sexta-feira, 30 de julho de 2021

Coreana ganha três medalhas para o seu país, mas é ostracizada por usar cabelo curto

Escrevo pouco sobre Coreia do Sul, porque efetivamente não quero ter que mergulhar em uma outra cultura, sociedade e por aí vai, se bem que estou querendo comentar uns quadrinhos coreanos, mas, enfim, sigamos.  Mesmo não tendo tantas informações especificas sobre a Coreia do Sul, posso afirmar sem risco de errar que o machismo atravessa as diferentes culturas, é comum a todas as sociedades patriarcais e perpetua as desigualdades de gênero, o post é sobre isso.  Pois bem, An San foi a primeira atleta de seu país a ganhar três medalhas de ouro em uma Olimpíada, seu esporte é o arco e flecha, mas o que mais se fala em seu país é do seu cabelo curto, grupos misóginos articulados a acusam de ser anti-homem, ou até um homem e que deveria devolver suas medalhas. E, o pior, esse tipo de ação articulada parece ser algo comum e, não, uma triste exceção.

Vamos lá, ainda durante a competição, os detratores estavam fazendo escândalo em seu país.  A jovem atleta de 20 anos e seu técnico disseram aos repórteres que só responderiam questões relativas aos jogos.  Dentro da Coreia, houve apoio à An San e estão cobrando a federação do esporte que se posicione de forma clara a favor dela.  Sim, a fonte de tudo é o corte de cabelo curto da moça.  E, não, isso não é cultural, é uma expressão do crescimento da misoginia e de como a internet consegue criar grupos de pressão contra minorias e, se encontra terreno fértil, caso que parece ser o da Coreia do Sul, as coisas podem escalar para situações absurdas e humilhantes para as mulheres.


Encontrei uma matéria de hoje no New York Times falando do crescimento desses grupos misóginos anti-feministas na Coreia do Sul e de como eles tornaram a vida de uma publicitária, casada, mãe, não envolvida com qualquer movimento feminista, e que trabalha para a gigante GS25, um inferno.  Ela fez uma campanha sobre acampamento ao ar livre e que mostrava uma salsicha, o aparente produto, com uma mão com os dedos em pinça.  Grupos misóginos identificaram o sinal e a propaganda como um todo um deboche com os homens.  Os dedos em pinça indicando um órgão sexual pequeno.  Sim.  Ameaçaram boicote por isso.  A funcionária veio à público se desculpar, mas não foi suficiente, a empresa a puniu e fez desculpas formais.  Segundo o NYT, esse tipo de ação coordenada contra qualquer coisa que ofenda a frágil masculinidade dos homens vem se tornando comum e os recuos, também, inclusive do governo. Agora, vou citar um trecho da matéria do NYT.  Posso traduzir tudo, se vocês quiserem.

"A Coreia do Sul pode ser considerada internacionalmente como uma potência econômica, tecnológica e cultural, mas essa reputação esconde o pouco poder que confere às mulheres. A disparidade salarial por gênero é a mais ampla entre as economias mais avançadas, com 35%, e o recrutamentos de empregos sexistas são abundantes. Mais de 65% das empresas listadas na Bolsa de Valores da Coréia não têm mulheres executivas. E o país é consistentemente classificado pelo The Economist como tendo o pior ambiente para mulheres trabalhadoras entre os países da OCDE.

As mulheres reagiram, montando o que poderia ser considerado o movimento MeToo de maior sucesso da Ásia. Mas o acerto de contas colocou a sociedade em um estado de alta tensão: a Coreia do Sul ficou em primeiro lugar entre os 28 países pesquisados ​​pela Ipsos este ano em conflitos entre os sexos.

Agora, na corrida para a eleição presidencial de março de 2022, o partido conservador de oposição do país parece estar planejando um renascimento explorando essa divisão. No mês passado, Lee Jun-seok, um cruzado pelos direitos dos homens que amplificou a acusação de ódio aos homens contra o GS25, foi eleito líder do Partido Poder do Povo, de direita. Argumentando que os jovens de hoje são alvos de "discriminação reversa", espera-se que Lee exerça uma influência considerável no partido e angarie um grande apoio para seu candidato. (O Sr. Lee tem 36 anos; os candidatos devem ter pelo menos 40.)

O Sr. Lee explorou um poço profundo de ressentimento entre os jovens que dizem ser vítimas do zeitgeist. Sua afirmação característica é que a disparidade de gênero é exagerada e as mulheres recebem tratamento especial demais. Ele fez pouco caso das mulheres jovens que protestaram contra a discriminação acusando-as de terem uma "mentalidade de vítima infundada" e quer abolir o ministério da igualdade de gênero. O clima político tóxico que ele criou pode colocar em risco muitas políticas favoráveis ​​às mulheres, como a contratação de mais mulheres para cargos de chefia e o combate à violência de gênero, independentemente de o atual Partido Democrático do presidente Moon Jae-in ser destronado.  Mas Lee tem motivos para estar confiante: na eleição para prefeito de Seul, em abril, cerca de 70% dos homens na casa dos 20 anos ou menos votaram no candidato conservador - quase o mesmo que os votos conservadores de homens com 60 anos ou mais.

À medida que a resistência contra as mulheres se intensifica, a excitação sentida pelas feministas millennials que impulsionam o movimento recente foi substituída por medo e desespero. Mulheres me disseram que se sentem sufocadas, ansiosas para não enfurecer as massas online. Outra designer comercial, em uma tentativa tragicômica de evitar o gesto de pinça com os dedos, me disse que estava pensando em usar pauzinhos para apontar para produtos. Uma escritora freelance disse que removeu todos os trabalhos relacionados ao feminismo de seu portfólio.  Embora muitas das mulheres com quem conversei se sintam sitiadas e isoladas, elas estão determinadas a seguir em frente."

Torço para que esse retrocesso consiga ser segurado de alguma forma, porque, ao que parece, a situação parece ser muito ruim, até pelo nível de agressões que as mulheres vem sofrendo, caso da campeã do arco.  É isso. Essas Olimpíadas têm oferecido suas doses de machismo, racismo, homofobia e outras coisas tenebrosas, mas esse caso me parece o mais insano e é mais uma demonstração de que a misoginia é algo tão profundo que os feitos das mulheres, mesmo que revertendo para o progresso do país, da economia, o que seja, pouco importam, porque o ideal é que elas permaneçam em silêncio e submissão.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Rebeca Andrade é prata na Ginástica!!!!! E Mayra Aguiar fez história, também.

Eu só estou feliz, eu não consegui ficar sentada assistindo a Rebeca Andrade se apresentar no solo.  Pedi que a Júlia narrasse: "Ela está indo bem" "Ela deu um salto." "Agora, ela vai pular de novo.".  Foram muitos, muitos anos esperando que a ginástica artística feminina brasileira conseguisse chegar lá.  Foi muito investimento em mais de uma geração de atleta, foi muita obstrução, também.  Clubes que sabotaram a ideia de um centro de treinamento.  Oleg Ostapenko, o ucraniano que treinou a equipe, que esteve junto com a Daiane dos Santos, faleceu este ano, não pode ver os frutos do seu trabalho, porque foram, também.  E Rebeca deu uma entrevista agora, está falando ainda, enquanto escrevo e agradeceu sua psicóloga.  No caso dos atletas brasileiros esse trabalho tem feito toda a diferença.  Espero que isso impulsione, também, a procura por esses profissionais fundamentais.

Enfim, parabéns Rebeca Andrade pelo esforço pessoal, ela veio de três cirurgias no joelho, mas parabéns, também, para as ginastas que vieram antes, que não chegaram lá, talvez, por falta de um apoio psicológico mais sólido.  E fico muito feliz que tenha sido uma atleta negra, porque uma menina negra no Brasil, especialmente quando pobre, tem menos oportunidades, incentivo, é desvalorizada em seu próprio corpo e aparência.  E isso é patente no mundo da ginástica que, durante anos, foi marcado pelas ginastas brancas e longilíneas.  Daiane dos Santos já falou sobre o racismo enfrentado por ela e acredito que a mudança no perfil da equipe norte americana, sim, Simone Biles, tem importância nessa mudança, mas tem chão ainda, porque lembro do racismo contra Biles na Olimpíada do Rio.  

Aliás, a fala da Daiane dos Santos na Globo merece ser registrada e assistida (*chorei de novo*): “A primeira medalha do Brasil num Mundial de Ginástica foi negra. A primeira medalha do Brasil na Ginástica feminina foi negra. Isso é muito importante. Diziam que a gente não podia estar nesses lugares”.  Fora isso, Daiane fala da luta pessoal de Rebeca, uma menina pobre que chegou onde chegou também por ter uma mãe guerreira e que a criou e educou sozinha.  Sim, é bom falar das mães e das avós, que já foram acusadas pelo vice-presidente de serem fábricas de elementos desajustados,  e se perguntar onde estão os pais nessas histórias olímpicas que temos ouvido.

Quem acompanha Olimpíadas durante muito tempo, também, e eu lembro concretamente dos jogos desde 1984 (Los Angeles), sabe que a dureza é muito maior na avaliação de ginastas de países periféricos, exatamente para que continuem assim.  Para uma brasileira, ou brasileiro, aparecer, e neste caso a cor de pele pesa como um adicional de marginalidade, precisa ser muito melhor que a média.  Então, parabéns, Rebeca!  E ainda falta os aparelhos.  Tomara que ela consiga ainda um ouro por aparelhos.

Outro destaque do dia e um muito importante é o bronze de Mayra Aguiar no Judô.  Ela foi a primeira mulher brasileira a conseguir três medalhas seguidas em Olimpíadas em um esporte individual.  Ela tem três bronzes, em Londres (2012), no Rio (2016) e, agora, em Tokyo (2020/2021).  E ela veio de uma lesão grave.  E quem viu o que aconteceu ontem com Maria Portela sabe como alguém que não é de um país central pode ser prejudicado.  Sim, isso pesa, isso define, isso prejudica carreiras e tira possibilidades de medalha de quem poderia tentar conseguir uma.  Para um país que ganha medalhas de braçada, pode não fazer diferença, para um Brasil faz, para o futuro de um esporte que não é futebol masculino em nosso país, faz e muita.  Então, não esqueçamos de Mayra Aguiar.  Ela merece e ela colocou seu nome na história do esporte brasileiro.

E uma notinha triste que, talvez, mereça outro post.  A goleira da seleção brasileira de futebol feminino está sendo bombardeada por comentários gordofóbicos.  Ela falhou no jogo contra a Holanda e foi atacada por um jornalista daquele país com as seguintes palavras: "Essa goleira está acima do peso, não? É uma porca com um suéter. É uma zombaria total para a seleção brasileira. Ela realmente não defendeu uma bola decente."  Bárbara não é uma mulher gorda, mas é sabido que para uma mulher, ser chamada de gorda precisa ser lido como ofensa.

Corpos gordos são abjetos, são depreciados, servem para o deboche, são associados ao de animais considerados sujos.  Gordos não têm agilidade, são lentos no corpo e no raciocínio. A ideia é essa e, pior, ela vem sofrendo outros ataques do gênero.  Ela é incompetente por, supostamente, ser gorda.  E está resolvida a situação, fosse uma mulher magra, o gol das brasileiras estaria bem defendido. Enfim, espero que Bárbara não se abale e não a culpo por bater boca na internet, mas que busque se educar politicamente, também, para se defender melhor desse tipo de ofensa.  E, sim, torço muito por um ouro olímpico para as mulheres da seleção brasileira de futebol.  Espero que venha desta vez.

RIP: E partiu Orlando Drummond. Obrigada por tudo!

Deveria ter feito este post na terça-feira mesmo, data do falecimento desse gigante da dublagem brasileira, Orlando Drummond.  Se você é brasileiro e está vivo nos últimos cinquenta ou mais anos, ele começou sua carreira em 1942, ainda no rádio, ouviu a voz de Drummond em várias produções.  Ele dublou Popeye, Scooby-Doo, Papai Smurf e Gargamel, o Vingador (Caverna do Dragão), o Dr. Mead de E o Vento Levou (*abaixo*).  

Dia desses, estava ouvindo Rapunzel da coleção Disquinho, tudo está disponível na internet, e a voz do príncipe, que cantava, inclusive, era dele.  Talvez, você lembre dele, também, como o Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo.  Enfim, ele sempre oferecia o seu melhor em todas as dublagens que fazia e, claro, há algo de nostálgico em minhas palavras, porque quem frequenta o Shoujo Café sabe que considero a dublagem brasileira atual muito inferior a executada em décadas passadas.

Drummond já estava com 101 anos, viveu uma longa e produtiva vida.  Nos últimos meses passou por vários problemas de saúde e, segundo seu filho, após sair de uma longa internação, não se alimentava nem falava mais.  Ate ano passado, esteva lúcido, foi uma rápida deterioração, mas, lembremos, ele viveu muito e, como dizem os antigos, ele descansou.  Obrigada por tudo!  Não poderia deixar de homenageá-lo no Shoujo Café.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Comentando o capítulo #4 de Kageki Shoujo!: Um ponto de virada

Ontem, assisti ao quarto episódio de Kageki Shoujo!! (かげきしょうじょ!!)  e o anime continuou seguindo quase que estritamente o mangá.  O stalker seguiu Ai-chan até Kouka e ela o encontrou no último episódio.  Sarasa a segue à pedido de Taichi, o professor tio da menina, e tenta salvá-la do antigo fã que a rastreou.  Ai-chan foge, mas acaba se arrependendo de deixar Sarasa para trás.  Este foi mais um episódio que não falou do Teatro Kouka, mas ampliou nossa visão do drama de Ai-chan, além de ser um ponto de virada na relação dela com Sarasa.

O episódio três foi muito tenso e sombrio, este episódio começa a permitir que alguns rios de sol possam aquecer o nosso coração.  É basicamente um capítulo sobre amizade e compreensão.  Ainda que Ai-chan finja não se importar com Sarasa, ela se importa de verdade.  Simplesmente, ela passou tanto tempo tentando não se importar com as pessoas, que ela não sabe como se expressar.  Por outro lado, a série buscou dar uma dimensão humana ao fã que a segue.

O rapaz era um hikikomori, um sujeito que se isolou da sociedade e acaba tendo como sua única válvula de escape, os seus hobbies.  No caso dele, o bullying foi o que detonou sua vontade de isolamento social.  Mas quando ele o JPX, grupo de Ai-chan e percebeu o quanto ela se esforçava por não sorrir (*na verdade, ela não precisava se esforçar para isso*) e manter-se firme, ele ganhou forças para tentar sair do seu isolamento.  Ele conseguiu até arrumar um emprego de meio expediente. Ele conseguiu fazer muita coisa para um hikikomori graças a essa paixão pelo JPX e a admiração por Ai-chan.  No dia do infeliz acidente que a obrigou a largar o grupo, ele tinha ido agradecer, simplesmente isso.

Sarasa e Taichi se mostram dispostos a ouvi-lo, conversar com ele e buscar compreendê-lo.  Essa humanização do sujeito que foi construído para parecer abjeto é algo que combina com o espírito otimista da série e me faz recomendar ainda mais Kageki Shoujo!!, porque vivemos em um momento de julgamentos rápidos e impiedosos, o que, aliás, também está exemplificado no próprio episódio.  Pena que cortaram todas as referências de anime, porque, afinal, o otaku e Sarasa tinham gostos parecidos.  Hijiri passa e vê Sarasa, o rapaz e Taichi e tenta prejudicar a menina.  Ela é o mais próximo de uma vilã que nós temos nesta série.  Infelizmente, a sequência sofreu algumas modificações, além de ser mais curta.

Ai-chan teme por Sarasa e volta para ajudá-la, se espantando com a intimidade da garota com o otaku.  A partir daí, Ai-chan pensa em se fechar ainda mais, mas o episódio é exatamente sobre o contrário, sobre como a garota começa a se abrir para o mundo.  Não darei spoilers, mas recomendo que você tente comparar o anime e o mangá, porque as mudanças em alguns casos parecem pequenas, mas não são.

E o capítulo termina com o drama de Yamato.  Acredito que o próximo episódio seja sobre a bulimia da menina.  É esperar para ver.  É isso.  Foi um bom episódio, como o anterior foi excelente, o capítulo quatro pode parecer menos interessante do que é.  Eu gostei muito da forma como a autora redimiu o otaku e do que acontece no final do episódio.  Para as resenhas dos capítulos anteriores é só clicar: 1 - 2 - 3.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Um Pódio digno de um shoujo mangá

Esta madrugada duas meninas de 13 anos subiram ao topo do pódio no skate street, Rayssa Leal e Momiji Nishiya, o grupo contava ainda com uma outra garota um pouco mais velha de 16 anos, Funa Nakayama.  O Skate estreou na Olimpíada trazendo, pelo menos no caso do feminino, um surpreendente sopro de juventude.  A vitória de meninas tão jovens pode servir de incentivo para que pais e mães não obstruam o sonho de suas filhas de se tornarem atletas da categoria ou de simplesmente se divertirem com um skate.  Uma das matérias sobre o pódio do skate destacou que a jovem Momiji teve dificuldades de convencer os pais a aceitarem o seu gosto pelo skate.

No caso de Rayssa, ela se tornou a  mais jovem medalhista olímpica de nosso país, acredito que seu recorde ficará de pé por muito tempo, ou para sempre.  Afinal, não é comum termos medalhistas tão jovens.  Aliás, curiosamente, a mais jovem medalhista olímpica era, também, uma garota de 13 anos, a norte-americana Marjorie Gestring, que foi vitoriosa nos saltos ornamentais na Olimpíada de Berlim, em 1936.   E quem conhece a história dessa Olimpíada sabe que ela foi feita para glorificar o Terceiro Reich e para que alemães vencessem, portanto.  Rayssa é mais nova que ela.  Momiji não é, porque faz aniversário em agosto, então Gestring continua a mais jovem medalhista de ouro.

Rayssa se tornou famosa quando um vídeo fazendo uma manobra difícil aos seis anos de idade e vestida de fada viralizou na internet.  Oriunda de Imperatriz do Maranhão, ela foi convidada a ir ao Globo Esporte onde recebeu um skate de Letícia Bufoni, então campeã na categoria.  Ambas estavam na Olimpíada e a menina superou a mestra que lhe serviu de inspiração.  É ou não é um bom roteiro para um mangá?  Espero que Rayssa tenha uma longa e frutífera carreira e que sempre pareça tão feliz com o seu skate como me pareceu nesta olimpíada.  Ah, sim, e que tenha direito à bolsa de incentivo aos atletas que lhe foi negada por não ter idade suficiente.  Se pode ganhar medalha, deveria poder receber o apoio.

E falando em meninas no skate, a minha me pede um desde o ano passado.  Acredito que agora não terei mais como enrolar.  Tenho medo que ela se quebre toda, tenho que admitir.  E eu tinha dito para a Júlia que achava que Rayssa seria bronze, que as japonesas eram boas e contavam com uma ajudinha dos jurados (*no masculino foi o que me pareceu e não estou falando que o brasileiro foi prejudicado, mas o peruano foi*).  Minha filha disse que achava que ela seria prata e fomos dormir.  Ela acertou. 

Os novos gaiden da Rosa de Versalhes vão sair nos Estados Unidos

No último sábado, durante o San Diego Comic-Con, a Udon Entertainment anunciou que irá publicar os gaiden da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) no ano que vem.  Esses gaiden que sairão nos Estados Unidos, e que estão na nova edição italiana, foram publicados na revista Margaret, a mesma que publicou o mangá original.  Riyoko Ikeda começou a publicar o material extra em 2013 e disse ter concluído em 2018 utilizando a contagem original do mangá acrescentando mais quatro volumes.  Esse material sairá em dois volumes nos Estados Unidos.

Muito bem, esse material extra permite conhecer melhor as personagens da série e sao bem interessantes.  A autora diz já ter encerrado o mangá, mas como já estamos em comemorações dos 50 anos da Rosa de  Versalhes, não duvidaria que Ikeda mudasse de ideia.  Esses gaiden, que estão na nova edição italiana, não são os únicos.  Em 1974, logo após a publicação original, Ikeda publicou o primeiro, o da condessa vampira, que saiu na edição da JBC.  Em 1984-85, ela publicou novos gaiden na revista Monthly Jam, que não era da Shueisha, e com grande destaque para a sobrinha de Oscar que apareceu a primeira vez no gaiden de 1974.  Esse material, que tem dois volumes, é chamado de "Histórias Góticas" na Itália e foi publicado na França, também. 

Não tenho grande esperança de ver esse material extra por aqui, mas como não não é possível saber se a Rosa fez sucesso, ou não, no Brasil, de repente, até somos surpreendidos.  As edições da Udon são lindas, mas o dólar em disparada me impediu de comprar.  Vou me esforçar para comprar os gaiden, porque esse material, não tenho em outra língua que não seja o japonês.

sábado, 24 de julho de 2021

Muito Além do Mangá: Comentando Pele de Homem, uma mensagem de Tolerância e Liberdade

No final do ano passado, meu amigo Pedro comentou no Facebook dobre Pele de Homem, o quadrinho mais premiado na França em 2020.  De autoria de Hubert (roteiro) e Zanzim (arte), o álbum se passava no século XVI, em uma cidade italiana genérica do Renascimento, e contava a história de Bianca, uma moça de 18 anos, já em uma idade um tanto avançada para estar solteira, e que tem seu casamento arranjado pela família.  A jovem acredita que é uma situação absurda essa de se casar com um homem que não conhece, na verdade, a garota nada conhece do mundo dos homens.  Sua madrinha consegue levar Bianca para sua casa nos dias que antecedem seu casamento e lhe conta o segredo da família, existência da tal pele de homem do título.


As mulheres do lado materno da família de Bianca herdavam uma pele mágica de homem, Lorenzo, que possibilitaria às adolescentes se transformarem em um rapaz e se misturarem no universo masculino experimentando, pelo menos por alguns dias, o que é ser um homem naquela sociedade. Uma de suas tias, que se tornara freira, tinha inclusive ido longe demais e deixado algumas moças com o coração partido e queria levar a pele de homem para o convento, mas a impediram, porque, bem, vai que a Inquisição descobre? Bianca se traveste e se torna fisicamente um homem, mas sua madrinha precisa treiná-la, porque ela precisa aprender a andar como um homem, sentar como um homem, enfim, ela foi socializada como mulher.  A moça consegue, mas nos primeiros dias é difícil para ela pensar como um homem e termina se chocando com o que ouve.

A situação de Bianca é como a experiência de Oscar no mangá da Rosa de Versalhes, quando ela se veste como uma dama para ir ao baile, mas tem uma série de dificuldades em andar e se movimentar como o vestido, enfim, em performar o papel feminino.  Gênero (*ou sexo social*), papéis associados à homens e mulheres em uma dada sociedade, é algo que aprendemos desde o nascimento, é algo ensinado e reiterado a cada momento da nossa vida.  Na série animada, ela se veste e, num passe de mágica, é uma dama perfeita, afinal, os autores (homens, ou mulheres assujeitadas a essa ideia) acreditam que há uma natureza feminina.

Em Pele de Homem, Bianca, agora Lorenzo, quer conhecer melhor seu noivo, Giovanni.  Ele é rico, jovem e bonito, Bianca tem mais sorte que as suas amigas, porém, ele é uma completa incógnita.  Na primeira cena, Bianca assiste de longe a um arranjo financeiro feito por homens jovens e velhos, aqueles que tem poder sobre as mulheres.  Na pele de homem, Bianca conhece Giovanni e sua primeira impressão não é das melhores, mas se sente atraída por ele.  Ela também tem a oportunidade de observar o comportamento de certos conhecidos durante a noite e comparar com a forma como se comportam diante da sociedade.  Todos são hipócritas e falsos moralistas.

No outro dia, ela volta a buscar a companhia de Giovanni.  Os dois começam a se tornar cada vez mais íntimos e o rapaz leva Lorenzo (Bianca) a um lugar onde somente os homens frequentam.  A moça se espanta, porque há mulheres lá, quer dizer, não são mulheres, mas homens travestidos.  Um deles, Peccorina e, na verdade, Peccorino, o maior artista da cidade.  Bianca fica atordoada pela quantidade de informações e novas sensações e termina sendo beijada pela primeira vez... Só que é beijada pelo noivo que acredita que ela é um rapaz.

Giovanni é homossexual e assim como Bianca é obrigado e performar uma atitude viril em uma sociedade que é misógina e homofóbica.  E ele se sai bem na tarefa, é preciso deixar claro.  Ele já fez sexo com mulheres, mas por dever, para que ninguém possa lhe apontar o dedo.  Ele vê o casamento com Bianca como uma obrigação, o prazer ele guarda para os rapazes, só que Lorenzo é especial, Giovanni quer que dure, o quer como seu companheiro, mesmo sabendo ser impossível.  E o que Bianca quer?  Ela quer o amor de Giovanni, ela quer prazer sexual e ele não pode lhe dar nada disso, não a ela, somente para Lorenzo.  

Para Lorenzo, Giovanni explica seus sentimentos.  Ele fala de como o mundo dos homens e das mulheres parece ser diferente, salvo por alguns poucos momentos de encontro.  As mulheres, sua virgindade, sua virtude e a honra, que era a da família, deveria ser preservada.  Por isso, a possibilidade de interação com as "moças de família" eram poucas e sempre vigiadas.  Pele de Homem não discute identidades, raros eram os homens que no século XVI deveriam ter consciência de sua orientação sexual.  Simplesmente, sabiam o que a sociedade esperava deles e que deveriam cumprir certos papéis e poderiam ter certos prazeres, desde que discretos.  Como todos, afinal, o próprio Giovanni fala sobre a sociabilidade entre os homens, a descoberta do sexo, suas intimidades, para uma surpresa Bianca, faziam (*ou tinham feito*) as mesmas coisas e raramente um denunciava o outro.  

Fácil lembrar de um episódio Downton Abbey no qual Mr. Carson (Jim Carter), o mordomo, quer denunciar Mr. Barrow (Robert James Collier) à polícia por sodomia e o Conde (Hugh Bonneville) pede que ele seja mais tolerante e lembre de como era nos tempos de escola.  Sim, mundos separados acabam possibilitando relacionamentos afetivos homoeróticos ou lesbianos sem necessariamente apontarem para uma orientação sexual.  Há curiosidade, há carência e há, em muitos casos, violência envolvida.

E Bianca descobre que a visão de Giovanni sobre as mulheres não é muito diferente da dos outros homens.  Ele acredita que uma esposa não deveria desejar prazer sexual, que isso é coisa de prostituta.  Ele se preocupa com a fidelidade da esposa, mas defende que um homem pode ter amantes mulheres e homens, se for discreto.  Bianca conseguirá mudar seu coração?  É possível que ele venha a amá-la?  Essa é uma das questões de Pele de Homem.  Mas o fato é que como Lorenzo, Bianca começa a testar os limites da sociedade e questionar o mundo ao seu redor.  Sua madrinha começa a ter medo e se arrepender de ter lhe dado a pele de homem... 

Pele de Homem tem um vilão, Ângelo, o irmão padre de Bianca.  Um sujeito fanático religioso e com sede de poder.  Ângelo foi mimado pela mãe e se acha que vai consertar o mundo, é seu dever e sua missão.  E ele comporta-se como um inimigo das mulheres, a fonte de todo o mal, e os sodomitas, que se fazem de mulheres para ter prazer.  Aqui, Hubert vai expor mais uma hipocrisia, ao separar homossexuais em ativos e passivos, os primeiros conseguem ter seu mau comportamento amenizado, afinal, eles não se colocaram na condição de mulher, ainda que tenham pecado e mereçam punição. Lorenzo questiona Giovanni sobre isso quando ele diz ser o ativo e é lembrado que nem sempre... Xiiii!  Ninguém pode saber.  Aliás, Giovanni é bem competente em se passar por viril em público.  Como o modelo de masculinidade hegemônico é moldada pela violência, ele precisa parecer agressivo, tem que intimidar outros homens, se quiser sobreviver.  

Voltando para Ângelo, ele também age como censor das artes, promovendo a queima de quadros e destruição de estátuas, além de impor um código de vestimenta às mulheres.  Inclusive o livro expõe uma ideia que eu defendi na minha tese de doutorado que são os homens que ao longo da História se preocuparam em vestir, ou despir as mulheres, de impor-lhes códigos que eram criados para atender seus próprios interesses e fantasmas.  O moralista Ângelo parece ser inspirado em uma personagem real, o dominicano Girolamo Savonarola (1452-1498), que pregou em Florença, denunciou os maus costumes, atacou a arte secular, entre outras coisas.  Teve muito poder, até cair em desgraça e ser condenado à morte.  Ângelo não termina morto, mas teve sérios problemas a partir do momento que decidiu mexer com os prazeres e o bolso dos homens.

Não vou dar mais detalhes da trama.  Há algumas personagens secundárias com seus momentos na história, mas Pele de Homem é sobre Bianca, suas descobertas e a relação da moça com Giovanni.  O quadrinho é, também, sobre a nossa sociedade, porque os autores estão dialogando o tempo inteiro com a sociedade em que vivem as disputas de poder e de discursos que presenciamos hoje sobre moral, sobre sexualidade, sobre hierarquias entre homens e mulheres.  

Ao jornal Liberation, Zanzim disse que queria “desenhar uma história íntima que falasse sobre [Hubert], sua complicada adolescência, seu período gótico e sua homossexualidade”.  No site da Glenat, Zanzim comenta que pediu a Hubert que quando ele decidisse fazer sua autobiografia, que o chamasse para desenhá-la.  Há algo de autobiográfico em Pele de Homem.  E há outra questão, Hubert queria falar do casamento gay, que foi motivo de grande controvérsia na França com grupos (pseudo) conservadores católicos, evangélicos e muçulmanos se unindo em manifestações alguns anos atrás, e a história começou a ser gestada nesse momento.  Pele de Homem não fala de casamento gay, mas fala de aceitação, de companheirismo e de tolerância ao desenvolver a relação entre Bianca (Lorenzo) e Giovanni.  E, isso é um spoiler para quem conhece A Rosa de Versalhes, Bianca tem o seu André, mas sem que a coisa termine em tragédia.

A arte do quadrinho é bem dinâmica e bonita, se utilizando bem das referências históricas, sem ser realista.  Há momentos em que o figurino está com os pés firmes no século XVI, em outros ele se afasta.  Seria mais o que se pode chamar de para-realista, por assim dizer.  O espírito da época está lá, mas não de forma rigorosa.  O texto da tradução flui bem, não parece confuso em nenhum momento.  E, bem, é a qualidade da editora Nemo.  Aliás, quando soube do quadrinho, imaginei que era bem a cara da editora.

É isso.  A história é boa como história, as discussões sobre relações de gênero e sexualidade é muito bem desenvolvida.  O desenrolar da trama n]ao é óbvio, eu imaginei um caminho e o percurso e o final foi diferente e plenamente satisfatório, além de libertário, muito mesmo.  Mesmo com a autoria masculina, não teria problema nenhum em dizer que Pele de Homem é um quadrinho feminista que consegue dar voz à protagonista para além das discussões sobre homossexualidade masculina.  A condição das mulheres em uma sociedade patriarcal, suas limitações e estratégias de sobrevivência de de poder (*vide a mãe da protagonista*) foram muito bem abordadas.  Pele de Homem vale cada real gasto nele.  Quem quiser comprar o quadrinho, ele está disponível no Amazon em versão impressa e Kindle.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

20 Anos de SANA e o Shoujo Café estará lá

O SANA, que acontece em Fortaleza, é um dos eventos de cultura pop japonesa e, hoje, um evento geek, mais tradicionais do Brasil e o maior do Nordeste.  Este ano, infelizmente, durante uma pandemia, o SANA está completando vinte anos.  E o evento já começou e pode ser assistido no Youtube.  Pois bem, eu fui convidada para participar e gravei uma conversa sobre shoujo com a Marília.  Agradeço novamente o convite e convido vocês a participarem.

E começaram as Olimpíadas de Tokyo...

Estou assistindo a abertura, ela ainda está em andamento, a delegação do Brasil nem entrou ainda.  OK, eu achei que a Olimpíada não ia acontecer, eu continuo acreditando que não deveria ocorrer, mas estou emocionada e feliz do mesmo jeito.  Ainda me causa ansiedade, a pandemia não acabou e Tokyo parece estar vivendo um pico de casos exatamente neste momento, mas está rolando e a abertura é bonita.  

E, algo importante, 48,8% dos atletas são mulheres.  E teremos equipes mistas de judô participando, além de 1500 no nado para mulheres.  Falta, claro muita coisa ainda.  Espero ver equipes mistas de nado sincronizado, meninos no nado sincronizado, na ginástica rítmica.  Vamos ver nos próximos jogos. 💗

Coisa chata, agora, na véspera do evento, o diretor da cerimônia de abertura da Olimpíada, Kentaro Kobayashi, foi demitido por piada com Holocausto.  Quando foi a piada?  1998.  O sujeito tem 48 anos.  Ele tinha 25 anos.  Era um adulto, sem dúvida, mas bem jovem, provavelmente, com uma formação histórica deficiente, porque o ensino de História no Japão, especialmente quando relacionado à 2ª Guerra é assim propositalmente.  Quem frequenta o Shoujo Café sabe que não faço pouco caso dessas coisas, mas será que não seria o caso de um pedido de desculpas formal?  Agora, afastar o cara, expô-lo.  Rastrearam outras falas dele na mesma linha?  Enfim, me pareceu excessiva a punição.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Antiga candidata à astronauta nos anos 1960, se torna a mais velha pessoa a ir ao espaço

O dono da Amazon, um dos homens mais ricos do mundo, fez um voo suborbital no dia 20 de julho.  O feito foi amplamente divulgado, o formato muito fálico da nave virou alvo de piadas e, como sempre, houve o povo que veio dizer que o bilionário gasta dinheiro nessas brincadeiras, enquanto paga muito mal seus trabalhadores (*VERDADE*) e, também, com aquele papo de que o dinheiro deveria ser investido na Terra e, não, nesse tipo de aventura.  Desculpe, não temos pandemia, ou fome no mundo, porque estão investindo no progresso científico, mesmo que para diversão de poucos, o buraco é muito mais embaixo que isso.  Enfim, nem iria comentar isso por aqui se meu marido não me avisasse que havia uma mulher muito especial à bordo da Blue Origin, Mary Wallace "Wally" Funk, agora, a pessoa mais velha a ir ao espaço.  Antes de seguir, vamos falar por qual motivo ela é importante.

Em 1863, os soviéticos enviaram a jovem Valentina Tereshkova ao espaço.  A pioneira era parte de uma peça de propaganda, porque a URSS não enviou outra mulher por muitos anos e todas as colegas de Tereshkova não tiveram a chance que ela teve.  A primeira mulher só iria ao espaço vinte anos depois, agora, a norte-americana Sally Ride.  Pois bem, houve norte-americanas testadas e treinadas a partir de 1959 para ir ao espaço, algumas dessas treze mulheres tiveram índices superiores aos dos homens submetidos às mesmas condições e foram submetidas à testes adicionais por serem mulheres.  Era o projeto Mercury 13, feito pela iniciativa privada, mas reproduzindo o mesmo programa da NASA.

O Mercury 13 foi dissolvido em 1962 e as mulheres, mesmo qualificadas, foram descartadas.  Com o feito de Tereshkova, o Mercury 13 passou a aparecer na imprensa norte-americana, algumas das mulheres foram ouvidas no Congresso, mas nada foi feito por elas, ou pelo progresso do programa espacial americano contemplando pelo menos a diversidade de gênero. 

Wally Funk era uma dessas mulheres.  Nascida em 1939, ela era uma piloto altamente habilitada.  Em 1970, quando a Nasa passou aceitar mulheres, ela se candidatou, mas foi recusada por não ter um diploma em engenharia ou ter sido piloto de testes, algo que tinha lhe sido negado por ser mulher.  Quando as possibilidades de aceso das mulheres aumentaram, ela foi rejeitada por ser "velha demais".  Muito bem, estou realmente feliz que ela possa ter realizado pelo menos parte do seu sonho.  

E, sim, isso é importante não somente em um plano individual, mas por apontar para os sistemas de exclusão que impediram mulheres ao longo de séculos de desenvolverem plenamente as suas competências e que privaram a humanidade de ter ido mais longe e, talvez, seguindo outros percursos.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Comentando o capítulo #3 de Kageki Shoujo!!: Um mergulho nas trevas

Eu já li o mangá de Kageki Shoujo!! (かげきしょうじょ!!) e estou com o primeiro volume da continuação para olhar, então, já sabia o que ia acontecer no terceiro capítulo.  Foi um episódio pesado no qual foi desvelado o passado de Ai, a coprotagonista do seriado, além de darem início ao drama centrado em Ayako Yamada, a menina tímida e aparentemente comum do grupo.  Para quem qusier olhar as outras resenhas: episódio 1 e episódio 2.

Ai-chan detesta homens, sabemos disso desde o primeiro capítulo.  Ela entra para o Kouka para fugir da convivência com o sexo oposto.  O único homem que ela tolera, e que ocupa a função de pai em sua vida, é Taichi, seu tio e professor de balé no Kouka.  Neste episódio conhecemos sua mãe, Kimiko, uma mulher egoísta e que coloca a filha em segundo plano sempre.  Ela mente que ama e a menina, que é muito bonita, uma típica bishoujo, finge que é amada e feliz.  Ai sequer sabe quem é seu pai e fica muito evidente no episódio o estigma que ela carrega por viver em uma sociedade patriarcal e hipócrita como a japonesa.  A mãe de Ai faz filmes adultos, aparece nua em alguns deles e a menina acaba arcando com o deboche dos colegas e fingindo não se importar.

Vejam que há o problema da sociedade, afinal, nenhuma mulher, muito menos seus filhos e filhas, deveria sofrer humilhações por ter uma profissão pouco convencional, ou que afronta a moral de parte da sociedade.  Agora, a mãe de Ai não se importa em proteger a filha, lhe dar segurança.  E o ponto de virada, a razão do trama da garota, é a quando Kimiko traz para dentro de casa um companheiro que, na verdade, é um pedófilo.  A série optou por nunca mostrar seu rosto, negando ao sujeito qualquer identidade.  Ele pode ser qualquer um e, ao mesmo tempo, é um monstro. O trabalho da dubladora de Ai e dos animadores foi excelente, é possível ter a dimensão de todo o terror imposto à garotinha.

Falando da mãe de Ai, uma mulher pode ser enganada quanto ao homem que escolhe para dividir sua vida, mas não tem o direito, ainda mais no caso de uma mulher vivida e independente como Kimiko, de ignorar os sinais de perigo e os pedidos de socorro da filha.  Kimiko só se interessa por si mesma e foi capaz de terceirizar a um estranho os cuidados com a filha.  Como resultado do incidente, Ai desiste de fingir felicidade e de querer agradar a mãe, ou qualquer um.

Ai se fecha para todos, menos para o tio, que é seu único suporte.  É exatamente por isso, para morar na casa do tio, que ela aceita se juntar JPX48, cujo estúdio fica no mesmo bairro da casa de Taichi, sem mesmo saber que os seus fãs seriam homens.  O episódio mostra a menina se recordando do incidente com o fã que a obrigou a sair (*graduar*) do JPX48.  Meu marido, que entende um pouco de japonês, observou que a tradução das legendas par ao inglês exageraram o que a menina disse.  Ela não chama o fã de "creepy", no sentido de repugnante, ela diz algo como "me solte, a sensação não é boa", porque ele prolonga o aperto de mão.  De qualquer forma, o stalker a segue até a escola e eles se encontram no final do episódio.

Neste capítulo 3 temos, também, Ai rejeitando a amizade de Sarasa e eu acho importante que a menina registra a coisa de forma bem madura.  Se Ai não quer sua amizade, ela não irá forçar, mas continuará sendo ela mesma.  E é interessante que o apelo de Taichi para que ela tente ser amiga de Ai surte efeito, mas dentro dos próprios limites que Sarasa traçou.  Se o mangá for seguido, tanto essa questão da amizade das protagonistas, quanto a do stalker serão muito bem abordadas.

O último ponto sobre o episódio, começou o drama de Yamada.  É curioso que a autora do mangá tenha escolhido exatamente a menina tímida para ter uma história própria dentro dessa primeira parte do mangá, os dois volumes que saíram na Jump Kai.  A professora de sapateado escolhe a menina para fazer de exemplo diante da turma e diz que ela está gorda e que nenhuma fã do Kouka quer ver uma atriz gorda atuando.  Sarasa intervém, mas a professora persiste e, mais tarde, duas das colegas "perfeitas", Hoshino e Sugimoto, ainda reforçam que a errada é a menina por não ter força de vontade e disciplina.  Yamada não é gorda, mas que mulher "acima do peso" nunca ouviu isso?  

O problema maior é que se trata de uma menina de quinze anos e o estrago pode ser enorme.  Eu tomei remédios para emagrecer aos quinze anos levada por minha mãe, eu sei o mal que isso pode fazer.  Enfim, para piorar, o Kouka é super competitivo e Yamada não tem nem a autoestima elevada de algumas colegas, nem a coragem sem noção de Sarasa, ou a armadura de Ai.  Ela vai adoecer e a autora trabalhou a situação de menina muito bem no mangá.  Eu cheguei a pensar que ela iria se matar, mas não se chega a tanto.

Concluindo, este foi o episódio mais denso da série até agora, acredito mesmo que o melhor episódio.  Houve pouco do Kouka e muito de dramas humanos que são possíveis.  Seja o caso do abuso sofrido pela menina Ai e o comportamento de sua mãe, seja o da agressão sofrida por Yamada.  E Júlia, minha filha de sete anos, se interessou pela série e tive que explicar em sequência tanto a situação de pedofilia, quanto os transtornos alimentares (*anorexia e bulimia*).  E ela pediu para ver o primeiro episódio e o segundo.  Foi bem surpreendente.  

Ah, sim, estão usando coisas do mangá que está em andamento na Melody, toda a parte do backstage veio de lá, e já deixaram algumas questões do mangá prequel para lá.  O resultado está muito bom, mas eu recomendo muito que você, que está gostando de Kageki Shoujo, leia o mangá.  E, se possível, assista algo do Takarazuka para entender do que se trata.  Meu marido disse que vai fazer isso em breve.

domingo, 18 de julho de 2021

O escândalo sexual que destruiu a vida de duas professoras na época de Jane Austen e que virou filme com Audrey Hepburn e Shirley MacLaine

Estava nas minhas andanças pela internet e acabei descobrindo algo que não sabia sobre um que gosto muito, Perfídia (The Children's Hour - 1961), na verdade, bastava ler o verbete completo da Wikipedia, mas nunca tinha lido.  Resumindo, o filme, que é baseado em uma peça de  Lillian Hellman, primeira mulher a ser indicada sozinha ao Oscar de roteiro adaptado, fala da destruição da reputação de duas professoras (Audrey Hepburn e Shirley MacLaine), donas de uma escola para meninas, quando uma aluna, repreendida por seu mau comportamento, inventa para a avó que viu as duas professoras se beijando.  A velha senhora, uma mulher rica e influente, espalha a história pela comunidade e o filme acompanha o drama das duas mulheres, o processo judicial, o desgaste do relacionamento de uma delas com o noivo (James Garner), até que a verdade é revelada e elas vencem na justiça, mas é tarde demais e a tragédia acontece do mesmo jeito.  É um filme pesado, muito mesmo.

Eu conheci o filme no documentário The Celluloid Closet (1995) que mostra e discute a forma como Hollywood representou as pessoas do grupo LGBTQIA+ desde seus primórdios até o inicio dos anos 1990.  E comprei o DVD.  Tenho que resenhar o filme e o documentário, falha minha.  The Children's Hour, a peça, é de 1934. A primeira adaptação para o cinema veio em 1936 com o nome de These Three.  Para se adequar ao rígido, e recente,  Código Hays, a acusação de uma relação lésbica foi substituída por algo heteronormativo.  A aluna acusa uma das professoras de ter um caso com o noivo da amiga, o que justifica o "três" do título.  Enfim, enquanto estava escrevendo este post descobri que Keira Knightley e Elizabeth Moss participaram de uma recente montagem da peça.  Talvez, fosse hora para uma nova adaptação para o cinema.  Se fosse com essas duas, estaria ótimo.

Enfim, a história de The Children's Hour foi inspirada em um caso real, a escocesa Jane Pirie (1779 -1833) e a inglesa Marianne Woods (1781-1870) abriram uma escola exclusiva para meninas em Edimburgo em 1809.  Elas eram muito jovens, investiram, muito provavelmente, um dinheiro que poderia ser o seu dote, em um momento no qual mulheres que trabalhavam não eram bem vistas, ou eram alvo de pena, ou de desprezo, basta tomar pelos livros de Jane Austen, que são contemporâneos desse caso.  Tudo ia bem, até que em 1810, uma aluna, Jane Cumming, contou para sua avó, Lady Helen Cumming Gordon, que as professoras, que dividiam a cama com ela (*Sim, dividiam, e isso não foi motivo de escândalo, então, a situação era aceitável.*) de a acordarem várias vezes durante a noite, porque estavam fazendo sexo.  

Eu sempre acho curioso como certas pessoas ficam horrorizadas quando alguma produção desse período coloca situações sexuais, como se as pessoas fossem absolutamente assexuadas, projetam a moral vitoriana, como se os próprios vitorianos fossem o que queriam parecer ser, em outros períodos sem nenhum problema. Mas não vou me perder, sigamos.  A avó de Cumming, de quem falarei daqui a pouco, tirou a neta da escola e foi seguida por outros responsáveis.  O sonho de independência de Pirie e Woods estava destruído.  Em juízo, Marianne Woods dizia ignorar o sentido das próprias acusações, segundo o testemunho de uma mãe.  Talvez ignorasse mesmo e tivesse sido pega de surpresa.

Marianne Woods e Jane Pirie processaram Lady Helen Cumming Gordon por difamação e o caso foi a tribunal em 15 de março de 1811. Apesar de terem ganho o caso em 1812, Lady  Helen apelou à Câmara dos Lordes por causa do nível dos danos que acusadora sofreria, o apelo acabou rejeitando em 1819.  As professoras haviam reivindicado com sucesso uma indenização de 10.000 libras de sua rica acusadora, no entanto, com o longo processo, elas ficaram economicamente arruinadas, após pagarem os honorários legais o que restou para cada uma foi aproximadamente 1000 libras.  Marianne Woods mudou-se para Londres e conseguiu um emprego na Camden House Academy, onde ela havia ensinado anteriormente.  Jane Pirie permaneceu em Edimburgo e não conseguiu encontrar emprego, e "possivelmente teve um colapso nervoso".  A vida das duas estava destroçada.

Falemos de Jane Cumming, porque ela é uma personagem importante, também, muito diferente da menina da peça/livro.  Jane era filha bastarda de um inglês, funcionário da Companhia das Índias Orientais com uma mulher indiana de uma família abastada com quem ele nunca se casou.  Quando a Jane tinha quatro anos, seu pai comunicou à avó da menina da sua existência, mas ele morre pouco depois e Jane é enviada para escolas cristãs na Índia até ser trazida para a Inglaterra em 1802.  Seu avô estava muito doente e a avó, agora responsável por sua educação, decide que ela será treinada para ser chapeleira, ou seja, em um primeiro momento, ela é somente uma agregada na família que deveria aprender uma profissão que pudesse lhe trazer o sustento.  Com a morte do marido, Lady Helen se muda para Edimburgo em 1807 e dois anos depois, após sonhar com Jane, decide trazê-la para a capital e legitimá-la.  Após isso, Jane é mandada para a escola.  

Segundo a Wikipedia, o testemunho de Jane foi recebido com argumentos racistas de que sua criação na Índia a expôs ao conhecimento sexual precoce e deturpado. Citando o Express "Os sete juízes eram uma equipe heterogênea, incluindo um bêbado e outro juiz ausente na maioria dos procedimentos. A maioria exibia uma mistura de racismo, etarismo e sexismo."  O fato é que antes de denunciar as professoras, Jane havia reclamado de se sentir deslocada e rejeitada na escola.  É possível que efetivamente ela fosse discriminada.  Apesar das bobagens que séries como Bridgerton querem impingir à audiência, o racismo não seria diluído por um casamento real feito por amor. Jane, mesmo se tivesse inventado tudo, ainda era uma vítima do racismo da sociedade em que estava inserida.

Enfim, Jane se sentiu intimidada pela corte e caiu em contradição, chorou várias vezes.  Ainda segundo o Express: "Os juízes não conseguiram entender como as duas professoras poderiam ter “dado prazer uma a outra”, nem como uma jovem poderia ter inventado essa história por conta própria. Um deles, Lord Meadowbank, declarou o sexo entre mulheres “igualmente imaginário como a bruxaria, a feitiçaria ou cópula carnal com o diabo”.  (...) A empregada da escola Charlotte Whiffin afirmou ter visto, através de um buraco de fechadura, as professoras se beijando em um sofá na sala de estar. Mas o sofá não podia ser visto pelo buraco da fechadura. Mais tarde, Whiffin negou a história."

Não há como se posicionar a respeito do caso das professoras, se elas de fato eram mais que amigas, ou, não, mas, pelas informações que temos, há outras certezas possíveis.  Uma dela é que tal acusação, especialmente, em relação à professoras, poderia destruir sua reputação como educadoras.  Woods conseguiu se empregar novamente, mas seu status caiu muito.  Outra certeza é a de que muitos homens consideravam a possibilidade do sexo entre mulheres absurda, sem falo, não há sexo, nem prazer.  A invisibilidade lésbica, no entanto, poderia ser uma faca de dois gumes, porque assegurou para alguns casais a possibilidade de existirem desde que não assumissem publicamente seu afeto, ou tentassem "usurpar" o lugar masculino.  

Concluindo, deixei muito a dever no mês do Orgulho, não fiz post algum específico, mas não poderia deixar essa história passar.  Seria muito interessante se alguém contasse a história das professoras, a que se passou nos tempos de Jane Austen.  Obviamente, eu entendo a necessidade de contar histórias felizes, ou que pelo menos mostrem pessoas LGBTQIA+ vivendo as vidas normais como as que os hetero podem ter na ficção.  É por isso que eu critico, mas entendo, o furor em relação à rainha Charlote de Bridgerton, só não podem querer usar a fantasia para anular a História e as lutas e sofrimentos de gerações de pessoas para que outras pudessem, sim, ter o direito ao seu espaço na ficção.