domingo, 28 de maio de 2023

Comentando A Pequena Sereia (Disney/2023): Revisitando o clássico que deu início à febre das princesas

Ontem, fui assistir o live action da Pequena Sereia com minha filha.  Tínhamos planejado o programa fazia meses e os problemas que enfrentamos neste mês não nos impediriam de ir.  No fim das contas, o filme foi bem melhor do que eu imaginava. E não estou falando das questões de representatividade, do fato de  Halle Bailey estar adorável como Ariel, mas que o filme se sustenta muito bem e é interessante boa parte do tempo.  Acredito que se alguém não assistiu ao desenho, poderia gostar do filme por ele mesmo sem conhecer qualquer referência salvo o conto original assim bem por cima.  Agora, como eu vi o desenho animado, e considero desnecessárias todas essas adaptações com pessoas de verdade, o original vai guiar a minha análise, negar isso seria ridículo.

Para quem não conhece a história da animação que fez renascer o interesse pelas princesas da Disney, Ariel (Halle Bailey) é uma sereiazinha de 16 anos que é fascinada pelo mundo da superfície.  Apesar de seu pai, o rei Tritão (Javier Bardem), haver proibido o contato entre sereias e humanos, Ariel sobe até a superfície e termina apaixonada por Eric (Jonah Hauer-King), um jovem príncipe.  O navio do rapaz naufraga em uma tempestade e Ariel o salva.  Eric ouve a voz da moça, mas não consegue ver o seu rosto.  Percebendo a mudança de comportamento da filha, o rei Tritão termina descobrindo que a menina foi até a superfície e se apaixonou por um humano.  Ele destrói a coleção de artefatos da superfície da garota e reitera as proibições de contato com os humanos.  

Ariel se revolta e termina sendo alvo fácil para sua tia, Úrsula (Melissa McCarthy), a bruxa do mar.  Banida para uma caverna, ela aguarda uma oportunidade para se vingar do rei dos oceanos.  Em troca da voz da moça, Ariel teria pernas e três dias para trocar um beijo de amor com o príncipe, se não conseguisse, ela iria perder sua liberdade e pertencer à Bruxa do Mar para sempre.  Ariel consegue reencontrar seu príncipe, mas ele, que estava procurando a moça que o salvara, não a reconhece.  ainda assim, os dois acabam se apaixonando, mas Úrsula decide atrapalhar a jovem e impedir que ela consiga o seu beijo de amor.

O live action acertou mais do que errou, eu diria.  Na minha escala de adaptações desnecessárias (*porém, lucrativas*) de animações para o cinema, o filme está mio que empatado com Aladdin, ou seja, está muito na frente de A Bela e a Fera, Cinderella, Rei Leão, o primeiro Malévola e Dumbo, que às vezes esqueço que existiu.  Os outros live actions, não vi, na verdade, até assisti a um pedaço de Peter Pan e Wendy e, bem, pelo pedaço, achei que não valeria ver por completo.  Colocar a menina andando de lá para cá em roupas de baixo e, não, no camisolão de dormir, como no desenho animado, me causou uma certa repulsa.  Não sei o que vai na cabeça de quem pensa que isso seria OK.

A proposta do live action da Pequena serei foi trazer o original para a tela, modificando algumas passagens e preenchendo lacunas.  Uma das mudanças significativas foi que Ariel não escreveu seu nome no contrato com a Bruxa do Mar, o acordo foi selado com sangue.  Até tropecei em uma matéria o Splash que comentava a opção do diretor por "corrigir" o original.  Se Ariel soubesse escrever, como na animação, ela poderia revelar quem era ao príncipe.  A opção do live action, quando após a sequência a música Beije a Moça (Kiss the Girl), a menina usa as estrelas para dizer seu nome ao príncipe. Ficou fofo e meio bobo, também, mas mais fofo que bobo.  😄

O filme aprofundou a relação entre o Rei Tritão e a vilã, Úrsula, mesmo que a razão do castigo da vilã não seja explicado. Segundo consta nesses livros paralelos da Disney, Úrsula é irmã e Tritão, mas não me perguntem como fica a irmã da Bruxa do Mar que aparece no segundo filme da Pequena Sereia, aliás, nem é função do filme explicar, ou o motivo pelo qual a vilã não é sereia, mas meio polvo.  Segundo consta nos livros, e eu só sei disso porque Júlia assiste o canal da Dear Maidy, Úrsula foi responsável pela morte da mãe da Ariel. 

O filme fala da morte da mãe da protagonista, diz que ocorreu quinze anos antes, mas não fala a idade de Ariel.  Na animação, ela tem 16 anos e as irmãs se reúnem para celebrar o seu aniversário.  Dentro da cultura norte-americana, ela seria uma debutante, pronta para ser apresentada à sociedade e para amar.  Tanto que seu pai não se aborrece ao suspeitar que ela está apaixonada, o problema é quando Sebastião, o caranguejo mordomo, acaba contando que o escolhido de Ariel é um humano.

Aliás, o filme é bem enfático em marcar a proibição que Tritão impôs às sereias de terem contato com humanos.  Eles foram responsáveis pela morte de sua rainha.  As irmãs de Ariel, uma delas, uma das que eram interpretadas por atrizes brancas e não me lembro qual, reclama que os humanos poluíam o mar com os detritos dos seus naufrágios, mas em nenhum momento é sugerido que Tritão é o responsável pelo aumento dos afundamentos.  Foi Úrsula?  Porque efetivamente há toda uma questão sobre o aumento do número de naufrágios, algo que é repetido várias vezes pela mãe de Eric.

E, sim, o príncipe tem uma mãe e esse acréscimo foi um dos pontos ruins do filme.  No original, nada era dito sobre a família de Eric.  Ele era órfão?  Provavelmente.  No filme, o reino do rapaz fica no Caribe, em uma pequena ilha e vi ecos de Enrolados na composição do castelo e mesmo nos uniformes dos guardas.  E ele foi encontrado em um naufrágio e adotado.  A rainha é interpretada por uma mulher negra, a atriz Noma Dumezweni.  A história da adoção em um filme que não parece ser color blind  tem como objetivo justificar um menino branco filho de pais negros.  O melhor seria escalarem um ator negro para o papel, aliás, eu torci para que o fizessem.

Enfim, as falas da rainha são quase sempre super protetoras, ela quer seu filho debaixo da sua saia.  E a história dos naufrágios, do mar perigoso, do fique quietinho por aqui, parecia uma reedição de Moana.  Nenhum dos diálogos dos dois eram necessários, a própria presença da mãe só serviu para castrar o príncipe e criar uma falsa equivalência entre ele e Ariel.  A menina é uma adolescente e tem um pai super controlador e protetor, ela deve se submeter a autoridade do pai, que também é o rei, e este conflito é fundamental para que ela acabe caindo nas garras de Úrsula. Entram nesta equação o etarismo e as hierarquias de gênero. Há uma falta de diálogo e muito autoritarismo.  Já Eric é maior e idade, é um homem, pela lógica do século XIX (*falaram em Império do Brasil em uma sequência com mapas*), ele seria o rei e a mãe não deveria ter toda essa ingerência sobre ele.

Ser adotado o incapacitava a assumir o trono?  De novo, se assim for, a ideia da adoção foi péssima.  Não parece ser assim, no entanto.   Enquanto Ariel se revolta e faz bobagem, mas se redime ao enfrentar Úrsula, além e fazer o pai refletir sobre seu comportamento, Eric recua.  Ele termina fazendo o que a mãe quer, inclusive quando já no fim do filme, ela diz que ele deve esquecer Ariel.  E bem no fim, e não darei detalhes, o filme tenta reforçar uma equivalência entre Eric e Ariel, como se as expectativas a respeito dos papéis de gênero, isto é, comportamentos esperados socialmente de homens e mulheres, fossem os mesmos, as pressões de mesma ordem.  Enfim, os príncipes desses live actions têm sido vítimas de releituras que os apequenam ainda mais, como se para as princesas brilharem seus interesses românticos precisassem ser rebaixados. 

Eric nem era lá tão expressivo no original, mas  esse domínio materno e a atitude de menino que faz travessuras quando ele sai para mostrar a ilha para Ariel não ajudam muito a torná-lo mais interessante.  Quando temos a longíssima sequência dele com Ariel na carruagem, Eric foi altamente negligente quando deixou que ela quase atropelasse um monte de gente sem ter lhe tomado as rédeas.  Era visível que ela não sabia guiar, não seria machista assumir o comando da situação para impedir que pessoas se machucassem.  Já escrevi em outras resenhas que deixar que uma mulher faça bobagens, se coloque em situação de risco real por teimosia, não torna uma personagem masculina melhor e uma feminina mais empoderada. De novo, esse tipo de atitude só torna o príncipe um boboca.

Falando de Halle Bailey como Ariel, a menina é muito expressiva e passa no olhar todo o deslumbramento pelo que é novo, seja o mundo dos humanos, seus objetos, cores, sabores, ou o amor.  E Bailey tem um ar inocente que combina com a personagem.  Ela criou uma belíssima Ariel, já Jonah Hauer-King não teve a chance de fazer um príncipe memorável, ele pareceu inexpressivo e eu tenho boas lembranças dele como Laurie da última versão de Little Women da BBC.  Mas eis que o problema pode residir aí, ele parece um menino, mesmo não sendo mais.  E eu não posso avaliar mais do que a expressão física e facial, porque tive que assistir dublado.  Aliás, o príncipe também canta neste filme, trata-se de uma música inédita.

Agora, as escolhas ruins do filme em relação à Ariel estão ligadas ao figurino.  Não sei de quem foi a ideia de colocá-la vestindo cores tão desmaiadas que não a destacam em momento algum.  Sua faixa de cabelo também não tem uma cor vibrante.  É tudo sem graça e retiram um pouco do brilho da beleza da atriz.  E vejam que o figurino no geral é bom, confuso quanto à época em que parece se passar, mas guardaram as cores para as demais personagens e não foram gentis com a protagonista.  E há uma cena desnecessária com espartilho, aquela história de apertar a mocinha para mostrar o quanto o mundo era repressivo com as mulheres.  Acredito que seria mais interessante focarem no horror da descoberta de como os seres humanos tratam os peixes, o mar, ou imaginam as sereias.

Enfim, o vestido de Ariel no filme, assim como no desenho, tem um corpete, que fica por fora, ou seja, o espartilho não era sequer necessário e a maioria das atrizes em cena com roupas semelhantes à Ariel parece não estão usando a peça.  E lhe tacam salto alto, também, mas logo ele seja descartado por motivos óbvios.  Só que a roupa que lhe deram se assemelhava a das mulheres comuns a ilha e elas usam sandálias.  Por qual motivo lhe dariam botinhas?  Deveriam ter economizado nessas cenas clichê e mantido a sequência em que Sebastião é perseguido pelo cozinheiro, uma das mais divertidas do original, além de ter a música Les Poissons.  Aliás, não houve a cena do jantar, ela usa o garfo como pente em uma sequência criada para o live action.

Outra coisa, o filme não ficou escuro como os trailers sugeriram.  Apesar de colocarem Ariel vestindo roupas em cores pastéis e apagadas quando estava na terra, as cores do filme são bem vibrantes, seja no fundo do mar, ou em terra.  E isso foi um alívio, eu temia pelo pior.  Aliás, acertaram nas cores da Simone Ashley, que faz uma das irmãs de Ariel, ainda que ela pouco apareça em cena. Outras irmãs têm mais destaque.  Já os bichos, os olhos de Sebastião até ganham certa expressividade, mas Linguado em sua versão realista ficou muito triste.  Já a ave conselheira, o Sabidão, que no filme é um idoso que parece conhecer o mundo dos humanos, recebeu uma dublagem estranha, ao invés da voz de velhinho, tinha voz de mulher.  Eu realmente não entendi a escolha.

Javier Barden estava muito bem como Tritão, com a presença que o soberano dos Mares precisava.  O aio do príncipe, Grimsby (Art Malik), tem bons diálogos e algumas cenas de humor interessantes, agora, ele não parece ser primeiro-ministro, como a Wikipedia coloca, e eu não pude evitar de imaginar que ele e a rainha tinham um caso secreto.  Melissa McCarthy entregou uma ótima Úrsula, mas senti falta das suas vítimas na caverna.  Vanessa (Jessica Alexander), a versão humana da vilã, parecia uma vilã de Malhação, ou filme norte-americano juvenil.  Tudo nela gritava falsidade, por assim dizer.  Que mocinha inocente vai usar lingerie e unhas pretas?  No original, a coisa não era tão na cara assim.

A Pequena Serei não me decepcionou como uma releitura do desenho original.  Para quem esperava grandes rupturas, esqueça, é Disney e é um produto infantil, os maiores arroubos estão na escalação de um elenco diverso, o que nos deu uma excelente Ariel que deve estar alegrando o coração de muitas meninas pelo mundo.  E antes que alguém venha me falar que é um conto nórdico e que a sereia original era branca, favor ler o texto que escrevi sobre como as sereias foram representadas ao longo da História.  As sereias gregas não eram como as representações que se tornaram usuais a partir do século XIX.

Não comentei, mas o conto A Pequena Sereia é um original de Hans Christian Andersen, ou seja, não é derivado de histórias folclóricas.  Foi publicado em 1837 e conta a história de uma sereiazinha que não quer somente o amor, ela deseja se tornar humana para ter uma alma imortal, já que, ao morrerem, as sereias se transformam em espuma.  No fim das contas, ela não realiza o seu desejo de ser amada por seu príncipe, mesmo suportando dores excruciantes para conseguir andar com as pernas que a Bruxa do Mar lhe deu e fazendo-lhe as vontades.  Lembro que quando eu vi uma versão animada soviética exibida na TVE, o príncipe toma a sereia como amante, mas casa com outra.  Enganado, claro, mas mostra nenhum amor, ou respeito por ela.  

Segundo consta, Andersen escreveu A Pequena Sereia para falar do seu amor não correspondido por um amigo, Edvard Collin,  Andersen parece ter desenvolvido fortes sentimentos por Collin, mas o sujeito retribuiu da mesma forma.  De qualquer maneira, Collin terminou se casando com uma mulher, o que era o esperado em uma sociedade heteronormativa, o que partiu o coração do autor da Pequena Sereia e nos rendeu esse lindo e triste conto.   Resumo da história, A Pequena Sereia é um conto que fala de um amor homoerótico não retribu´do, simples assim.

Há um número razoável de músicas, as originais e outras novas.  No geral, ficaram muito boas na versão brasileira.  Vi gente comentando que os efeitos especiais foram ruins e houve comparações com Avatar.  Bem, não sou a melhor pessoa para avaliar isso.  Para mim, estavam OK e eu não tenho nenhum interesse por Avatar.  Aliás, um filme pode encher os olhos com o uso da tecnologia mais apurada e não ter alma, coração, e mesmo um roteiro realmente interessante.  A Pequena Sereia live action não é brilhante, mas conseguiu ser um bom filme.  Isso me basta.

Concluindo, repito que toda e qualquer releitura live action de animação da Disney me parece desnecessária.   Há muitas histórias para contar e recontar o que já foi bem feito é somente uma forma de tentar conseguir dinheiro fácil dos saudosistas e curiosos e um tanto de preguiça, também.  Espero que A Pequena Sereia tenha atendido às expectativas de bilheteria, porque com a estreia do Aranhaverso 2 a disputa vai ser muito cerrada.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

E a revista Margaret completou 60 anos com edição histórica para as leitoras

Capa do primeiro volume da Margaret, abril de 1963.

O Oricon, aquele portal que publica várias coisas, inclusive os rankings de mangás mais vendidos do Japão, publicou um artigo celebrando os 60 anos da revista Margaret e comentando rapidamente a edição comemorativa dos 60 anos da revista e suas séries mais significativas.  Eu vou trazer em linhas gerais as informações que estão no artigo:

Attack Nº1, edição 16, 1968.
Ace Wo Nerae, edição 38, 1974.

A Margaret foi lançada em abril de 1963 como a primeira revista semanal para meninas incluindo, como era comum na época, não somente mangás, mas uma revista mais abrangente trazendo mangás, fotonovelas, algumas páginas coloridas, artigos sobre moda, culinária e tudo mais que fosse de interesse, segundo os editores, das meninas da época.  Com o tempo, ela se tornou uma antologia de mangás cujos temas giram em torno do amor e dos sonhos de protagonistas que, normalmente, são meninas do ginasial e ensino médio.  Em 1988, a revista deixou de ser semanal e tornou-se quinzenal.  Na verdade, nenhuma das revistas para meninas é semanal faz muito tempo.  

Pink to Habanero, edição 19, 2022.
Rosa de Versalhes, edição 12, 2014.

Segundo o artigo da Oricon, a criação de revistas semanais estava ligada a uma sintonia entre o que era lançado na TV, e imagino que não somente animação, porque fala na preparação para as Olimpíadas de Tokyo, e a necessidade de informar as leitoras e promover produtos e comportamentos.  A partir aí, o artigo dá destaque aos trabalhos mais significativos dos últimos 60 anos da revista e todas as capas que eu coloquei aqui são da matéria.

Mei-chan no Shitsuji, edição 10, 2017.
Hibi ChouChou, edição 13, 2015.
Tsubaki-chou Lonely Planet, edição 6, 2019.

Attack Nº1 (アタック No.1) de Chikako Urano, Versailles no Bara (ベルサイユのばら) de Riyoko Ikeda, Ace wo Nerae! (エースをねらえ!) de Sumika Yamamoto, Hana Yori Dango (花より男子) de Yoko Kamio, Mei-chan no Shitsuji (メイちゃんの執事) e  Mei-chan no Shitsuji DX de Riko Miyagi, Hibi ChouChou (日々蝶々) de Suu Morishita, Tsubaki-chou Lonely Planet (椿町ロンリープラネット) de Mika Yamamori, Pink to Habanero (ピンクとハバネロ) de Mika Satonaka.  Curioso, é que não é citado nenhum título dos anos 1980 na matéria.  Será que nenhum mangá dessa década é lembrado na edição comemorativa?

Hana Yori Dango, edição 18, 2003.
Kimi to Barairo no Hibi, edição 12, 2023, comemorativa dos 60 anos. 

E foi publicado com a edição comemorativa dos 60 anos da revista, um apêndice especial da Margaret com 20 capas selecionadas dos grandes sucessos da revista, além de mais material comemorativo, como ilustrações dos casais de algumas séries, mas essas outras imagens, só no Comic Natalie. Coloquei três abaixo. 

Hana Yori Dango, Hibi ChouChou e Tsubaki-chou Lonely Planet.

Olhando, a matéria sobre a edição no CN, a imagem das capas estava maiorzinha e consegui identificar de cara Tsuki no Shippo (月のしっぽ), ou Tail of the Moon, da Rinko Ueda (*que tinha altas doses de erotismo e DU-VI-DO que entraria na Margaret hoje*), outra de Mairunovich (マイルノビッチ), da Zakuri Sato, mas não vi realmente capa que parecesse ser de série dos anos 1980.

Ilustrações especiais de Chihiro Hiro na edição comemorativa.
Capas escolhidas para a edição comemorativa.

Na capa histórica dos 60 anos, temos Kimi to Barairo no Hibi (きみとバラ色の日々) de Chihiro Hiro. Imagino que a festa não ficará somente nis, mas essa edição comemorativa parece ser lindíssima.  A matéria também informa que a Betsuma (Bessatsu Margaret) foi lançada em 1964, então, haverá comemoração no ano que vem, também.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Temos o primeiro vídeo de Firebrand e o filme dirigido pelo brasileiro Karim Aïnouz foi ovacionado em Cannes

Está rolando o festival de Cannes e o filme Firebrand, que é sobre a última e sobrevivente esposa de Henrique VIII, Catherine Parr, e é dirigido pelo brasileiro Karim Aïnouz, foi ovacionado por oito minutos.  Eu fiz um post comentando o filme, quando descobri que era do diretor de A Vida Invisível.  Alicia Vikander, que interpreta a rainha, fez um comentário muito interessante para o site Variety“O que mais tem sido dramatizado são as esposas que não sobreviveram, (...) [Quando li o roteiro] pensei imediatamente: 'Huh, não é interessante que a maioria das pessoas saiba mais sobre as outras esposas.' É quase como se as pessoas fossem atraídas por histórias bastante sombrias.”  

Pois é, ficam falando tanto de Ana Bolena, não a deixam descansar, quase sempre repetindo o que seus inimigos disseram sobre ela (*e recomendo o livro da Susan Bordo sobre as representações a cultura pop sobre Bolena*) e esquecem das outras esposas, ou falam pouco sobre elas, especialmente, as que sobreviveram à Henrique VIII, neste caso, Catherine Parr e Ana de Cleves.  E Jude Law está sendo muito festejado na sua horripilante representação de um Henrique VIII, quando já estava podre de doente.  Aliás, é bom que mostrem esse Henrique, também, não somente o apaixonado por Ana Bolena, o que quer se livrar de Katarina de Aragão, ou um gordinho bonachão.   Enfim, não saiu o trailer, mas já temos um clip do filme:

Parece ser uma sequência ligada a quase condenação de Catherine Parr à morte, quero ver o trailer desse filme.  Concluindo, eu fiquei positivamente impressionada com uma representação do French hood, como um capuz e verdade e, não, uma espécie de tiara que deixava os cabelos das mulheres à mostra.  O figurino, e o Frock Flicks não comentou ainda, me parece muito correto.  

terça-feira, 23 de maio de 2023

Ōoku: Data de estreia e trailer

Ontem, saiu o cartaz do anime de Ōoku (大奥), série da Netflix baseada no mangá homônimo de Fumi Yoshinaga, com a data de estreia, 29 de junho.  Ōoku conta uma história alternativa do Japão (ucronia), na qual uma epidemia de varíola vermelha  dizimou a população masculina, e as posições de poder e no mundo do trabalho foram ocupadas pelas mulheres, primeiro emergencialmente, depois definitivamente e o passado foi esquecido.  Há indícios de que as coisas um dia foram diferentes, mas o segredo é guardado.  Neste Japão alternativo, a shogun, líder político-militar do país tem o privilégio de ter um harém, o Ōoku, cheio de homens jovens e lindos a seu dispor, enquanto a maioria das mulheres sequer têm condições de ter um marido para chamar de seu.  Há resenhas de todos os volumes de Ōoku no blog, é só clicar na tag. Eu ia fazer um post, não fiz, ficou para hoje e eis que saiu o trailer.  Ele está abaixo.

O trailer mostra o que será abordado na série animada, e que é a mesma parte do mangá que já virou filme para o cinema (2010), série de dorama (2012) e dorama este ano, e que terá segunda temporada.  Teremos Yoshimune, a sétima shogun, ou seja, a história do primeiro volume e o primeiro arco da série, a história de Arikoto e Iemitsu.  Estou curiosa?  Estou, mas eu queria mais que isso, OK.  

domingo, 21 de maio de 2023

Novo Shoujocast no Ar! Quais os dez mangás shoujo mais românticos, segundo os japoneses? Quer saber quem está na lista?

Você gosta de listas?  Então, o site Gooranking fez uma pesquisa e listou os 55 shoujo românticos que são uma obra-prima.  Como ia ficar difícil comentar tudo, decidi fazer um vídeo com o top 10 da lista?  Quer descobrir quem apareceu?  É só assistir o novo Shoujocast.


Este Shoujocast usa como base a pesquisa do Gooranking que publiquei dias atrás.  Ela tem 55 títulos, se quiser saber quem está lá, é só clicar aqui.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Brinde de Akatsuki no Yona com a nova edição da Hana to Yume e outras notícias da revista

Segundo o Comic Natalie, edição atual da revista Hana to Yume traz dois pôsteres de Akatsuki no Yona (暁のヨナ) como brinde.  A série, que será lançada no Brasil pela JBC, é uma das mais importantes da revista.  Também nesta edição, uma entrevista com o elenco do dorama de Tsuiraku JK to Haijin Kyoushi (墜落JKと廃人教師), que eu não sabia que tinha sido anunciado.  Eu realmente não estava sabendo, mas já achei várias fotos por aí, está no ar desde abril.  (Shame on me)

Já na próxima edição da revista, que sai em 5 de junho, teremos brinde de Niehime to Kemono no Ou  (贄姫と獣の王), será um clearfile com uma ilustração inédita.  O anime da série está para estrear.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Mangá é disponibilizado on line gratuitamente para homenagear autora recém falecida

Não conhecia a mangá-ka Tatari Takayama, mas ela faleceu recentemente.  Seu mangá G-Pen Magic - Nozomi to Kanae (Gペンマジック のぞみとかなえ) foi publicado na revista Mystery Bonita e parece emular uma arte shoujo como era feita nos anos 1960.  Segundo a Wikipedia japonesa, sua principal obra se chama Kyoufu no Kuchi ga Me Onna (恐怖の口が目女), um mangá de terror.

Enfim, o Comic Natalie trouxe um post comentando que por vontade da família da mangá-ka, sua série G-Pen Magic - Nozomi to Kanae será republicada gratuitamente na revista on line Manga Cross.  A série, que é de comédia, se foca em um clube literário de uma escola ginasial e na relação da professora Fubuki com duas alunas, Nozomi e Kanae.  

Os japoneses escolheram os mangás shoujo mais românticos de todos os tempos.


Passei pelo Gooranking ontem e havia uma pesquisa obrigatória, afinal, a ideia seria mapear o shoujo mangá mais romântico na opinião dos votantes, não entrou mangá de revista josei, só shoujo mesmo.  A pesquisa fala da importância de algumas séries, que tiveram anime, dorama e outros derivados, e que fizeram sucesso não somente com meninas, o texto da pesquisa fala em mulheres e homens.  Curiosamente, meu querido sexto lugar não teve nada disso, salvo uma montagem tardia do Takarazuka, vários anos depois de seu término.  


E é importante frisar que a ideia é e romance, não romance escolar, mas que materiais como Sailor Moon, ou mesmo um Rosa de Versalhes, não entraram entre os 55 citados.  E foram muitos mangás votados mesmo, 55 é bastante, o que pulverizou os votos que nem foram tantos assim, só 870.  Agora, o legal é que lembraram dos anos 1980, que foram importantes para o shoujo mangá e, às vezes, salvo por Tokimeki Tonight, são esquecidos, então, estou feliz por Hot Road  E Ai Yazawa apareceu duas vezes no top 10.  Do top 10, saíram no Brasil, Kimi ni Todoke, Marmalade Boy, Nana e Ore Monogatari!!  Tenshi Nanka ja Nai já poderia ter saído e teria público certo, além de ser curto.

1. Hana Yori Dango - 122 votos
2. Kimi ni Todoke - 65 votos
3. Tokimeki Tonight - 56 votos
4. Marmalade Boy - 36 votos
5. Itazura na Kiss - 33 votos
6. Anatolia Story - 30 votos
7. Nana - 29 votos
8. Tenshi Nanka ja Nai - 28 votos
9. Hot Road - 24 votos
10. Ore Monogatari!! - 19 votos


A segunda bateria de títulos é aberto por Yona, que logo sairá pela JBC.  E temos títulos que tiveram anime, como Ookami Shoujo to Kuro Ouji, ou vários doramas, caso de Hanakimi (Hanazakari no Kimitachi e), um grande sucesso interminável, porque tem várias sequências, que é Mei-chan no Shitsuji.  E temos um hit o momento, Honey Lemon Soda.  Neste bloco, temos a primeira aparição de Io Sakisaka, acredito que ela seja a autora que mais apareceu.  Deste grupo, saíram no Brasil Love★Con e Ao Haru Ride.

11. Akatsuki no Yona - 16 votos
12. Ookami Shoujo to Kuro Ouji - 15 votos
13. Heroine Shikkaku - 14 votos
14. Mei-chan no Shitsuji - 13 votos
14. Love★Con - 13 votos
14. Kamisama Hajimemashita - 13 votos
14. Kanojo wa Uso o Aishisugiteru - 13 votos
14. Hanazakari no Kimitachi e - 13 votos
19. Ao Haru Ride - 12 votos
19. Honey Lemon Soda - 12 votos


Terceiro grupo começa com Koukou Debut, que já deveria ter saído aqui e tem a mesma roteirista de Ore Monogatari!!, Kazune Kawahara.  Que saíram no Brasil, temos Omoi, Omoware, Furi, Furare (FuriFura), segunda aparição de Io Sakisaka, e Kareshi Kanojo no Jijou (Karekano).

19. Koukou Debut - 12 votos
19. Omoi, Omoware, Furi, Furare - 12 votos
19. Coffee & Vanilla - 12 votos
19. Kurosaki-kun no Iinari ni Nante Naranai - 12 votos
19. 12-sai。- 12 votos
26. Kareshi Kanojo no Jijou - 11 votos
26. Kyou no Kira-kun - 11 votos
26. Hirunaka no Ryuusei - 11 votos
26. Renai Catalog - 11 votos
26. Gozen 0-ji, Kiss Shi ni Kite yo - 11 votos


Último grupo agora, juntando quem ficou do 31º ao 55º lugar.  Ele ao da menina gorda que sai do coma magra e que teve anime e dorama.  A seguir, o queridíssimo orange, que começou shoujo (Betsuma), mas terminou em uma revista seinen, vem em seguida.  Aozora Yell, outro mangá de Kazune Kawahara, é lembrado, se contarmos somente o roteiro, ela aparece tanto quanto Io Sakisaka, que foi lembrada mais uma vez com Strobe Edge.  L・K, acredito que seja um erro e o correto seja L♥DK.  Procurei e não achei nenhum L・K.  Deste grupo, saíram no Brasil, orange e o belíssimo Sunadokei.

31. Watashi ga Motete Dousunda - 10 votos
31. orange - 10 votos
31. Liar x Liar - 10 votos
31. Teacher! - 10 votos
35. Namaikizakari。- 9 votos
35. Fushigi no Kuni no Arisugawa-san - 9 votos
35. Takane no Ran-san - 9 votos
38. Suteki na Kareshi - 8 votos
38. Suki tte Ii na yo。- 8 votos
40. Hananoi-kun to Koi no Yamai - 7 votos
40. Tonari no Kaibutsu-kun - 7 votos
42. Tsubaki-chou Lonely Planet - 6 votos
42. Uso Kano - 6 votos
42. Bokura ga Ita - 6 votos
42. Kisu yori mo Hayaku - 6 votos
46. Strobe Edge - 5 votos
46. Boku ni Hana no Melanchol - 5 votos
46. Boku no Hatsukoi o Kimi ni Sasagu - 5 votos
46. Hajimete Koi o Shita Hi ni Yomu Hanashi - 5 votos
50. Takane to Hana - 4 votos
50. L・K - 4 votos
50. Sensei Kunshu - 4 votos
50. Last Game - 4 votos
50. Sunadokei - 4 votos
55. Aozora Yell - 3 votos
55. Haru Matsu Bokura - 3 votos
55. Mune ga Naru no wa Kimi no Sei - 3 votos
55. P to JK - 3 votos
55. Ani ni Ai Saresugite Komattemasu - 3 votos
55. Anitomo - 3 votos


P.S.: Como bem pontuou a Tabby no Twitter, onde está Mars?  Onde?

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Comentando "L'évasion de Louis XVI" (A Fuga de Luís XVI): Parece que a tentativa midiática de reconstruir a imagem e Luís XVI é mais antiga do que eu pensava

Abri o Youtube mis de duas semanas atrás (*para vocês verem quanto tempo estou com este texto parado por aqui*) e ele me sugeriu um docudrama chamado "L'évasion de Louis XVI" (A Fuga de Luís XVI), curiosamente, estava com título em português, aquelas traduções automáticas que a plataforma faz, e legendas geradas em nossa língua.  Como estava já no embalo, afinal, tinha assistido ao especial da Rosa de Versalhes (*que pretendia resenhar e não sei mais se o farei*) e estou falando exatamente de Revolução Francesa com as minhas turmas no trabalho (*agora, já cheguei em Napoleão*), acabei assistindo.  

O que me pegou foi, logo no início, o tal docudrama propor mostrar o Luís XVI para além da "legenda negra", do homem indolente, lento de raciocínio e GORDO, mostrando um rei comprometido com seu povo, culto, inteligente e que amava sua família.  "Vem bomba por aí!"  E veio, claro!  Não tinha como um negócio como esse dar certo.  🤗  Mas comecemos com o resumo oficial do filme:  "Para salvar seus filhos  do terror e sua esposa, Maria Antonieta, da condenação popular, o rei Luís XVI, disfarçado de bom burguês, foge incógnito do Palácio das Tulherias, onde é prisioneiro. Mas nada sairá como planejado. O fracasso de sua fuga terminará um ano depois com a decapitação do rei e da rainha da França."  

"L'évasion de Louis XVI" faz parte de uma série histórica do canal France 2 chamada "Ce jour là, tout a changé" (Naquele dia, tudo mudou) e que tinha como objetivo enfocar pontos de virada na história da França.  Aparentemente, foram somente cinco episódios, todos exibidos em horário nobre, entre 2009 e 2010.  Sim, achei que era coisa nova, mas não era.  O foco dos episódios é sempre nos "grandes homens" (Henrique IV, Napoleão, De Gaulle, Carlos Magnos etc.) e, ao que parece, deixando um rastro de controvérsias, especialmente, este episódio sobre Luís XVI.  Quando comecei a escrever este texto terminei tropeçando em uma carta aberta de historiadores e historiadoras apontando os erros (*ou falsificações*) do episódio e, o que é mais importantes, condenando a autoridade educacional parisiense à época por endossar o material e promover sessões especiais para o público escolar.

Mas o que foi a Fuga para Varennes?  A Revolução Francesa começou (*oficialmente*) em 14 de julho e a partir de outubro de 1789, a família real foi obrigada a residir no Palácio das Tulherias, bem no centro de Paris, e estava sujeita a todo tipo de pressão por parte do povo da cidade e da Assembleia.  O rei mantinha os poderes executivos em um sistema tripartite (*Executivo-Legislativo-Judiciário*), mas não tinha condições de vetar nenhuma lei.  Em 12 de julho de 1790, a Constituição Civil do Clero obrigou os sacerdotes a jurarem obediência às leis do Estado francês; o papa reagiu ameaçando os que se submetessem de excomunhão.  Ao não vetar a lei, o rei perdeu o apoio de muitos membros da nobreza, vários de seus parentes deixaram a França, e Luís XVI se viu pressionado pelos revolucionários a não aceitar os serviços religiosos de sacerdotes não-jurados.  

O rei e sua família eram vigiados de perto, seus papéis revistados e se encontraram indícios de que eles tocavam cartas com inimigos da França (*emigrados, líderes estrangeiros*).  Diante dessas pressões, o rei finalmente aceita um plano de fuga planejado pelo Conde Fersen (*amante, platônico, ou não, de Maria Antonieta*) e do General Bouillé, única pessoa citada por nome na Marselhesa e que resistia à Revolução na região de Montmédy.  A fuga durou pouco, 20 a 21 de junho de 1791, e, depois de vários erros, o rei foi reconhecido em Varennes, a família capturada e trazida de volta para Paris.  A partir daí, a monarquia estava com os dias contados, pois o rei seria acusado de traição por tentar sair da França e de se aliar à tropas estrangeiras.  Na verdade, a rota fora planejada para evitar que a fronteira fosse cruzada, mas já era tarde e o furor revolucionário estava a todo vapor.

"L'évasion de Louis XVI" conta a história da Fuga para Varennes pelo olhar de Luís XVI, interpretado por Antoine Gouy, um ator bonitão e magro.  Aliás, um dos pontos de partida do filme seria negar a obesidade do rei, afirmando ser difamação.  Só que o monarca era chamado pelo povo revoltado de "Luís, o gordo", em determinado momento do docudrama, o Duque de Orleans (Erick Deshors), um dos vilões dessa história, chama o primo de "gordo", também, o que é ridículo, porque o ator em questão não é gordo.  Foi como no filme A Revolução em Paris, aliás, há muito em comum entre os dois filmes, que estão em espectros políticos diferentes, mas buscam reconstruir a imagem de Luís XVI.  

Olha, vamos começar por essa gordofobia mal disfarçada?  Falando dos irmãos do rei, a tomar por seus retratos de antes da Revolução Francesa, Madame Elisabeth e o Conde de Artois (*futuro Carlos X*) não eram gordos para os padrões da época, já o Conde de Provence (*futuro Luís XVIII*) e Madame Clotilde eram, assim como Luís XVI.  Gordos eram discriminados?  Sim, isso já ocorria, mesmo que não da forma doentia do século XX e XXI.  Há um livro inteiro o Georges Vigarello discutindo como a obesidade foi tratada no Ocidente, e, bem,  ela  não era impeditivo para que um sujeito fosse um bom rei.  Daí, é curiosa essa preocupação do docudrama em negar a obesidade do rei, ou tomá-la como ofensa, ou algo que o diminuísse como governante e, muito provavelmente, homem.

O Luís desse filme não é gordo, é magro e elegante, charmoso, bonito, decidido, um homem cheio de virtudes e pacifista.  O filme repete, sabe-se lá quantas vezes, que ele jamais lançaria tropas contra o seu povo, nunca se aliaria à potências estrangeiras contra os franceses, além de sonhar com uma monarquia constitucional, mas não com aquela constituição já aprovada.    O problema, e a carta dos professores reclamando do episódio foi enfática nisso, é que o filme ignora a cronologia da Revolução Francesa.  Não havia constituição ainda, ela só viria em setembro de 1791, da mesma forma que não havia Terror, ele só começaria em meados de 1793.  

Atropelaram tudo e foi de propósito, segundo a carta dos professores, trata-se de um projeto da extrema-direita católica monarquista (*ficou meio redundante isso aqui*) do país de demonizar a Revolução Francesa desde as suas origens.  Por exemplo, há o flashback, uma das várias recordações de Luís XVI, da Marcha das Mulheres sobre Versalhes (5 de outubro de 1789).  O rei está caçando como se nada estivesse acontecendo, tal e qual o rei na Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら), mas não com um ar cômico, porque esse rei é uma figura séria, e chega alguém comentando que as mulheres estariam marchando sobre Versalhes para exigir que ele vá para Paris.  Luís XVI diz que se recusa a abandonar a residência de seus ancestrais e ri do fato de serem mulheres.

O cara que vem avisar se apressa em informar que a maioria eram homens vestidos de mulher.  Mentira, havia homens vestidos com roupas femininas, ou não, mas a maioria eram mulheres mesmo e armadas.  E o próprio filme mostra que havia muito mais mulheres do que homens, mas colocam os representantes do sexo masculino como muito violentos, parecendo aqueles saídos de delírios transfóbicos sobre sujeitos que se vestem de mulheres para cometerem crimes.  Já as mulheres, várias tem cabelos desgrenhados, olhar esbugalhado, parecidas com as saídas de ilustrações difamatórias sobre bruxas.  E elas vociferam insultos contra a rainha, o que realmente aconteceu.  Uma delas chega a cortar o braço, lamber o sangue e dizer que faria o mesmo com Maria Antonieta.  O filme não mostra a intervenção de Lafayette (*porque no filme, ele é vilão*) para salvar a família real, nem a rainha se curvando no balcão, a ênfase é no retorno de Luís XVI, o pai e marido protetor, para acalmar todo mundo e acabamos não sabemos como a turba é contida.  Corta a cena para a carruagem levando a família real para Paris com cabeças enfiadas em pedaços de pau e o povo cantando Ça Irá.  

No docudrama, o rei é um democrata exemplar, ainda que acredite (*eles não conseguem fugir disso*) ser rei por direito divino.  Durante a sua fuga, é sempre enfatizado que os ideais revolucionários são compartilhados por poucos, que o rei é amado e respeitado, que a monarquia é sólida e inquestionável.  Em um dado momento, um camponês reconhece o monarca , que não nega quem é, beija-lhe as mãos, recomenda que tenha cuidado e lamenta os tempos sombrios nos quais vivem e que "todo mundo se sente explorado".  Sim, pessoal, esta fala é colocada na boca de um camponês, é como o escravizado em Força de um Desejo defendendo o senhor e sua necessidade de ter escravos.

Que o rei era menos odiado que muitos membros da nobreza e da família real, é fato, demorou muito para que o ódio popular, ou parte dele, se voltasse contra o monarca.  Luís era visto mais como um fraco, alguém inadequado para ocupar o lugar de rei, do que alguém que deliberadamente prejudicasse o seu povo.  Enfim, ele seria um sujeito que, se não tivesse nascido na família real ou da alta nobreza, talvez pudesse ter sido um bom padre, um excelente mestre escola, um cientista ou intelectual de respeito.  O problema é que ele era rei, não foi devidamente preparado e fugiu de suas obrigações mínimas.  Sim, estou falando de sexo aqui e terei que comentar como o episódio foi vil com Maria Antonieta.

O Luís XVI do filme é apaixonadíssimo por sua rainha, as imagens que escolhi apontam para isso, mas faz questão de enfatizar que ela não cumpriu com suas funções de rainha e esposa.  Em um flashback, Antonieta mostra ao marido os panfletos difamatórios; ele comenta que o chamam de corno com um olhar significativo para ela, depois, pontua que aquele tipo de material não representa nada, mas que eles não existiriam se ela se comportasse melhor, gastasse menos (*todos na corte gastavam muito*) e fosse caridosa (*Antonieta era caridosa  dentro dos padrões da sua época*). Ela diz que abandonará o Petit Trianon, seu palácio particular onde a etiqueta não era seguida.  Neste momento, o narrador diz que Antonieta cometeu um erro ao alijar a alta nobreza ao se isolar no Trianon, e que era alvo de toda a atenção negativa do povo, porque seu marido não tinha amantes. Duas pequenas verdades.  

A seguir, o rei pontua que o povo a veria como uma mãe se ela agisse como uma rainha de verdade.  Assim como na Rosa de Versalhes, o rei estava entregue ao seu hobby, fazer chaves, enquanto o mundo desabava ao seu redor, só que o rei desse docudrama se dá ao direito de dar lições de moral em todo mundo, porque ele era um modelo de virtude e cumprimento do dever.  Mais tarde, durante a fuga, ele a acusa mais de uma vez de odiar o povo francês, logo, o ódio que sentiam contra Maria Antonieta seria justificado.  Bem, Maria Antonieta fez o possível para ser francesa e ser amada por seu povo, mas, desde o início, foi chamada de L'Autrichienne, a austríaca, mas, também, um trocadilho para autri-chienne, cadela austríaca.  Acusá-la e não amar os franceses é endossar a difamação feita contra a rainha, ou seja, para elevar Luís XVI, se deve vilanizar, ou rebaixar, sua esposa.

Em outro flashback, não se sabe por qual motivo, o rei, que está no meio de uma caçada, recebe uma carta e amor de Fersen para a rainha por engano (!!!).  Ele quase desmaia, é segurado pelos seus acompanhantes.  Em seguida, entra em um frenesi sanguinário, um negócio estranhíssimo, atiça seus cães contra um cervo abatido e se delicia em vê-los dilacerarem o animal.  Depois, coberto de sangue, invade a tenda onde a rainha joga cartas.  Expulsa todo mundo, a acusa de não ser caridosa com os pobres.  Ela tenta fazer piada e ele fica violento, pensei que iria bater nela.  Fala de Fersen, ela nega o romance.  Ele diz que faz tempo que sua cama é usada somente para dormir.

Ora, quem deve ser ativo nesse caso?  O rei.  Há papéis de gênero a seguir e a produção faz questão de dizer que Luís cumpre todos, curiosamente, neste caso, joga a culpa na esposa.  Uma rainha não deveria ir bater na porta do marido em busca de sexo, fora isso, apesar do filme dar a entender que só há uma cama, cada um tinha seus próprios aposentos, mesmo nas Tulherias, isso é mostrado.  Luís XVI não tinha lá tanto interesse por atividades sexuais, aparentemente, nunca teve uma amante, mas deveria ter como prioridade gerar descendência.  O casamento demorou cerca de sete anos para ser consumado e a culpa recaiu sobre Antonieta.  Quando vieram os filhos, ela foi acusada em panfletos e cochichos de adultério, ou de tentar matar seus próprios filhos. O filme tenta fazer crer que ela se negava ao marido, que seria um homem amoroso e apaixonado.  Não há evidência disso em fonte alguma.

O que Antonieta faz diante da acusação do marido?  Tira a saia do vestido e se coloca diante do marido, se oferecendo a ele.  Não sei se quem subiu o vídeo no Youtube jogou blur, ou se é do original, mas não vemos a nudez da atriz, porque o filme é fiel e ela está sem roupa de baixo.  Aparentemente, eles fazem sexo.  Ele todo sujo de sangue.  Deve ser uma forma da película afirmar a virilidade do rei, mas eu sempre acho essas cenas de sexo com gente ensanguentada um negócio meio doentio; não tenho fetiche por essas coisas, não, mas cada um com seu cada um.

Durante a fuga, conhecemos Fersen (*fotos abaixo*) e ele tem uma cara de menininho, parece um adolescente mesmo. O ator que o interpreta, Martin Douaire,  deveria ser bem novinho na época do filme e não tem biografia nem no IMDB, nem na Wikipedia.  Tive que parar os créditos para localizá-lo. A ideia é clara, fazer o contraponto entre o rei, um homem adulto, e um menino, quando, na realidade, eles tinham mais ou menos a mesma idade. 😄 Aliás, assim como em Maria Antonieta de 1938, a atriz que faz a rainha, a lindíssima Estelle Skornik, é bem mais velha que o ator que faz o rei e o que faz Fersen.  Fora isso, o conde sueco parece tímido e inseguro e está no filme para ser esculhambado por Luís XVI, o homem perfeito, um macho alfa, que o olha de cima e com ódio e desprezo. Durante suas poucas cenas, Fersen troca olhares apaixonados e amedrontados com Antonieta, que se encolhe diante do marido.  

Sim, o Luís XVI do filme deve bater nela, a pegou pelo braço de forma rude, teve a cena violenta dele ensanguentado, a gente só não viu a agressão se concretizando em tela.  Maria Antonieta, segundo fontes da época atribulada que eles estavam vivendo, se comportava como o homem da família.  Sim, é um elogio machista para ilustrar que o rei estava apático e chocado e ela, a rainha, é que tinha que tomar a frente das coisas. O filme inverte essa relação e reforça hierarquias tradicionais de gênero, na Fuga, ela se atrasa e o rei vai sozinho buscá-la, porque, segundo ele, ela vive se perdendo e se atrasando.  Uma desastrada que precisa de uma mão masculina forte.  Aliás, Antonieta não sabe de nada da fuga, o rei esconde tudo dela, porque, claro, não confia na esposa, afinal, ela não ama a França (*segundo ele*) e é uma absolutista e, não, um democrata como o rei. 😏

Enfim, o bonitinho do Fersen é dispensado logo no início da fuga, o que é historicamente correto, porque o rei, neste filme, não aguenta mais olhar para ele e, claro, tudo termina muito mal.  Aliás, o rei vai parando com a carruagem pelo caminho para testar sua popularidade com as lavadeiras e os camponeses e mostrar para a gente que a Revolução Francesa era mania de parisiense e que somente Maria Antonieta era odiada.  Como digo para meus alunos e alunas, com mais de 80% de camponeses na população, não havia como fazer revolução sem o apoio dos camponeses, ou de parte considerável deles.  Ah!  Mas vamos falar dos vilões?  Porque tem vilão de montão nesse filme e as caricaturas ficaram até bem divertidas.

Na leitura dessa produção, todos os que defendiam a revolução eram malvados, alguns, mais ridicularizados que outros, claro.  O primeiro vilão a dar as caras é o Marquês de LaFayette (Patrice Juiff).  Ele lutou na guerra de independência dos EUA (*e o rei se arrepende de tê-lo mandado para a América*), ele foi o principal redator da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ele garantiu a vida da família real quando da marcha das mulheres, mas no docudrama, ele é o sujeito mau, porém inteligente e calculista.  Ele ameaça Léonard (Xavier Aubert), o cabelereiro de Maria Antonieta, e tenta obrigá-lo a espioná-la.  O afetado Léonard pergunta assustado "O senhor está me ameaçando de morte.", no que Lafayette se chega mais para perto e diz sem mover um músculo "É óbvio que estou.".  É o tipo de vilão sincero que eu aprecio.

Léonard, aliás, é colocado no filme como um estereótipo de afeminado em oposição a modelos de virilidade militar (*e muito mais modernos do que típicos do século XVIII*), quando, se muito, ele era um fop.  Fops eram homens com grande senso estético, que se vestia de forma muito apurada e que faziam um enorme sucesso com as mulheres, alguns tinham várias amantes.  E o fato de serem fashionistas não os impedia de serem muito competentes nas artes da guerra, uma coisa não obstruía a outra.  O Léonard histórico era casado e tinha vários filhos.  Enfim, Léonard não trai Antonieta e a família real e cumpre um papel importante na fuga, mesmo sendo tratado com desprezo pelos soldados, que não querem um ser abjeto (*esta é a construção do filme*) e irritante ao seu lado.  

O outro vilão, e este eu considero mesmo, era o Duque de Orleans, primo do rei, que acredita que irá tomar o trono para si.  Há uma conversa ótima entre ele, deslumbradíssimo, outro fop, e Lafayette, na qual o marquês expõem toda a fragilidade do plano do duque.  Por qual motivo a Assembleia faria do Duque de Orleans regente, ou mesmo rei?  Com a queda de Luís XVI, viria a república, esclarece Lafayette.  Outra cena ótima do Duque de Orleans, sempre fazendo dobradinha com Lafayette, é quando ele se transforma em "Philippe Egalité" (Filipe Igualdade), cidadão modelo.  Ele está com uma capa super espalhafatosa e sai de dentro dela vestido com um pretinho básico e discreto (*para os padrões dele*) e ostentando a cocarde (*a símbolo tricolor*) no peito.  Sim, Orleans, que iria parar na guilhotina, é um vilão bem bandeiroso.  

Como no filme das origens dos Kingsman, o docudrama nos oferece uma sequência deliciosa em que vários ícones da  revolução todos juntos tramando contra Luís XVI.  Robespierre (Renaud Garnier-Fourniquet), Marat (Franck de la Personne), Camille Desmoulins (Franck Victor), Danton (Frédéric Cuif), Orleans.  Para mostrar diversidade, incluem a esposa de Demoulins, Lucille (Lucile Desmoulins), e Madame Roland (Alexandra London). 

A interação entre os vilões é divertida, porque havia gente naquela sala que nunca iria conversar, como diz o Reinaldo Azevedo, eles não eram da mesma enfermaria, mas estão todos lá tramando juntos o futuro da França pós eliminação de Luís XVI.  Camille Desmoulins, o que eu demorei mais a identificar, parece ou gago, ou semianalfabeto, porque trava o tempo inteiro lendo uma mísera carta.  Marat vociferando enlouquecido, Danton sendo já sugerido como traidor.  E as mulheres, ambas com um ar malicioso, nunca seriam chamadas pelos homens daquele grupo para discutir um tema tão importante em pé de igualdade.  E o destaque, como não poderia deixar de ser, é para o ator que faz Robespierre.  

O ator entendeu muito bem a ideia do docudrama e dá um ar bem traikçoeiro e cruel para a personagem. Ele tem olhinhos pequenos, olha todo mundo de baixo para cima, parece impassível e sugere que Orleans não estava entendendo os acontecimentos.  Ele é inteligente, calculista, cruel e quer o poder.  Eu adoraria um filme sobre esse Robespierre com este enfoque distorcido e em um embate com LaFayette, como seu antagonista na luta pelo poder durante a Revolução.  Seria super interessante. 

Outras personagens com algum destaque são Madame Elisabeth (Adélaïde Bon), a irmã caçula do rei, e alguém que o ama e compreende, está em sintonia com ele.  Ela era assim mesmo.  No filme, colocam Luís ajudando a empurrar a carruagem atolada e ela descendo para empurrar junto.   É uma cena um tanto surreal.  O menininho que faz Luís Carlos (Morgane Rouault), o filho caçula do rei, e que teve que se vestir de menina na fuga, é bem fofo.  O docudrama também mostra a morte de Luís José (Timothy Sebag), o filho mais velho, e a tristeza de seus pais, ainda que o foco seja maior no rei.  E temos Madame Royale (Sophie Nounouhi), a princesa Maria Teresa, e mesmo que a conversa tenha sido o blá-blá-blá de que o rei era um democrata, foi legal colocarem Luís XVI chamando a filha de Musseline, seu apelido em família.

E o filme termina com a morte do rei e qual seria o destino dos malvados que o levaram à morte.  Deles todos, o único que sobreviveu à revolução (1789-1799) foi LaFayette, o mais calculista e pragmático dos vilões do filme.  E o docudrama termina  com um grande elogio ao pobre rei, que poderia ter sido grandioso, mas acabou sendo um mártir.  É mais grandioso ser mártir??  Não sei.  

O fato é que este filme, que tem um figurino muito bom, pelo menos acho que tem, me surpreendeu negativamente e me mostrou que Revolução em Paris está longe de ser a primeira tentativa de mudar a imagem que os franceses tem de Luís XVI e de como esses esforços terminam, pelo menos na minha percepção, por serem ridículas e até ofensivas, fora, claro, que terminam por vilipendiar Maria Antonieta como se para compreendermos melhor seu marido, tivéssemos que apequená-la e difamá-la de novo.  É um filme muito enviesado no seu esforço de exaltar o rei e abordar a Revolução Francesa como um grande mal que não tinha apoio popular, mas era coisa de gente perversa e ambiciosa.  É isso, finalmente, terminei esta resenha.  O filme está aí embaixo: