Desde que deu seu salto no tempo, queria escrever alguma coisa sobre Lado a Lado. A novela está chegando na metade e duas semanas atrás, aconteceu uma grande reviravolta, marcada pela Revolta da Chibata, que neste último 22 de novembro completou 102 anos. Talvez tenha sido o melhor dessa segunda fase até agora, com um grande investimento na reconstituição do navio e cenas carregadas de emoção. Meu marido, que não assiste a novela, ficou admirado, ainda que pontuasse que na hora que os canhões atiraram, os efeitos foram pífios. Enfim, como já escrevi antes, meus sentimentos em relação à trama são dúbios e, agora, mais desgosto do que gosto da novela. Mas vamos lá...
Para começar, escalaram mal o filhinho de Isabel. A criança que deveria ter seus seis para sete anos é interpretada por uma criança de 10 anos. O menino é bom, consegue convencer na atuação, mas não como um garotinho de seis anos. Se ainda pontuassem que ele é muito grande para a idade – e eu fui uma criança que com seis passava fácil por nove anos – mas nem isso. Quem foi que escalou tão mal o menino? Já a filhinha de Edgar, consegue convencer que tem seus sete anos. Além de muito fofinha. Outro problema do salto no tempo é que seis anos, para as mulheres solteiras, representaria a necessidade do casamento. Alice (Juliane Araújo), a prima de Laura, está condicionada pela atitude possessiva da mãe e condenada a ser uma solteirona, mas e a artificial e chatinha da Sandra (Priscila Sol)? Ela e a mãe não apareceram na história depois do salto, estão longe porque a mãe, Teresa (Susana Ribeiro), está passando por uma gravidez de risco. Corre pela internet que, na verdade, o filho é de Sandra. Olha, se assim for, e isso não era algo improvável na época, é colocar muita “juventude transviada” na mesma novela. Pensem comigo: Laura, a divorciada; Isabel, que se “perdeu”; Albertinho, nem se fala; e, agora, Sandra, mãe solteira? Vou acabar concordando com a avó da moça... Falando em Albertinho, lembrei de automóveis. É tanto carro nessa novela de época que não sei... Será que havia tantos no Rio de Janeiro? Duvido. E mais importante ainda, alguns me parecem muito modernos para 1910. Não sou especialista, mas andei procurando imagens de carros europeus e americanos da época e acho que tem muita coisa fora do lugar ali.
Outro dos problemas desse salto no tempo, é que as pessoas, especialmente as mulheres, parecem mais jovens do que em 1904. Sério. Pode pegar a Patrícia Pillar como parâmetro, ela era linda e está mais ainda agora, podem dizer que é a felicidade de voltar a ter influência política, enfim... Só que Maria Padilha, Isabela Garcia, Bia Seidl, ou mesmo Deborah Duarte e Zezeh Barbosa, também parecem ter passado pelo programa “10 Anos Mais Jovem”. Além do rejuvenescimento, parece que as roupas – muito bonitas, aliás – se tornaram uma releitura livre do que se usava na época, ou, talvez, um reaproveitamento do figurino de Cordel Encantado. Dia desses Alice, estava usando uma blusa sem mangas para andar na rua do Ouvidor. Sério, uma moça de família não sairia daquele jeito. A blusinha, muito leve, parecia roupa de baixo. Será que chutaram a realidade de vez? Quando o quesito é vestuário feminino, parece que “sim” é a resposta. E os cabelos desandaram. Esther, a possível futura noiva de Albertinho, se veste como em Cordel Encantado e usa cabelos modernosos que nada tem a ver com 1910.
Vejam bem, Isabel nunca esteve tão bonita. Camila Pitanga está belíssima em seu novo figurino rica, famosa e desencanada. O problema é que ele é muito fora do lugar e exporia a moça à execração pública, talvez à prisão por atentado ao pudor. Será que faltou bom senso? Ontem mesmo, ela estava cozinhando para Zé Maria – foi a tentativa de reconciliação dos dois – e com um vestido sem mangas e costas nuas, com um mísero avental por cima. Fiquei me questionando se ela não tinha uma roupa menos fashion-arrojada para usar na ocasião... Quando falaram da repaginação (*foi o termo usado*) da personagem ressaltaram a inspiração no artista Mucha (*vídeo abaixo*). Será que as pessoas que estão pensando a novela não tiveram acesso á fotos de época? Será que as mulheres modernas vestiam-se a la Mucha? "Não" é a resposta. De forma alguma, ainda mais no Brasil.
Falando logo do triângulo Isabel-Albertinho-Zé Maria, preocupa-me a rejeição à personagem de Lázaro Ramos. Sob a desculpa de que “não há química” entre ele e Camila Pitanga, coisa que não concordo, parte do público pede que os dois não fiquem juntos. No entanto, a forma como os autores conduzem as duas personagens é péssima e comentei sobre isso no primeiro texto sobre a novela. Eles mal ficam juntos em cena, como fazer a audiência ter empatia por eles? Daí, vem a tal história de que é preciso resgatar Albertinho, há muita gente torcendo para que Isabel volte para ele. Olha, Albertinho não mostrou melhora de caráter alguma desde o início da trama. Eu esperava que o salto do tempo trouxesse um homem mais maduro, oficial do exército. Qual nada! O sujeito parece mais moleque e, agora, mais dominado pela mãe do que nunca. Não sei se perdi o capítulo, algo possível, mas ele foi expulso da academia? Porque como ele está desempregado? Enfim, é muito incoerente.
O que fica para mim é que o racismo é tão entranhado e inconsciente que – da mesma forma que torcem contra Morena – torcem contra Zé Maria. Será que se Albertinho não fosse jovem, bonito e branco haveria essa torcida pela redenção com Isabel? Porque se redimir ele pode, inclusive morrer no processo, mas se os autores deixarem Isabel com ele, é o caráter da personagem de Camila Pitanga que estará em cheque. Para Isabel existem a meu ver dois caminhos coerentes, ficar com Zé Maria, e aí em que situação cabe aos autores decidir, ou terminar sozinha, altiva e seguindo com sua carreira, pois nem Zé Maria se mostrou digno dela. Duas opções. Albertinho não é uma delas. E torcer para que os dois fiquem juntos como uma forma de se vingar de Constância é esquecer todo o mal que o moço fez para Isabel, e não estou falando de tirar-lhe a virgindade, mas da falta de coragem mesmo.
E chegamos em Laura. {respira fundo} Olha, Laura e Edgar faziam um belo casal, o melhor da trama. Se os autores queriam discutir o drama de ser divorciada (*e, sim, era possível se separar em 1904, vejam aqui e aqui*), que arrumassem um motivo forte para que Laura se separasse de Edgar. Não foi o caso. A mensagem que ficou é que Laura é infantil, pois não valoriza a família e o casamento; ciumenta, porque não é capaz de confiar no marido que deu mostras de amor e caráter; burrinha, porque caiu fácil na trama de Catarina; e fora de seu tempo, no pior sentido possível. Laura poderia ficar com raiva de Edgar, expulsá-lo de sua cama e quarto, mas se separar porque o encontrou na casa de Catarina? Não na cama da cantora, ou sem roupas, mas desmaiado em um sofá, é excessivo. O estigma do divórcio era grande demais, colocava o ex-casal em uma situação de limbo social, no caso de uma mulher, ela ficava vulnerável ao escárnio público, especialmente, se a separação fosse por um motivo fútil, como no caso de Laura. O problema é que um salto de seis anos é muito tempo para que a moça ficasse nas sombras e Edgar angustiado e solitário. Eles se desenharam lá nas primeiras semanas como apaixonados, naquela linha bem almas gêmeas. Separá-los de forma tão leviana foi um tiro no pé.
Outra coisa, o comportamento de Laura e Isabel não me parece moderno ou crítico, mas de afronta. A sociedade, qualquer que seja, tem regras. Algumas devem ser mudadas, mas se você não usa de estratégias, e há várias, é dar murro em ponta de faca e passar por mal educada. A postura das duas nessa segunda fase é na linha “vocês terão que nos engolir”. Não, a sociedade não as iria engolir, no sentido de aceitar de qualquer jeito, iria engolir no sentido de destroçar. Seria muito fácil, por exemplo, Constância conseguir internar Laura em um sanatório para loucos. Muito fácil mesmo! Laura, por exemplo, comporta-se com uma falta de educação absurda no trabalho. Ela afronta a diretora, a trata de forma desrespeitosa. Se, hoje, isso renderia demissão, imagine em 1910? Pense em um colégio, qualquer um, nem precisa ser de freiras, em 1910, pode ser até ser depois: chega uma moça desconhecida (*não é mãe de aluna*), maquiadíssima, com um vestido frente única sem mangas e quer entrar para entregar um livro. Ela é mal recebida, a novela grita “racismo”. Olha, é muita falta de adequação em um momento em que se exigia das professoras e professores que eles fossem modelos para os estudantes, com código de vestimenta e tudo mais, e as escolas tentavam impor não somente uma disciplina rígida, mas reprimiam a sexualidade dos alunos e alunas.
Capítulos depois, a mesma Laura tem uma reação histérica quando entra na sala da diretora e vê uma menina recebendo castigos corporais. Ela afronta a madre como se aquilo fosse uma violência sem tamanho. De novo, isso, o desrespeito, é motivo para demissão hoje ou em qualquer época. A maioria dos educadores brasileiros e de outros países em 1910 considerava castigos corporais necessários, em 2009 muitos países ainda os aplicavam, logo, a reação da moça pode ser vista como absolutamente desproporcional. Havia pedagogos e pedagogas que eram contra os castigos corporais e escreviam sobre isso? Sim, havia. Se quisessem os autores da novela, que são adeptos de tanto didatismo, discutir a questão, o que fariam? Colocariam Laura, que tem muito a esconder, baixando a bola, ponderando de forma inteligente e razoável com a madre e citando a pedagogia de ponta, como a italiana Maria Montessori. Não! Ela partiu para o confronto. Quando Adelaide no livro Parade’s End afronta a diretora do colégio em que leciona, questiona os métodos pedagógicos ali aplicados e a repressão sobre as alunas, ela está se demitindo, indo embora. Não é o caso de Laura, ela quer ficar e acredita que a escola não tem o direito de continuar sem ela... Desculpem, mas não soa moderno, revolucionário ou feminista, o comportamento de Laura, e em muitos momentos o de Isabel, me burro e deselegante. E, pior, seria deselegante ainda hoje.
A discriminação por serem mulheres livres é um erro e poderia gerar excelente discussão sobre papéis de gênero e autonomia feminina, sobre a inferioridade jurídica das mulheres e sua cidadania incompleta, mas se você é mal educada e arrogante não vai atrair para si a simpatia, não a minha, pelo menos. Eu acabo tendo mais solidariedade com o pobre do Edgar, que está, sim, sacrificando-se pelo bem estar de Laura, compreendo as reservas do pai de Isabel e de Zé Maria. Afinal, o que as duas fizeram para tentar mostrar que elas estão certas além de impor suas atitudes e querer que todo mundo as aceite? A amizade das duas é algo legal, e rendeu, também, a revolta de um comentarista em um site qualquer de que a Globo quer enfiar um casal lésbico na novela das seis, e que não havia essas coisas naquela época. {pausa para rir} Há quem acredite piamente que a Globo inventou a homossexualidade. Olha, eu acho que se as duas formassem um casal – e isso não vai acontecer – seria uma saída realmente revolucionária e até mais convincente para mim.
A discriminação por serem mulheres livres é um erro e poderia gerar excelente discussão sobre papéis de gênero e autonomia feminina, sobre a inferioridade jurídica das mulheres e sua cidadania incompleta, mas se você é mal educada e arrogante não vai atrair para si a simpatia, não a minha, pelo menos. Eu acabo tendo mais solidariedade com o pobre do Edgar, que está, sim, sacrificando-se pelo bem estar de Laura, compreendo as reservas do pai de Isabel e de Zé Maria. Afinal, o que as duas fizeram para tentar mostrar que elas estão certas além de impor suas atitudes e querer que todo mundo as aceite? A amizade das duas é algo legal, e rendeu, também, a revolta de um comentarista em um site qualquer de que a Globo quer enfiar um casal lésbico na novela das seis, e que não havia essas coisas naquela época. {pausa para rir} Há quem acredite piamente que a Globo inventou a homossexualidade. Olha, eu acho que se as duas formassem um casal – e isso não vai acontecer – seria uma saída realmente revolucionária e até mais convincente para mim.
Para mim, o destaque da novela é Patrícia Pillar. Vilã cheia de contradições, mas que consegue ser humana, e tem, sim, uma agenda clara. Ela faz tudo por sua família, para que o clã se mantenha unido e sólido. Com todos os seus defeitos, é capaz de amar o neto mestiço, mas suas limitações a impedem de assumir isso publicamente. Não a relevo, ela está errada, mas ela me parece muito mais coerente do que as mocinhas da novela. E suas cenas tentando salvaguardar Laura e a família foram as melhores junto com as da Revolta da Chibata. Brilhante o seu enfrentamento com Catarina, Alessandra Negrini, mais caricata do que de costume. Sem Patrícia Pillar, acredito que eu daria menos atenção ainda para a novela.
Por fim, esta semana um dos autores da novela, João Ximenes Braga, culpou horário político e de verão, vilões tradicionais do IBOPE da novela das seis nos últimos anos, e outros monstros pela baixa audiência de sua novela em São Paulo. Ao que parece, o IBOPE só é realmente baixo em São Paulo, só que, infelizmente, é a audiência nesta unidade da federação que é usada como parâmetro. Vejam só que absurdo! No entanto, o autor não admite seus erros. Um deles o excesso de coloquialismo e o hibridismo – que citei em meu primeiro texto – ele diz que são deslizes pontuais, e não são. E há coisas piores. O intragável Fernando me soltou um "não trata-se" no capítulo de hoje (*30/11*). Assim, vamos muito, muito mal... A novela está no meio, mas só sinaliza aquilo que senti no início, seria uma excelente minissérie, não está funcionando no formato em que está. E há vários responsáveis, não somente o horário de verão.
































































































