (*tráfico e venda de bens e cargos eclasiásticos*). Rodrigo também é conhecido pelas suas muitas amantes, duas delas estão na série: Vanozza Cattaneo, mãe de Cesare, Juan, Lucrezia e Joffre, e a hábil Giulia Farnese. Não acho que coloquem mais alguma, ou outros filhos que o papa teve, mas The Borgias me convenceu que Jeremy Irons é o vovô mais sexy do pedaço. Enfim, voltando ao que importa, sabemos, também, que Cesare nunca quis ser clérigo, que foi o único cardeal na História da Igreja a abandonar o cargo, e que serviu de modelo para O Príncipe de Maquiavel, ou seja, alguém capaz de tudo pelo poder. De Lucrezia sabemos que foi joguete político nas alianças de sua família e que era uma dama típica do Renascimento, isto é, tinha recebido uma educação refinada. Fez sua defesa quando do processo de anulação de seu casamento com Sforza falando por si mesma e em latim perfeito. Felizmente, até o momento, a série The Borgias não comprou a Lenda Negra, e isso contribui para parte da qualidade da série e o meu interesse.
Quando comecei a assistir a série, imaginei que o protagonista fosse Cesare e, não, o papa. Afinal, ele é uma personagem badaladíssima – inclusive falei dos shoujo mangá que o tem como personagem – e o François Arnaud é um excelente ator, além de ser muito bonito. Me enganei, Cesare divide o estrelato com o pai, Alexandre VI, e Lucrezia. Agora, se observarmos os 9 capítulos, é possível perceber o quanto a personagem, Cesare, foi alterada. No começo, sua frustração por não poder ser soldado, a busca pelos prazeres sensuais (*sua primeira cena é na cama com uma mulher*) como compensação, sua subordinação forçada às estratégias do pai e, sim, sua paixão mal disfarçada pela irmã, são as marcas da personagem. A frustração dele é tão pesada, que não é possível não senti-la ao assistir os episódios. Outra coisa legal, é a forma como ele é apresentado como excelente estrategista, gênio militar, sujeito capaz de tudo, apesar dos seus míseros 17 anos no início da série.
Há, também, o destaque para a forma como ele estabelece uma parceria com o assassino Michelotto (Sean Harris), na verdade, o assassino é uma espécie de tutor de Cesare na sua arte, além de fiel ao Borgia em todas as coisas. Os dois são capazes de tudo e, bem, muita gente roda (*morre*) no início da série, seja por veneno (cantarella), degolado, ou por qualquer outro método eficaz. Cesare é uma personagem fascinante, porque, mesmo sendo um criminoso, ele é ao mesmo tempo sedutor, simpático, amoroso com os seus, se derramando todo por Lucrezia e a mãe. Nunca pensei que torceria tanto por um incesto (*algo que normalmente me desagrada*), pois os dois pareciam tão apaixonados e eram um casal tão bonito, fora o desespero dele no casamento da irmã... mas, a coisa não rolou e nem acho que vá rolar... O reencontro dos dois, depois da fuga, foi muito bonito. Veja a cena abaixo: A partir do capítulo do primeiro e infeliz casamento de Lucrezia (Episódio 4: Lucrezia's Wedding), a personalidade começa a mudar um pouco, ou entrar em uma fase fluffy. Bem, esse é o termo que eu usei... Ele cai de amores por uma mulher casada, Ursula Bornadeo (Ruta Gedmintas), que em nada lembra a angelical Lucrezia e fica meio que se arrastando atrás dela. Isso não estraga os episódios, claro, nem a personagem, mas preferia o Cesare dos primeiros episódios. De quebra temos uma participação especial de Nicholas Rowe – o jovem Sherlock Holmes do filme O enigma da Pirâmide – que, só para não variar em relação às últimas coisas que vi com ele, aparece para morrer. Só de xingar a mãe de Cesare de prostituta no casamento de Lucrezia (*Cesare desafia o pai e leva a mãe à festa de casamento*), já sabia que ele iria rodar, mas o sujeito ainda é o marido da tal Ursula... Então, sua vida já ia nos descontos. Dessa fase do Cesare com a tal Ursula o destaque é a seqüência em que ele pede Michelotto para colocá-lo em forma, pois a vida de cardeal o deixou mole... De resto, ele teve ótimas cenas com o pai e com Lucrezia, mas esse romancezinho foi um desperdício, sabe?
Falando de Lucrezia, Holliday Grainger realmente fez uma adolescente bem crível e acredito que vá convencer também como mulher adulta. A sua Lucrezia é uma espécie de diabrete – meio anjo, meio fada, meio demônio, meio criança – no início da série. Tão linda que parece flutuar e atormentar docemente o irmão Cesare. O figurino espetacular só a valorizou, assim como fez com Giulia Farnese. Na verdade, Lucrezia é lindíssima, assim como descrita nas fontes de época. Eu gosto muito da personagem e, no seu caso, a mudança, a melancolia, fez todo sentido. Afinal, poucas vezes eu vi um caso de violência conjugal tão bem colocado como a noite de núpcias e outras noites de Lucrezia com o primeiro marido, Giovanni Sforza (Ronan Vibert).
O marido nobre a desprezava por ser uma Borgia, a julgava uma mulher vulgar, sexualmente experiente, e, claro, muito abaixo daquilo que um Sforza merecia. Pobre Lucrezia! Como a história não está sendo respeitada direitinho, torci até para que o Cesare fatiasse aquele sujeito ou o torturasse um pouco antes da dissolução do c asamento. Enfim, se a frustração do Cesare é palpável, material, pesada, nos primeiros capítulos, o terror de Lucrezia é tremendamente visível nos capítulos que se seguiram ao seu casamento. Daí, a humilhação de Sforza até foi pouco. E o idílio dela com o cavalariço foi um momento doce e de cura para alguém que ainda vai sofrer muito... A série tornou Lucrezia um ano mais velha (*se bem que contagem de idade na época é algo co plicado*) e usaram de um recurso que eu não gosto, que é envelhecer (*e enfeiar*) um sujeito para torná-lo mais detestável, caso de Giovanni Sforza. Ele já seria detestável de qualquer maneira, pela forma como agiu com a menina. Nem precisavam forçar a barra. Sforza era cerca de 14 anos mais velho que Lucrezia, que se casou com 13 anos.
Independente dessas duas jovens estrelas, quem brilha mesmo, pelo menos para mim, é Jeremy Irons. Todas as suas cenas são uma preciosidade, suas caras e bocas, sua certeza de que faz a vontade de Deus... e que a vontade de Deus é que seus interesses de família prevaleçam são uma delícia de ver. Adoro quando ele faz aquela cara de tédio sentado no trono papal! Quando vai até o especialista em Direito Canônico e usa os precedentes a seu favor, ou quando se finge de amoroso, como no caso da acolhida aos judeus expulsos da Espanha, só para lucrar no final, cada pequena cena é um espetáculo. As suas armações políticas com Cesare, especialmente, são ótimas, ou quando ele engana os cardeais ou suplanta seus adversários. Da mesma maneira que o jogo de sedução entre ele e Giulia Farnese faz a temperatura subir vários graus. Farnese e sua estratégia de sedução, depois a aula de geopolítica... Enfim, Jeremy Irons está espetacular. Até a sua penitência sincera e insincera ao mesmo tempo para derrubar o rei da França só deram mais brilho para a personagem. Enfim, queria muito que ele levasse o Globo de Ouro. Muito, muito mesmo, porque ele merece! Assim, eu já sabia que o Jeremy Irons era um ator brilhante, mas em The Borgias ele reina absoluto.
Outros destaques seriam Michelotto, o assassino fiel de Cesare. O ator consegue passar várias emoções, mantendo quase sempre uma face neutra. Ele é esquivo, ele é preciso, é inteligente. E, acima de tudo, fiel. Giulia Farnese é a personagem feminina mais madura e capaz de tudo. Afinal, ela seduz um papa e em grande estilo! Achei forçado o resgate solitário que ela fez de Lucrezia, mas a tanta coisa maluca que efetivamente aconteceu que, sei lá... Colm Feore, o Giuliano Della Rovere, é fantástico. Antes de saber que ele era Júlio II, achei que ele iria rodar bem rapidinho, agora sei que ele sobrevive aos Borgia... E ele é mau, não se enganem! Joanne Whalley, construiu uma Vanozza de Cattanei bem melancólica, alguém que se vê trocada por uma mulher mais jovem, mais nobre e, sim, bem mais inteligente. Eu tive pena dela no capítulo do casamento de Lucrezia, mas, aí, Cesare apareceu para ajudar a mãe... E tem o rei da França... :) Michel Muller deu um tom bem peculiar a Carlos VIII. É outra raposa, ciente da sua feiúra, ele tem umas tiradas ótimas. É outro que deve dar muito trabalho para a família Borgia.
Assim, eu não consigo gostar de Juan em nenhuma adaptação da vida dos Borgia. A personagem, aliás, precisa ser desagradável, ou assim parece... Ele é o único erro de Alexandre VI, porque burrinho e orgulhoso do jeito que é, só atrapalha os negócios da família. Ele é um fiasco como Gonfaloniere della Chiesa, basta ver o enfrentamento dele com o Rei da França. Muita gente achoou graça quando ele, um filho que nem poderia ter nascido, já que religiosos não podiam sair por aí casando e procriando, se recusa a casar com a tal Sancha, porque ela é uma filha bastarda... Ele quer casar com uma princesa! Outra de suas grandes seqüências é quando ele tenta matar o turco (*fofinho*) Djem e erra na dose de cantarella. Cesare lhe dá uma dura e o obriga a terminar o que começou... Na verdade, passei a primeira temporada torcendo para que ele morresse... Pelo jeito, ainda terei que aturar essa mala sem alça na segunda temporada. Cesare só será livre para soltar seu gênio militar (*e seus demônios*), depois da morte do irmão. Sancha de Napóles, que casa com Joffre, é outra unanimidade. Ela é a voluptuosa, sexualmente experiente e cheia de más intenções em qualquer adaptação. Juntou com o Juan e protagonizou umas cenas de sexo bem violentas (*como não gosto dos dois, não fede nem cheira para mim*). A maioria do pessoal que escreve sobre os Borgia, historiadores e biógrafos, diz que ela foi amante de Juan e de Cesare... Sinceramente? Não queria o Cesare de assanhamento com aquela periguete renascentista, não.
Algumas coisas não em agradaram mesmo na série. Uma, o Joffre parece que vai ficar garotinho por mais tempo que deveria. Ele é só um ano e pouco mais novo que Lucrezia, anos se passaram e o garoto ou precisa parecer mais velho, ou precisa ser trocado por outro ator. A família real de Nápoles foi pintada como degenerada. O Alfonso, irmão da Sancha, é um doente completo. Isso é ruim, porque ele é o segundo marido de Lucrezia. O marido que a amou e que talvez foi amado por ela. Em todas as adaptações, ele é um cara legal, vide Os Borgia espanhol de 2006. O Alfonso de The Borgias é repulsivo. Duvido que quando ele rodar – e esse é quase certeza que foi morto pelo Cesare e/ou o Michelotto – ninguém vai sentir pena. Queria que respeitassem a história aqui. Eu gosto do Alfonso nas adaptações. Outra coisa que ficou fraquinha, se bem que o objetivo era ressaltar a doçura de Lucrezia, o ciúme de Cesare e a vilania dos Borgia, imagino, foi colocarem o turco Djem parecendo uma personagem fugida de um desenho da Disney. Uma resenha que li o comparou com o Alladin. :)
Enfim, The Borgias foi um grande presente para mim. O figurino – o grande trunfo, primeira vez em muito tempo que vejo os cabelos das mulheres corretamente arrumados – e a reconstituição de época são de encher os olhos. O elenco é muito competente. A “lenda negra” não foi comprada para que a série se tornasse uma baixaria. E, bem, a produção não reduziu o elenco para tornar a coisa “didática” como em The Tudors. Ah, sim! E a cena final, como um quadro de família, foi dez. Diferente de outras famílias "mafiosas", como os Plantagenetas de O Leão no Inverno, os Borgia se amam... Deve ser o sangue latino... ^____^ Eu torço para que tenhamos somente mais uma temporada. Esticar a coisa, com certeza, vai fazer com que a qualidade caia. Imagino, no entanto, que tenhamos três temporadas com Jeremy Irons morrendo no fim da segunda temporada ou no início da terceira e a última parta com Cesare tentando unificar a Itália. Bem, se você gosta de séries de época corra e baixe The Borgias. Duvido que não vá adorar! Ah, sim! E se quiserem ver o início da carreira de Rodrigo Borgia, assista o filme O Conclave.