domingo, 31 de dezembro de 2017

Retrospectiva 2017... ou algo do gênero!


Gostaria de deixar uma mensagem positiva para os leitores e leitoras do Shoujo Café, mas acho que não estou muito inspirada para escrever.  Não foi um bom ano em termos coletivos, por assim dizer.  20017 foi marcado por retrocessos e agressões aos mais básicos direitos e não falo somente das mulheres, mas de todos, especialmente, daqueles em situação mais vulnerável.  Mas não vou falar de política, já basta que não fazemos nada além disso desde 2014, como se estivéssemos presos dentro de um pesadelo que nunca termina.  2017 não foi um bom ano para mim em termos de saúde, também.  Só que 2017 não foi um bom ano para os mangás femininos (*shoujo, josei, BL etc.*) no Brasil.  Aliás, foi um dos piores anos que eu tenho recordação.  

O que tivemos de lançamentos identificados?  Hal (春HAL) e Last Notes (ラストノーツ)  e foi somente isso, se não perdi alguma coisa.  HAL foi lançado, porque o character design do filme animado foi feito por Io Sakisaka, de Ao Haru Ride  (アオハライド).  O mangá não tem a arte da autora, mas sempre se pode usar a propaganda.  Já Last Notes – que eu iria trazer para as férias e esqueci em casa – é da autora de Black Bird (ブラックバード), Kanoko Sakurakoji.  Percebem as conexões? Será que as séries citadas fizeram sucesso e, por isso, a Panini trouxe HAL e Last Notes?  Será?  Ou foi contrato mesmo?  Nunca saberemos, afinal, ainda estamos naquele estágio de sempre, vendagens só são comentadas quando estratosféricas, fora isso, silêncio.

Não vi esse volume em Brasília,
nem saberia dele não fosse o Mais de oito Mil.
Segundo li em um site – não me lembro qual, desculpem – Coin Laundry Lady (コインランドリーの女), que eu só sabia que existia por causa de um post detonador do Mais de Oito Mil, é shoujo.  Acabei de checar no Mangaupdates e já sei que é informação errada.  O mangá, que é de 2005, antigo e provavelmente barato, começou a ser publicado na Beans Ace, depois, migrou para a Comic Beam, ou vice-versa.  A Beans Ace está extinta desde 2008 e era um caso raro de revista mista e publicava material vindo de light novel.  Quando ela terminou, o que era shoujo foi para revistas shoujo, como a Asuka, o que era shounen, para as revistas da demografia.  Falei sobre isso no Shoujo Café.

Quanto ao mangá de terror Ma no Kakera (魔の断片), Fragmentos de Horror, de Junji Ito, ele começou a sair na Shinkan (*revista que não consegui descobrir qual é, realmente nunca ouvi falar dela*), e foi transferida para a Nemuki +, que é shoujo, não josei, apesar do que está no Mangaupdates. Vamos então afirmar que Fragmentos de Horror é shoujo ou josei. Lançamento importante, aliás, dado o peso do autor, só que a Darkside (*não a JBC, meu marido me corrigiu*) não o identificou como tal, que eu saiba, ele foi lançado sem denunciar a demografia de origem.  Da mesma forma que é interessante para que as pessoas entendam que virtualmente qualquer coisa pode sair em uma revista shoujo, ou josei, é uma forma de silenciar que se trata de um mangá feminino (*na sua origem*), porque as pessoas carregam uma série de (pre) conceitos sobre o que shoujo é, ou não é.  Percebem?  Eu posso contar o lançamento, mas o faço mais por obrigação de ofício, porque para a editora é um mangá de horror/terror e pronto. Afinal, ela é especializada nisso.  Resumindo, foi um ano bem fraco em relação aos lançamentos de shoujo e josei no Brasil.

Kimi ni Todoke terminou em
 novembro, no Japão.
Tivemos, claro, as continuações, LoveCom (ラブ★コン), Ore Monogatari!!  (俺物語!!) e Kimi ni Todoke  (君に届け).  Parando para pensar, são três títulos de peso no mercado e o nosso mercado é muidinho e carregado de restrições em relação aos mangás femininos.  Caminhando para seu último volume no Brasil, Kimitodo termina em 2018, assim como os demais.  Será que teremos alguma coisa anunciada?  Será?  Por mais que eu compreenda que vivemos uma crise econômica e que, com menos dinheiro (*ou nenhum dinheiro*), as pessoas compram menos, a gente vê shounen e seinen sendo anunciados o tempo inteiro, então, só posso supor que é má vontade. Eu comprei muita coisa, mas a maioria foi fora.  Kindle me ajuda muito, sabe?  Há scanlations?  Sim, mas ainda assim, sinto falta de material lançado legalmente no Brasil.  Uma aposta para 2018,a minha única, aliás, é que alguém vai anunciar Card Captor Sakura ~Clear Card Hen~  (カードキャプターさくら クリアカード編).

Coisa da qual não sinto falta, mas que parecem ter ressuscitado em 2018, são revistas.  Enfim, comemorando, acredito, os 20 anos da revista, a #1 saiu em 1996, tivemos uma edição comemorativa da Animax, a #51 e #51 é sempre uma boa idéia (*lembram da propagada?*).  Compramos por nostalgia, mas acredito que a maioria dos interessados em anime e mangá possa ter na internet uma fonte razoável de informação.  Claro que a revista oferece a coisa mastigadinha, na internet é preciso procurar e, para alguns, é difícil separar o joio do trigo.  Agora, aquela carência de outros tempos, com pouquíssima gente tendo internet, com a necessidade de referências para desenhar, é meio que coisa do passado. Obviamente, talvez esteja sendo elitista e a maioria continue se emocionando em ter uma revista de papel. Só que, em nossos dias, é até complicado achar uma banca de jornal. Vi várias fecharem nos últimos tempos...

Como disse uma amiga, quanto melhor o dançarino,
 mais longo seu pescoço. 
Mas a culpa não é da arte do mangá, não.
Anime, eu não acompanhei nenhum.  Tentei assistir Welcome to Ballroom, Ballroom e Youkoso (ボールルームへようこそ), mas larguei.  Fiquei esperando o filme de Yuri!!! on ICE (ユーリ!!! on ICE), mas só no anno que vem.  Mas assisti ao dorama de Nigehaji e estou devendo a resenha da série de mangás.  Queria ter visto  mais coisas, não consegui, mas fiz muitas resenhas de filmes, não parei para contar, mas acredito que foi o ano mais produtivo desde que parei para contabilizar.  Sei que há pessoas que visitam o Shoujo Café pelas resenhas de filmes e séries da BBC (*principalmente*), é um público que eu sempre gosto de agradar, ainda que tenha umas figuras que, bem, são muito sem noção mesmo... 

De resto, é curioso e meio frustrante ver que um dos pots mais visitados seja o da dublagem da Patrulha Canina.  É tão surreal que eu publico todos os comentários.  TODOS!  Também é  frustrante o grupo do Shoujo Café no Facebook.  Às vezes, bate um certo recalque, porque, bem, a gente se esforça  para dar as notícias (*e eu trabalho sozinha*) e parece que tem gente no grupo que  nem sabe que o blog existe.  Daí, postam a mesma notícia, ou pesquisa (*que eu traduzi muitas vezes do japonês... e eu sou quase ZERO em japonês*) de outro site... Ontem, veio uma com SEIS MESES de atraso.  Sabem o que é isso?  Você colocou a notícia em JULHO e outro site "especializado" e "da moda" publicou em DEZEMBRO e alguém vai lá e posta no grupo.   Será que o Shoujo Café sobrevive pela inércia?  Será que é hora de fechar?  Enfim... E há as coisas fofas qe postam no grupo.  Gosto de coisas fofas, mas me sinto intoxicada em alguns momentos, sabe?  Devo estar velha e resmungona... 

O episódio das sereias bugou a cabeça de muita gente.
Enfim, 20017 não foi legal, foi assim que comecei o post, mas isso não quer dizer que 2018 não possa ser melhor.  Talvez, o ano tenha sido bom para você  em termos individuais e espero que só melhorem.  Desejo, também, que naquilo que esteja nas nossas mãos - e muita coisa está,não se enganem - possamos transformar 2018 em um ano melhor.  

Aqueles que vão votar, por exemplo, votem bem.  E não estou falando "votem em fulano ou ciclana", mas que vejam as propostas do seu candidato, reflitam e pensem que nenhum presidente, ou presidenta, governa sem o Congresso.  Em termos pessoais, busquem se divertir mais, aproveitarem as coisas belas que o mundo nos oferece de graça.  Em alguns casos, a gente está tão ocupado que não vê a beleza de  uma flor, não tem prazer na leitura de um livro, em sentar e conversar com a família e os amigos.  A vida pode ser pesada, mas, talvez, possamos torná-la um pouco melhor para nós e para os outros.  Quanto aos mangás, bem, depende das editoras... Então, gente, não dá para fazer nada, mas sempre podemos ir atrás das scanlations.  Que tal usar mangá e anime para estudar um outro idioma?

Como não usar uma imagem fofa como essa?
Bom 2018!  Feliz Ano do Cachorro!  Obrigada mesmo por visitarem o Shoujo Café.  Obrigada pela amizade que alguns me ofereceram graças ao blog.  Desculpem ser uma velha tão rabugenta em alguns momentos.

Frederik Schodt fala sobre sua experiência como tradutor de mangá (Artigo traduzido)


Um colega postou esta matéria do Japan Times no Shoujo Café.  A rigor, será nosso último post de 2017, a tradução de uma matéria-entrevista com Frederik Schodt, o norte-americano que, de certa forma, foi o primeiro a pensar mangá academicamente e publicar suas reflexões em um livro (*Manga! Manga!: The World of Japanese Comics*), o tradutor que apresentou Tezuka e A Rosa de Versalhes (*Sim!!! A primeira tradução feita no Ocidente do maná de Riyoko Ikeda*) para o Ocidente.  Só por isso, ele mercê ser lembrado.  Ele, na época, acreditava que mangá precisava ser espelhado e retocado, influenciou toda uma geração com suas idéias.  Quando os mangás começaram a ser publicados no original, sem espelhamento, muitos jogavam as teorias dele na nossa cara para dizer que “os puristas” estavam errados.  Lembro até hoje do povo vaticinando que Kenshin seria cancelado em três meses... 

Schodt, no entanto, percebeu que há outras possibilidades e seu trabalho hercúleo, tal e qual um São Jerônimo, não pode ser desprezado.  Não deve, também, ser esquecido.  Agora, ele é mais tradutor e foi o responsável pela biografia de Tezuka publicada nos EUA.  E, bem, vejam que importante, 2018 marcam os 90 anos do nascimento de Osamu Tezuka.  Imagino que muita coisa deve sair no Japão e no mundo.  No Brasil, que parece, às vezes, não ser deste mundo, já não sei...




Frederik Schodt relembra o “mundo diferente” das traduções de mangá dos anos 1970

Por Ayako Nakano
Staff Writer
4 de dezembro de 2017

O escritor, tradutor e intérprete norte-americano Frederik Schodt sempre se inspirou nas complexidades da linguagem. No entanto, o veterano de 67 anos usa um termo bastante direto para descrever o que os fãs modernos de mangá nos EUA podem pensar dele hoje, dizendo que eles podem "odiá-lo".  Schodt se fez um nome ao longo das últimas quatro décadas, traduzindo as obras de figuras tão importantes como o 漫画 の 神 様 (Manga no Kamisama, "Deus do Mangá") Osamu Tezuka de "Astro Boy". Ele foi convidado para Tóquio em outubro para receber o Prêmio Fundação Japão de 2017 pela sua importante contribuição para a compreensão da cultura japonesa.

A viagem marcou um retorno de Schodt a uma cidade que visitou pela primeira vez há mais de meio século, quando chegou a Tóquio em 1965, aos 15 anos como filho de diplomata.



Depois de se formar em uma escola americana em Tóquio e retornar aos Estados Unidos, Schodt voltou em 1970 para estudar intensivamente japonês no programa de intercâmbio na Universidade Cristã Internacional, em Tóquio. Ele retornou para uma pós-graduação especializada em interpretação e tradução em 1975 e passou a trabalhar na empresa de serviços de tradução e interpretação Simul International, "traduzindo tudo: documentos governamentais, discursos, coisas aborrecidas, coisas divertidas" - antes de retornar a San Francisco em 1978, onde ele reside desde então.

Schodt sempre quis fazer "algo com língua" profissionalmente, mas uma carreira relacionada ao mangá nunca foi planejada.  "Eu amava mangá, mas não havia como ganhar a vida", diz ele. "Mesmo em 1971, eu estava pensando: ‘Eu queria poder estudar mangá na universidade’, mas naqueles dias, não havia tal coisa".

Hoje em dia ele mangá é seu ganha pão, fornecendo serviços de interpretação especializada em TI, e ele ama escrever – ele é autor de oito livros, mas ele é mais reconhecido por suas inúmeras traduções de manga, incluindo o 「攻殻機動隊」 de Masamune Shirow (Kōkakukidōtai, "Ghost in the Shell").

Schodt começou a trabalhar em traduções de manga durante seu tempo na Simul. Um grupo de amigos nos seus 20 anos (outro americano e dois japoneses) que se chamavam 駄 駄 会 (Dadakai) foi até a Tezuka Production, o escritório do deus do manga, para pedir permissão para traduzir os primeiros cinco livros de 「火 の 鳥」 (Hi no Tori, "Phoenix") - uma obra-prima de manga épica que cativou Schodt desde que o leu pela primeira vez como estudante de intercâmbio.

Os membros de Dadakai - uma referência ao dadaísmo e ao kanji 駄 (da), usado em だ じ ゃ れ (trocadilhos), だ だ を こ ね る (para reclamar) e だ め (não é bom) - eram fãs de Tezuka e expressaram o desejo de apresentar seu trabalho Para o Ocidente. Schodt admite que seu japonês na época era "muito bom", mas sublinhou isso com uma advertência.

"A língua é difícil", diz ele. "Eu ainda estou aprendendo muito - até mesmo o inglês".  A permissão foi concedida para traduzir o mangá, sem outros pedidos além de "fazer um bom trabalho" e "ser fiel (*ao original*)". "Eu acho que eles ficaram surpresos que alguém quisesse traduzir o mangá japonês naquela época", diz Schodt. "Era um mundo diferente."  A equipe apresentou seu rascunho no início de 1978 apenas para descobrir que a Tezuka Production ficaria sentada sobre ele por 25 anos. Na verdade, somente em 2002 que a Viz Media em San Francisco publicou pela primeira vez o trabalho.



"Nós nos precipitamos", diz Schodt.  Sem demora, ele publicou "Manga! Manga! The World of Japanese Comics "em 1983.    "Eu pensava que era muito cedo para publicar mangás", diz ele. "A primeira coisa que precisávamos era um livro sobre mangá, então eu o escrevi ".  O livro introdutório, que hoje é uma leitura obrigatória para estudantes de manga no Ocidente, é um extenso relato da história do gênero, seus temas e estilos. Schodt terminou o livro com 100 páginas de suas próprias traduções, incluindo um trecho de 26 páginas do Dadakai - traduzido "Phoenix".  Apontando para uma de suas páginas, Schodt lembra de pedir a Tezuka para redesenhar um personagem porque sabia que a cena não funcionaria para um público ocidental. No Japão do século VIII, a seqüência mostra um personagem de ficção de 東大寺 の 正 倉 院 (Tōdaiji no Shōsōin, um tesouro no Templo de Todaiji) para contar a um intelectual da corte imperial da vida real 吉 備 真 備 (Kibi no Makibi) o sonho sobre a Fênix.

"É uma sequência muito bonita (e) muito filosófica, mas Tezuka gostava de colocar gags em partes sérias da história", diz ele. "Ele fez isso muitas vezes e os fãs adoravam isso. Nesta cena, ele coloca (o artista do mangá) Shigeru Mizuki ネ ズ ミ 男 (Nezumi-otoko, o “homem rato” como o de 'GeGeGe no Kitaro') em vez do personagem histórico que deveria estar lá ".  Tezuka aceitou graciosamente o pedido de Schodt e redesenhou o personagem.

A anedota acima talvez forneça uma visão dos esforços laboriosos de Schodt para introduzir um meio cultural estrangeiro para os leitores ocidentais em um momento em que a Internet não estava amplamente disponível e as pessoas não tinham acesso ao pacote de programas de design da Adobe.  O processo técnico envolvido na reprodução dos títulos do mangá é incompreensível. Primeiro, Schodt teve que criar uma imagem fotográfica, então inverter as imagens, 反 転 (hanten) ou 逆 転 (gyakuten) em japonês, para criar uma imagem espelhada para poder ser lida da esquerda para a direita. Então, ele teve que apagar manualmente os caracteres japoneses em balões de texto e colar inglês neles. Ele também redesenharia a onomatopéia em inglês. [*Nota da tradutora: Eu li o livro e ele realmente acreditava que se os mangás não fossem espelhados, não seriam aceitos.*]

Essas técnicas eventualmente lançaram as bases para a publicação do mangá dos EUA, mas Schodt, que admite ser "parcialmente responsável" pelo processo de espelhammento, diz que "os fãs norte-americanos hardcore de mangá agora provavelmente me odiariam por isso. "(Eles) não querem mais as páginas espelhadas. Eles não querem a arte retocada. É um mundo diferente ", diz ele, explicando que as editoras dos EUA atendem aos que querem "autenticidade", com o máximo de textos japoneses possível.

"O mundo da tradução (de mangá) mudou hoje. Eu não sou necessário para a maioria dele ", diz Schodt, observando como a "digitalização" ("digitalização" e "tradução") pelos fãs on-line afetou em grande parte o mundo da publicação. No ano passado, Schodt traduziu uma biografia de manga de 904 páginas intitulada "The Osamu Tezuka Story", algo que ele diz da qual estar se "recuperando" durante grande parte deste ano.

Com 2018, marcando o 90º aniversário do aniversário de Tezuka, um mestre de tradução de mangá pode sempre esperar encontrar alta demanda para seus serviços, com certeza.

sábado, 30 de dezembro de 2017

Ranking da Oricon


Antes que o ano termine (*e aproveitando que minha conexão está funcionando*), eis o ranking da Oricon.  Como já virou meio  (*mau*) "costume", foi um mês  sem postar os mangás femininos (*shoujo, josei, BL*) entre os mais vendidos, mas foi um dezembro bem fraquinho, vamos combinar... Enfim, Akatsuki no Yona é o único shoujo no derradeiro ranking de 2017.  Espero que esteja no próximo ainda. Vejam que Chihayafuru não se sustentou no topo como antes.  Tsubaki-chou Lonely Planet não ostrou fôlego, também... Enfim, um mês fraco.  Espero que em 2018, os mangás femininos comecem com mais força.

SEMANA 18-24/12 
6. Akatsuki no Yona #25

15. Toshokan Sensou - Love & War Bessatsu Hen #5
21. Mikami-sensei no Aishikata #5
23.  Toumei na Yurikago #6

8. Toshokan Sensou - Love & War Bessatsu Hen #5
19. Tendou-ke Monogatari  #4
23. Kawaii Hito #5
30. Tsubaki-chou Lonely Planet #9

5. Tsubaki-chou Lonely Planet #9
11. Saezuru Tori wa Habatakanai   #5 (BL)
16. Chihayafuru #36
18. Dame na Watashi ni Koi shite kudasai R #3
22. Short Cake Cake #7
27. 12~sai。#13

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Chihayafuru completa 10 anos e recebe homenagens de 33 mangá-kas


Chihayafuru (ちはやふる) está completando 10 anos de publicação e eu estou devendo um post (*e com esta conexão horrenda, ele não vai sair*) sobre o novo filme live-action Chihayafuru~Musubi~ (ちはやふる 結び), a grande exposição (Chihayafuru no Sekai), a a re-exibição da série animada no Japão etc.  Com 36 volumes, a série acumula 21 milhões de exemplares vendidos em seu país (*marca considerável para um mangá josei*) e é publicada em vários países, como França e EUA. 


Enfim, dia 28 foi publicada a nova edição da revista Be Love com 33 homenagens para Chihayafuru.  Eu não tenho como baixar as imagens onde estou, então, vou dizer quem fez desenhos e vocês olham as imagens no Manga Mag, OK?  Segue a lista: Hiro Aikawa, Gôshô Aoyama, Hiromu Arakawa, Hirohiko Araki, Natsumi Andou, Nozo Itoi, Kiwa Irie, Chica Umino, Ume, Noriko Outani, Mari Okazaki, Yuki Ozawa, Kazune Kawahara, Fusako Kuramochi, Kumiko Saiki, Kei Sanbe, Karuho Shiina, Mayu Shinjou, Yuu, Rumiko Takahashi, Yukari Takinami, Toriko Chiya, Oto Touda, Yukiko Natsume, Aoi Nishimata, Satoru Hiura, Mayu Hinase, Jun Fukami, Hiro Mashima, Naoko Matsuda, Norifusa Mita, Rikachi e Ayu Watanabe.  O trailer do novo filme está aí embaixo:

Comentando os volumes #1 e #2 de Gekkan Shoujo Nozaki-kun

Hoje, finalmente terminei de ler os dois primeiros volumes do mangá de Gekkan Shoujo Nozaki-kun (月刊少女野崎くん).  Eu estou com sete deles comigo nas férias e espero não voltar com nenhum ainda por ler. Na verdade, eu já li fragmentos, mas aquela leitura atenta, não tinha feito.  O primeiro volume foi relido, porque acredito que já fazia quase um ano da leitura original.  Para quem não conhece a série, que é de chorar de rir, o básico da história é o seguinte: 

Chiyo Sakura é apaixonada por um colega de escola, Nozaki.  Um dia, ela toma coragem e decide se declarar para o rapaz.  Nervosa, ela acaba usando as palavras erradas e Nozaki acredita que a menina é sua fã.  Como resultado, ele prontamente lhe dá um autógrafo seu “Yumeno Sakiko”.  Atordoada, ela termina por descobrir que o rapaz é, na verdade, uma famosa mangá-ka responsável pelo mangá “Let's Fall in Love”.  Ela termina por se tornar assistente de Nozaki, responsável por cobrir as áreas pretas do mangá, é a chance de ficar perto do rapaz e fantasiar a respeito dele que, na maioria das vezes, se mostra absolutamente alheio a qualquer situação de romance.

Primeiro volume do mangá.
Conheci Gekkan Shoujo Nozaki-kun por causa do anime.  Eu assisto pouquíssimas séries de animação, normalmente, uma por ano.  Raro ir além disso.  Enfim, Nozaki-kun foi a minha série de 2014.  Ri muito, chorei de tanto rir, na verdade, mas não fiz uma mísera resenha... Lamentável, eu sei.  Só que eu comecei a comprar a edição norte americana do mangá, que é da Yen Press, e não vou deixar de resenhar pelo menos um ou outro volume.  

Izumi Tsubaki começou a publicar a webcomic em 2011 na revista Gangan Online, ou seja, a série, que é 4koma, saia na internet.  Até o momento, são 9 volumes encadernados.  Nozaki-kun não é shoujo, a Gangan Online é considerada shounen, mas trata com muito humor do dia-a-dia dos mangá-kas e debocha do universo do shoujo mangá. A autora é especializada  em shoujo, então, ela sabe muito bem do que está falndo.  Imagino que a lentidão se deva tanto ao tipo de revista e ao modelo do mangá – tirinhas – quanto ao fato da mangá-ka ter uma série principal, Oresama Teacher (俺様ティーチャー), uma bem sucedida série shoujo que deveria ter seu próprio anime.

Wakamatsu, Seo, Chiyo, Nozaki, Mikorin, Kashima e Hori.
Voltando ao mangá, não parece haver uma linha de história rígida, há situações que tem alguma continuidade e piadas ocasionais.  Ao final de cada capítulo, há um quadrinho menor com uma situação engraçadinha e, às vezes, um tutorial sobre como fazer um mangá.  Ao longo dos dois primeiros volumes, as personagens principais são todas apresentadas e suas personalidades são bem delineadas. Chiyo, a protagonista, faz parte do clube de artes, é inteligente, observadora, mas idealiza Nozaki, só para se frustrar em seguida.  Ela nunca espera que Nozaki possa ser tão avoado e, ao mesmo tempo, calculista.  Por exemplo, ele diz que já estava de olho nela.  A menina imagina romance.  Ele, na verdade, fala de seus dotes artísticos e pensa em explorar sua mão-de-obra barata.

Nozaki é um sujeito atlético e com cara de poucos amigos, workaholic, sua vida gira em torno de sua atividade como mangá-ka.  Chiyo o via chegando com curativos – na verdade remédio para tendinite e outros males causados pelo excesso de trabalho – e imaginava que ele vivesse metido em brigas.  Ele mora sozinho e, por causa de seu trabalho, tem uma renda invejável para um adolescente.  Jogava basquete, mas abandonou o esporte, porque não pode arriscar uma lesão em sua mão direita, o seu ganha pão.  Nozaki produz mangás que efetivamente são medíocres, mas que fazem enorme sucesso. Ele venera seu atual editor, Ken-san, um sujeito que mal fala com ele e acredita que Nozaki mal sabe fazer shoujo mangá, imagine algo “mais sério”.  Sim, Ken-san vê shoujo mangá em geral como material de segunda, ou terceira categoria.

Yukari, Maeno e Ken-san.
Mas o fato de Nozaki venerar Ken-san vem do trauma com seu primeiro editor, Maeno-san, um sujeito egocêntrico que atormenta os mangá-kas e os obriga a colocar bichinhos fofos na história sem que eles tenham nenhuma função.  Nozaki, que parece tolo, mas não é tanto assim, o odeia e guarda prints de várias mensagens dele para usar contra o sujeito caso queiram fazer com que ele volte a ser seu editor.  Atualmente, Maeno é o editor de Yukari Miyako, vizinha de Nozaki, e que usa seu nome real em seus trabalhos.  Ela é obrigada por Maeno a colocar tanukis em sua série atual e, não raro, ele acaba fazendo outras inclusões ridículas e problemáticas em sua série.

Retornando para as personagens centrais, temos Mikoshiba, ou Mikorin.  Ele é outro egocêntrico, tsundere, que é muito bonito, tenta posar de mulherengo, mas tem muita dificuldade em falar com as garotas.  Antes do colegial, seu problema era tão grande que ele se viciou em date simulators.  Um dos melhores momentos do primeiro volume é quando ele e Nozaki – que usa qualquer experiência para utilizar em seu trabalho – viram a noite jogando um simulador e acabam se afeiçoando a uma personagem secundária, o amigo do herói do jogo, que existe simplesmente para dar-lhe conselhos, e terminam por fazer um mangá BL em cima dessa relação.  Mikorin hostiliza Chiyo, mas acaba conseguindo se relacionar com ela. A protagonista do mangá de Nozaki, Mamiko, é uma versão feminina de Mikorin.  O rapaz é o responsável pelos detalhes florais e enfeites do mangá de Nozaki.  

Júlia adora esta capa. :D
Outras personagens importantes são Hori-senpai e Kashima. O primeiro é o presidente do clube de teatro, um rapaz talentoso e que acaba não podendo fazer o papel de protagonista das peças por ser muito baixinho.  Hori faz os fundos do mangá de Nozaki em troca de roteiros (*ruins*) para peças de teatro da escola.  O rapaz tem uma relação de amor e ódio com Kashima, a melhor amiga de Mikorin, e a garota príncipe da escola.   Para mim, eles são apaixonados e não sabem. Kashima faz sempre o príncipe nas peças, flerta com todas as garotas e tem, também, efeito sobre os meninos.  Hori tem que arrastá-la à força para os ensaios (*ele bate nela, é brincadeira do mangá, mas é algo que não gosto*).  

Kashima termina por descobrir volumes de shoujo mangá nas coisas de Hori e fica intrigada ao tomar ciência de que todos os meninos da escola que ela conhece – Nozaki e Mikorin – também lêem “Let’s fall in Love”.  Ela não sabe do segredo de Nozaki, então acha que os meninos seguem a série como se fosse um manual e fica mais confusa quando Mikorin – que parece saber partes inteiras do mangá de cor (*afinal, ele ajuda a fazê-lo*) – lhe diz que os leitores se identificam com a heroína.  Kashima passa a acreditar que o sonho de Hori é ser a princesa nas peças e, bem, ela começa a agir de forma estranha com o rapaz... E, claro, a coisa não termina bem.

Let's fall in Love, o mangá de Nozaki.
Outras personagens de muito destaque na série são Yuzuki Seo, melhor amiga de Chiyo, e Hirotaka Wakamatsu, que é kouhai de Nozaki desde o ginasial e tem por ele grande admiração.  Seo é uma tomboy capaz de fazer as piores coisas. Sem noção, sem empatia (*salvo em raros momentos*), ela é capaz das piores crueldades.  Quando Chiyo, que é incapaz de ver seus defeitos, aa apresenta para Nozaki (*que desenvolve verdadeira aversão por ela*), seu objetivo é oferecer-lhe modelos para personagens.  Seo tem uma voz angelical e participa do clube de canto, ou música, sem que a maioria das pessoas saiba que é ela.  Ela usa o nome de Lorelei, ninfas germânicas dos rios, uma espécie de sereias.  Ela usa este nome, porque deseja atrair os incautos, que se apaixonam por sua voz melodiosa, para frustrar-lhes os sonhos.

Wakamatsu, que só é introduzido no volume dois, é um calouro na escola – Nozaki, Seo, Chiyo, Mikorin, Kashima, são do segundo ano – que jogou basquete com Nozaki no ginásio.  Nozaki retoma a amizade com ele interessado em explorar sua mão-de-obra – ele se torna responsável por apagar os traços de lápis e, já no final do volume, quando Nozaki, doente, não tem condição de cumprir o prazo de entrega do capítulo, descobrimos seu talento com retículas – e descobre que o rapaz morrer de medo de Seo.  A garota ajuda no treinamento do time masculino de basquete.  Na verdade, ela espanca os meninos.  

Nosso "herói"
Wakamatsu passa a ter insônia e somente a voz de Lorelei o acalma.  Nozaki lhe dá as músicas (*trazidas por Chiyo*), em troca do trabalho do rapaz.  O que acaba acontecendo é que ele quer confrontar Seo e pede “os livros” de Nozaki para aprender como enfrentá-la.  Os tais livros são shoujo mangá e mesmo com a advertência de Nozaki – que, como disse, nem sempre é sem noção – ele acaba se enrolando e Seo acredita que foi pedida em namoro... Enfim, o casal secundário do mangá de Nozaki é inspirado nesses dois.

Terminando, Gekkan Shoujo Nozaki-kun é uma série cheia de personagens sem noção e situações engraçadas e que beiram o absurdo.  Ao mesmo tempo, ela consegue trazer de forma consistente – ainda que exagerada – aspectos da vida de um mangá-ka (*prazos rígidos, a tirania de alguns editores, as limitações de uma demografia etc.*) de forma muito realista.  Não sei se os casais irão se desenvolver.  Chiyo morre de amores por Nozaki, mas ele é o tipo clueless, não percebe (*ou finge, vai saber*) os sentimentos da moça.  De resto, é diversão garantida e seria uma ótima série para termos, aqui, no Brasil.  E, sim, é o shounen mais shoujo já feito, com certeza.

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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Próximo gaiden de Utena será sobre Juri

Como parte das comemorações dos 20 anos de Shoujo Kakumei Utena  (少女革命ウテナ), o anime, Chiho Saito está desenhando novos capítulos da série, que são publicados na revista Flowers.  Ainda não coloquei os olhos em nenhum deles, mas vi no Facebook que o próximo capítulo, que sai em 27 de janeiro, se chamará "Utsukushiki Toge" (*não consegui os kanji*) e terá Juri como protagonista com a participação de Shiori.  A história se passará na Academia Ohtori, depois do final da história.  Resta saber sedo anime, o que seria mais lógico em virtude das comemorações, ou do mangá.  A presença de Shiori, meio que indica que é o anime.



Por qual motivo estou pontuando isso?  O mangá tem um desfecho bem diferente do anime e, no caso de Juri, a personagem é muito diferente em uma e outra linha de tempo, por assim dizer.  A Juri do mangá é heterossexual e apaixonada por Touga.  No anime, ela é lésbica  e vive  um amor não correspondido por  Shiori, que é má feito a peste, que acredita que Juri ama Ruka, o antigo capitão do time de esgrima e que já foi o noivo da rosa.  Eu prefiro a Juri do anime, uma personagem elegante, inteligente e honrada.  No mangá, ela é bem rasinha.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Comentando Possessão (Possession, 2002)


Ontem, assisti Possession, o outro filme de época com Jeremy Northam citado pelo post do Frock Flicks.  Eu gosto bastante de Possession, mas, efetivamente, não é um grande filme como The Winslow Boy.  Rever o filme tantos anos depois, quase dez, acredito, confirmou minhas impressões iniciais, e fez com que eu me perguntasse como deletei da memória a informação de que a personagem de Jennifer Ehle era bissexual, porque, na época, a coisa deve ter passado batida por mim, assim como o fato do filme ter dois adultérios e ão somente um.  Enfim, o filme pode não ser esta maravilha toda, mas há umas discussões importantes que a gente pode fazer com ele.  E, sim, apesar do título, o filme não lida com assuntos paranormais, ou espiritualistas.

Final do século XX, Roland Michell (Aaron Eckhart) é um norte americano que estuda a obra do poeta vitoriano Randolph Henry Ash (Jeremy Northam).  Ele se sente deprimido, não conseguiu que seu orientador o escolhesse para um posto de professor assistente e acredita que sua carreira está estagnada.  Um dia, pesquisando na Biblioteca de Londres em um livro de História Natural que pertencera à Ash, ele encontra uma carta de amor escrita pelo poeta.  Apesar de saber que era um crime, ele decide levar a carta.  Michell fica intrigado com a possibilidade de um envolvimento amoroso do poeta, conhecido por seus rígidos padrões morais e pela fidelidade à esposa, com outra mulher e não qualquer mulher, pelos seus cálculos só poderia ser a poetisa pré-rafaelita Christabel LaMotte (Jennifer Ehle).  


Você  é  um intelectual sério, você encontra
um documento inédito. O que você faz? Você o rouba.
Em busca de indícios, mas sem dizer o que descobriu, seu principal rival acadêmico, Fergus Wolfe (Toby Stephens), lhe indica a maior especialista na obra da poeta, Maud Bailey (Gwyneth Paltrow).  Michell marca um encontro com a Dr.a Bailey e ela acredita que a teoria de uma ligação afetiva entre Ash e LaMotte absurda. LaMotte é estudada avidamente por intelectuais feministas por sua obra e por ser lésbica.  Bailey entrega para Michell o diário da companheira de Cristabel, a pintora Blanche Glover (Lena Headey). 

Michell termina por ver nos escritos de Blanche pistas que se somam ao que ele acredita ter achado no diário da esposa de Ash (Holly Aird).   Apesar de descrente, a Dr.a Bailey decide ajudar Michell e documentos, cartas, algo mais consistente que indícios, começam a aparecer e uma intensa e turbulenta história de amor e tragédia começa a ser revelada.


A criatura aqui não percebeu que Blanche e Cristabel
 eram efetivamente um casal.
Eu gosto de Possessão, tenho, inclusive, o DVD na minha coleção.  Há questões no filme que são bem interessantes, para além da história, dos dois romances que se entrelaçam.  Por exemplo?  Tente imaginar que você dedica toda a sua vida acadêmica a estudar uma personagem e seus escritos, desenvolvendo, inclusive, certa afetividade em relação à figura e, de repente, uma descoberta pode bagunçar tudo o que você tem na cabeça, Ela ser aparentada com Cristabel é o de menos nessa complicada equação.  

A personagem de Paltrow, é uma intelectual feminista e engajada.  O fato de Cristabel ser uma poeta a frente de seu tempo, vista por suas estudiosas como lésbica, afinal, tinha uma companheira e as duas viviam juntas, é uma bandeira política.  Como questionar tudo isso?  Como admitir que Cristabel LaMotte teve um caso com um poeta visto como misógino até?


Parceiros de pesquisa e, de certa forma, também criminosos.
Imagino que na história da ciência – estou pensando na Literatura e na História prioritariamente, mas não só – muitos estudiosos tenham deliberadamente ignorado fontes, indícios, pistas, simplesmente para não terem que mudar a sua narrativa, a forma como viam seu objeto, como tinham organizado a sua própria vida em torno de seu trabalho acadêmico.  Lembram de um episódio da Família Dinossauro na qual arqueólogos ou paleontólogos encontram uma televisão e a enterram de novo?  Pois é, ela não fazia sentido e quando uma coisa não faz sentido, quando ela pode gerar a desestabilização das nossas certezas, muitas vezes, nos negamos a vê-la, ainda mais, relatá-la.  Persuasão trata dessas questões.

Agora, para Roland Michell isso não é um problema.  Ele é um intelectual em busca de um objeto.  Está ligado a um projeto de pesquisa sobre Randolph Henry Ash, mobilizado pelas celebrações dos 100 anos da morte do poeta, mas não tem um objeto que seja dele.  Além disso, foi preterido para um posto na universidade e está deprimido e sem perspectivas de crescimento na sua carreira.  Ainda que tenham mexido muito na personagem de Michell em relação ao livro original, para começo de conversa, ele era britânico e, não, norte americano, este drama pessoal foi preservado.  


A capa original do livro.
Quando assisti ao filme, comprei o livro, também.  O fiz, aliás, por um motivo bem ridículo, queria saber se o livro relatava qual o problema da esposa de Ash, que se desculpa com o marido por não poder ter filhos e sequer manter relações sexuais com ele.  Comecei a ler o livro e me deprimi.  Estava terminando o doutorado, ou tinha recém terminado, e o drama da personagem, meio perdido em relação à carreira, era muito próximo do que eu mesma estava vivendo.  Um amigo uma vez me disse que o doutorado poderia ser o início, ou o fim, de uma carreira, eu temia ser o meu fim... Michell, a personagem do livro, também.  

“Publish or perish” (Publique, ou morra), lhe diz seu adversário intelectual, a irritante e esnobe personagem de Toby Stephens.  Para quem não está na universidade, existe uma coisa chamada Currículo Lattes e a Capes, agência governamental fomentadora de pesquisas, dá nota aos cursos e aos periódicos.  Então, um pesquisado para estar vivo, precisa publicar, para ser reconhecido, precisa mais do que isso, tem que publicar nos lugares certos.  

As pessoas matam e morrem por essas pequenas vaidades, mas elas são fundamento da nossa vida intelectual.  Em Possessão, fica meio que evidente que o que ocorre no Brasil, acontece, também, em outros lugares.  Há diferenças?  Sim, mas o campo intelectual se pauta por regras semelhantes, só para usar um conceito de Bourdieu, e existe uma comunidade internacional de pesquisadores.  Quem é você na cadeia alimentar?  Michell era zero e sua grande descoberta – a carta que ele roubou – foi feita quando ele tinha sido colocado para fazer um trabalho de menor importância, colher dados no diário da esposa de Ash e em livros banais cujo único valor era terem pertencido ao autor.


Nosso poeta.
E vamos para um outro ponto.  Uma descoberta como esta é impossível?  Não, de forma nenhuma.  Que eu saiba – pode ter ocorrido alguma coisa enquanto eu estava distraída – o último documento franciscano do século XIII encontrado, o Audite Poverelle, foi achado por acaso em 1976.  Não vou falar em detalhes da ordem de destruição de documentos relativos à Francisco de Assis, simplesmente, quero dizer que uma carta, um poema, ou até mais que isso, pode ser escondido dentro de um livro de um assunto insuspeito.  Botânica, por exemplo, e lá ficar.  

No caso do filme, Ash escondeu o rascunho de uma carta de amor em um livro de História Natural.  Ele pode ter guardado e esquecido, também.  Tente lembrar se você nunca comprou um livro usado e achou um cartão, foto, bilhete dentro.  Já achei muita coisa. Enfim, o tal livro foi parar em uma grande biblioteca.  Talvez, nunca tenha sido aberto.  O que é incomum, o que é quase impossível, é um pesquisador achar um documento e roubá-lo.  Só que esse tipo de coisa também é discutida no filme.  


Primeiro, um romance platônico. 
Tanto a personagem de Toby Stephens, quanto o Dr.  Cropper (Trevor Eve) não teriam o menor pudor em roubar um documento. O filme mostra o quanto colecionadores, como Cropper, pagam milhares, talvez até milhões de dólares, por um original.  Um documento que deveria ser colocado à disposição de pesquisadores pelo seu valor para o progresso da ciência, passa a ser propriedade de um particular.  

Há quem não saiba, mas a gente não costuma – e não deve – poder tocar em documentos originais.  Isso é para poucos, verdade, mas há estudos que são feitos sobre o tal original, materiais usados, anotações de canto de página, a letra de quem escreveu... Vamos pensar em alguém estudando se um autor, ou autora, estava doente quando escreveu tal carta. A letra que era firme em outros documentos, poderia estar irregular.  


Um mês para viver intensamente um amor.
Fora isso, esses documentos deveriam ser vistos como patrimônio coletivo, no máximo estar sob a tutela de um museu, ou universidade.  Quando o (*maldito*) ISIS destruiu monumentos na antiga Mesopotâmia ou os norte-americanos, na invasão ao Iraque, usaram tijolos em cuneiforme para calçar mesas, meu coração doía.  Agora, aqueles que tem dinheiro e conhecem o valor de documentos e artefatos, lucram muito nesses momentos de anarquia.  O filme discute de forma superficial – e um dos problemas do filme é ser superficial MESMO em relação ao presente – essas e outras questões.

Este texto está ficando muito louco, eu sei.  Não parece uma resenha, mas, enfim, confesso que estou muito contente em escrevê-lo, vamos lá.  O Romance!  O do século XIX, porque o dos dias atuais – anos 1980, suponho, porque não há sombra de celulares e computadores são poucos e antiquados – é bem blé.  Explicando, o filme costura de forma muito bonita, o passado e o presente.  Os amantes esquecidos – Cristabel e Ash – e os pesquisadores que se tornam amantes.  Cada carta descoberta é lida em voz alta e nós voltamos ao passado.  E  este ir e vir é um dos charmes  do filme, ainda que eu preferisse ver mais do romance vitoriano de suas limitações, possibilidades, sacrifícios, do que o do presente.  


Desculpe, filha, mas você vai ter
que refazer toda a sua tese de doutorado.
Em relação ao presente, o filme não foi muito efetivo em explicar qual o problema de Michell com as mulheres.  Teria sido ele abandonado?  No livro, ele tem uma namorada e eles moram juntos no início da história.  Já Bailey parece ser frígida.  Até encontrá-lo.    Ela tem uma série de problemas de aceitação que não são muito bem explicados, salvo se eu considerar que se trata de uma crítica (*misógina*) ao campo de estudos feministas, porque, bem, eu convivi com várias pesquisadoras, estou neste campo, por assim dizer, e a maioria das mulheres que conheci – sejam hetero, lésbicas ou bi – viam o sexo como coisa mais natural e desestressada do que muita gente.  Mas, como eu pontuei, o filme se omite em explicar as nóias dos dois.  

Indo para o século XIX, a personagem de Cristabel foi inspirada em Christina Rossetti (1830-1894) – irmã de Grabriel Rossetti.  Ela foi poetisa, escreveu músicas, também.  Não precisei ir pesquisar, porque bastava olhar as referências medievais da primeira cena entre Cristabel e Blanche, sua companheira, e ver detalhes pré-rafaelitas por todos os lados.  


O ciúme de Blanche acaba impulsionando o
 Romance entre Cristabel e Ash.
A Irmandade Pré-Rafaelita – se não estou enganada – foi o primeiro movimento artístico nascido anglo-saxão e reuniu pintores, poetas, escritores, vários deles, como Christina Rossetti, eram mulheres, ainda (*Supresa!*) que as pessoas se lembrem mais dos homens, como o próprio Rossetti (*irmão*), Milais, Hunt, entre outros.  Houve uma minissérie da BBC, que poderia ser fantástica, mas não foi, sobre os Pré-Rafaelitas (*Resenha aqui*) 

Cristabel tinha uma vida com Blanche e o filme não deixa dúvidas de que as duas eram companheiras.  Usar amantes é muito pouco.  Isso era incomum?  Sim, mas possível.  Cristabel e Blanche levam uma vida respeitável e reservada, são ricas, independentes e adultas.  A própria Cristabel, quando assume seu caso com Ash, pontua a necessidade de ser reservada e vista acima de qualquer suspeita.  


Agora que descobri que a Blanche é Cersei.
Já ouviram falar que as lésbicas eram invisíveis?  Pois é, as pessoas bissexuais são ainda mais, porque nos meus (pre)conceitos, eu me recusei a perceber o romance das duas mulheres.  Tinha colado em Blanche, que é quase tão traída quanto a esposa de Ash, a plaquinha de amiga ciumenta e que tinha confundido as coisas.  Ciumenta e passional, sem dúvida, mas ela não confundira nada, simplesmente, estava vendo sua vida feliz desmoronar quando sua companheira se apaixona por um homem.  Seu ciúme empurra a decisão de Cristabel em tornar físico o que era platônico, mas a relação das duas é concreta e visível no filme.

Já Ash, vive  um casamento branco com a esposa.  O que é isso?  Enfim, entre as doideiras vitorianas, havia o casamento sem sexo, muitas vezez jamais consumado, chamado de casamento branco (Marriage blanc).  Não fica claro se Ash e a esposa, Ellen, tinham tido alguma relação alguma vez, ou se havia algum problema com ela, mas o fato é que o marido era extremamente devotado à esposa e tinha ficado conhecido por sua fidelidade e comportamento moralmente perfeito.  Isso, claro, até as cartas aparecerem... 


Tem um fanservice ou outro, pouca coisa.
O fato é que Ash conhecera Cristabel em uma reunião íntima em homenagem à poetisa, que era, como pontuei acima, muito reservada.  Ela mesma se compara a uma aranha, sempre em sua teia observando e esperando.  Ela despacha Ash no primeiro encontro, mas os dois terminam por trocar intensa correspondência.  Parte dela destruída por Blanche.  O que se tem, no início, é admiração (intelectual) da parte dele, mas logo vem a paixão.

Blanche confronta Cristabel, que tenta pacificá-la.  Já a esposa de Ash, comporta-se da forma esperada para mulheres de sua classe social, fecha os olhos.  Ash e Cristabel decidem passar um mês juntos, fingindo serem casados.  Os pesquisadores descobrem a viagem e refazem os passos do casal.  A partir daí, tragédias se sucedem.  Cristabel engravida e foge para ter a criança em segredo e temendo que Ash a tire dela.   A menina passa a ser criada como filha da irmã da poetisa.  Já Blanche, destrói suas obras e se suicida.  


Se você é uma pessoa mais ou menos normal e passa um
mês fazendo sexo sem proteção,
 provavelmente, engravidará.
Ash fica no escuro.  Desconfia da gravidez.  Vai atrás da amante, que não o recebe, até persegui-la até uma sessão espírita (*uma moda entre as classes abastadas da época*) e ter um confronto com Cristabel.  “Você me tornou uma assassina!”.  Ele crê que ela matou a criança que esperava e passa a despejar seu rancor e frustração em textos misóginos.  Detalhe, ele também passa a odiar espiritualistas. Ash descobre a verdade?  Vejam o filme. Só digo que fiquei agoniada com esse mal-entendido todo, porque, bem, Ash é uma personagem simpática, não antipática.

A interpretação de Jeremy Northam em Possessão é totalmente diferente daquela que ele oferece em Emma, ou em The Winslow Boy.  Não há um traço sequer do olhar malicioso.  Ele parece inocente e romântico, como um poeta desse movimento – ainda mais adepto da castidade – deveria ser.  Seu cabelo não está arrumadinho o tempo todo, também.  Enfim, ele está lindo e talentoso de outra forma.  Jennifer Ehle é o outro ponto alto do filme.  Há ecos de Elizabeth Bennet na forma como Cristabel consegue ser polidamente impertinente, mas ela interpreta uma mulher adulta, que quer ser livre, mas sabe que nunca poderá ser em uma sociedade como aquela que vive.  Daí, após os traumas, seus poemas se tornam cada vez mais místicos e (*aparentemente*) afastados do mundo real.  Ela, também, se isola, produz até o fim da vida, mas o faz de forma quase absolutamente reclusa.  Em sua obra, ela adverte que não se deve confiar nos homens, no fim da vida, no entanto, ela se lembra de Ash e tenta explicar tudo.  Conseguiu? Veja o filme.


Cristabel posando, mais pré-rafaelita impossível.
De resto, o filme foi baseado em um livro de mesmo nome premiado com Booker Prize em 1990.  A autora, assim como a de Harry Potter, assina abreviando seu nome, Antonia Susan Byatt, como A.S. Byatt.  Isso me dá preguiça, mas, ao mesmo tempo, compreendo como um nome de mulher na capa de um livro ainda desperta inúmeros preconceitos.  Com o nome de Possession, então... 

Enfim, como vocês perceberam, a começar com as mudanças na nacionalidade do protagonista, Roland Michell, várias mudanças foram feitas em relação ao livro original.  Uma delas, a mais irritante, porque repetida à exaustão, são as piadas e observações a respeito dos norte-americanos.  A maioria das falas desnecessárias e ridículas são da personagem de Toby Stephens.  Que não tem função na história a não ser parecer metido, fofoqueiro e traiçoeiro. Enfim, ele é uma caricatura, não uma personagem decente.  


Não resisti, um spoiler pra vocês. 
Quem mais está no filme é Tom Hollander, como o amigo advogado (solicitor) rico de Michell (*ele mora no porão do cara*), que o “ilumina” a respeito das implicações legais de se roubar um documento de uma biblioteca.  Curiosamente, Hollander parece mais jovem em Possessão do que em Wives and Daughters que é de 1995.  Ah, sim, e o filme cumpre a Bechdel Rule.  Citei quatro personagens femininas pelo nome, mas há outras, como a secretária (Paola) do orientador de Michell, a prima francesa de Cristabel, a filha dela com Ash (Maya), enfim... E o filme se não foi pensado para ser feminista, permite várias discussões feministas.  É só querer.

Terminando, há uma única cena de sexo no filme e eu não tenho nenhum problema em dizer que é uma das minhas favoritas de todos os filmes que eu já vi.  Toda a sequência com Ash e Cristabel é romântica, apaixonada, bem dirigida e interpretada.  Eu adoro e vejo e revejo, sem nenhuma vergonha.  Não vou dizer que vale o filme, mas dentro de contexto, ou fora dele, ela continua maravilhosa.  É isso.  E não vai ter mais resenha com Jeremy Northam  até que eu termine de ver a segunda temporada de The Crown, onde ele interpreta o Primeiro Ministro por toda a  temporada, ou parte dela. 

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A Revolução francesa em Quadrinhos é tema de exposição na Itália


Como preparação para a temporada da ópera Andrea Chénier no Teatro Scalla de Milão, o  WOW Spazio Fumetto – do Museu do Quadrinho, Ilustração e Animação de Milão trará a exposição Una Rivoluzione a Fumetti ~La Rivoluzione Francese a fumetti da Andrea Chénier a Lady Oscar~.  O objetivo da exposição é  mostrar como os quadrinhos (*e, se entendi bem, também o cinema*) retrataram a Revolução Francesa.  Destaque, claro, para A Rosa de Versalhes.  É sempre  maravilhoso ver a influência do trabalho de Ikeda e o valor que ele recebe em países como a Itália.  A exposição estará aberta de 2 de dezembro até 11 de fevereiro.  André Marie Chénier (1762-1794), de quem nunca tinha ouvido falar, era um poeta considerado um dos precursores do romantismo.  Ele foi condenado à morte e executado na guilhotina sob a acusação de "crimes contra o Estado", dias  antes da queda dos jacobinos, ou seja, por pouco não escaparia.  Agradeço à Sam por ter me aviado. :) 

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

20 anos atrás era exibido o último episódio de Utena


Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ) foi uma das animações mais importantes da década de 1990, ou os japoneses não estariam recordando, comentando e lançando montes de produtos. Enfim, o último episódio, carregado de emoção e marcado pela pergunta "para onde foi Utena?" foi exibido pela TV Tokyo na noite de Natal de 1997. No final do episódio, que é muito diferente do mangá Himemiya Anthy tira o uniforme, solta os cabelos (*cabelo preso é signo de repressão, vocês sabem*), coloca uma charmosa boina Rosa, pega ChuChu e sai pelo mundo em busca de Utena. Akio fica lá com cara de pastel e sem ter como continuar seu jogo perverso. Enfim, recomendo muito o anime. O movie, que saiu no Brasil, nem tanto, mas a animação é obrigatória.

Anthy se liberta,ou Utena a liberta?
O mangá de Utena foi lançado no Brasil pela JBC.  Foi uma grande surpresa,eu recebi uma ligação avisando e fiquei eufórica.  Utena, o mangá, não é tão bom quanto a animação, mas é uma série muito interessante por ela mesma. Utena, assim como a Rosa de Versalhes  (ベルサイユのばら), tem grande importância na minha vida e, durante muito tempo, Utena foi o meu nickname na internet. Tem gente que me chama de Utena até hoje.

Comentando Cadete Winslow (The Winslow Boy, 1999)


Sexta-feira, reassisti, depois de quase vinte anos, um filme do qual gosto muito The Winslow Boy. Não é um filme de Natal, mas curiosamente toda a ação começa em um 25 de dezembro.  A culpa de ter relembrado do filme, que estava no meu HD faz tempo, foi do site Frock Flicks que fez um post biográfico sobre os filmes de época estrelados por Jeremy Northam. Como o filme é muito bom e ele está lindo na película, decidi que iria reassistí-lo mas férias.  Northam não é o grande protagonista de The Winslow Boy, mas é o advogado, o melhor da Inglaterra na época, que usando como slogan “Let the Right be Done", consegue vencer o caso dificílimo contra o Estado, na verdade, o próprio Rei (Jorge V).

Natal de 1912, a família Winslow celebra o noivado da filha mais velha, Catherine (Rebecca Pidgeon), quando o filho caçula, Ronnie (Guy Edwards), um jovem cadete no Osborne Naval College, retorna para casa em desgraça.  Foi acusado de ter roubado uma ordem postal de 5 xilings, uma quantia insignificante, e expulso da rígida instituição militar.  O menino – ele nem completou 14 anos ainda – nega que tenha cometido o ato infracional.  


Parecia um dia qualquer...
Pai (Nigel Hawthorne) e filha iniciam, então, uma luta judicial para que o nome do filho e da própria família fique livre da acusação infame.  Depois de várias tentativas frustradas, o Winslows decidem contratar o melhor advogado da Inglaterra, Sir Robert Morton (Jeremy Northam), para tentar levar o caso até as mais altas instâncias judiciais da época. A batalha judicial é longa, a família é difamada, fica economicamente depauperada e mesmo com a vitória, o preço que cada um dos envolvidos tem que pagar é bem alto.

The Winslow Boy é quase teatro filmado.  David Mamet, que também é o diretor, tomou como ponto de partida a peça de 1946 de Terence Rattigan, que já tinha sido filmada em 1948, e coloca em tela a discussão sobre justiça, verdade e honra, além do abuso de poder do Estado – primeiro na figura do Almirantado (*que seria, mis ou menos, um Ministério da Marinha*), depois de outras instâncias – sobre os direitos fundamentais dos cidadãos.  É ficção, mas foi baseado em um caso real no qual um cadete de 14 anos foi expulso da mesma academia militar acusado de roubar o tal vale postal.  O caso mobilizou a Inglaterra, a acusação de roubo, a expulsão, mancharia a ficha do jovem e o bom nome da família.


Um pai capaz de tudo para limpar a honra de seu filho.
Arthur Winslow, o pai, quer a honra da família e o nome do seu filho fiquem limpas.  Ao longo do filme, vemos a saúde da personagem se deteriorar, ele era velho, Ronnnie era seu filho temporão. Como estamos às vésperas da I Guerra Mundial, a família é até acusada de falta de patriotismo por mobilizar todo o sistema judicial e a própria Câmara dos Comuns, por causa de um menino, quando havia tantas questões urgentes e mais importantes.  Trazendo para os dias de hoje, pense na capacidade que o atual governo brasileiro tem de usar da propaganda (*graças ao dinheiro público*) e mobilizar empresariado, personalidades da internet e da TV e a grande imprensa (*que recebem parte do tal dinheiro*) para conseguir passar as suas “reformas”. Dinheiro e poder.  Agora, imagine toda essa máquina – nas proporções da época, claro – colocadas contra uma família, mesmo que burguesa e com alguns recursos.  Foi um massacre.

Na verdade, o que o Almirantado e depois outros poderes não desejam é admitir que erraram, que se precipitaram, que foram abusivos.   A funcionária dos correios disse que não conseguia discernir um cadete uniformizado de outro e, ainda assim, o menino foi sumariamente expulso, sem possibilidade de defesa ampla e sem que seu pai fosse sequer chamado à escola.  Foi como se colassem uma placa de ladrão a testa do adolescente que era o orgulho da família.  O máximo de erro que a Marinha (*o Almirantado*) admitiu, depois de vários embates judiciais, foi o de ter expulsado o garoto sem que seus responsáveis legais tivessem sido chamados.  Algo que não iria se repetir em casos semelhantes daí para frente, segundo o Governo.


Os irmãos de Ronnie.
Enquanto Ronnie parecia estar seguindo rumo a um futuro brilhante, até que veio a expulsão, os outros filhos, Dickie (Matthew Pidgeon) e Catherine, não eram motivo de grande orgulho para o pai, que tem uma personalidade que lembra bastante o do Sr. Bennet de Orgulho e Preconceito.  E Nigel Hawthorne está fantástico no papel de pai preocupado, estremado, mas com um humor um tanto peculiar, ferino.  Enfim, Dickie é o filho do meio, que nunca se forma em Oxford, que vive se divertindo com mulheres e as últimas danças e músicas da moda.  Ele termina tendo que largar a faculdade e arrumar um emprego, porque o pai não tem mais como arcar com os custos por causa dos gastos com o processo.  

A filha mais velha, com quem o pai mantém forte laço afetivo, Cate, é sufragista e feminista, interessada pelas causas sociais, muito inteligente, mas que, bem, como não é homem e não pode seguir uma carreira segundo as aptidões que parece ter.  Na verdade, ela é meio acomodada, também.  Apesar de sua militância, de ser voluntária na associação de sufragistas, ela faz questão de dizer que “não é radical” (*como as do filme Sufragistas*), nem parece ter lutado para ter alguma carreira (*como a protagonista de Juventudes Roubadas*), ela gosta da vida burguesa que leva e como mulher, não precisa/deve trabalhar.


Cate combina peças de vestuário
femininas e masculinas em muitas cenas.
Só que o noivado com o Capitão John Watherstone (Aden Gillett) parece aos olhos dos pais a salvação para a solteirona (*ela está perto dos trinta anos*), só  que conforme a disputa judicial avança, seu dote vai embora, o noivo deixa  de aparecer para visitar e o pai do rapaz, um General, ameaça o filho (*que não vive somente do soldo, mas de uma mesada*), ou os Winslow retiram o caso contra o Estado, ou o casamento não vai acontecer, não, pelo menos, com sua bênção.  É o único momento em que o pai quase desiste da luta, que é justa aos seus olhos.  Pelo futuro da filha, ele aceitaria a humilhação.  Enfim, não preciso dizer que Cate perde o noivo que dizia amar e que começa a questionar algumas de suas convicções, inclusive cogitando em aceitar um casamento sem amor com o advogado, e velho amigo da família, Desmond Curry (Colin Stinton).  Ele sempre a amou, a venera, na verdade, mas é um sujeito bem limitado intelectualmente, fora que não é nada atraente, também.

As outras figuras da família, o próprio Ronnie, o pivô de toda desgraça, a mãe, Grace (Gemma Jones), e a criada Violet (Sarah Flind) permanecem meio à margem do processo.  Gemma Jones me parece sempre interpretar o mesmo tipo de mãe, amorosa, mas desconectada da realidade.  Grace, no filme, pensa micro e, não, macro.  Ela se preocupa com a saúde do marido, com o bem estar do filho (*ele vai bem na nova escola, brigar para quê?*), em não ter que perder seus pequenos luxos e comodidades, em não ter que demitir a empregada de mais de 25 anos, Violet.  Ela é a mulher absolutamente convencional e domesticada, isso, aliás, nada tem a ver com não ser boa mãe, esposa, amável, enfim.  Esta, aliás, é uma questão que rende uma das grandes cenas de Gemma Jones no filme, quando ela confronta o marido e pergunta se tudo o que está fazendo não seria por orgulho e vaidade.  A  outra grande cena da atriz é  quando o marido a questiona sobre sua roupa para o tribunal, bonita demais, aparentemente cara demais, afinal, o filho está sendo acusado de roubo e falsificação, ela se enfeza, afinal, ela não pode repetir a mesma roupa o tempo inteiro, não é mesmo?


Acima de tudo esposa, mãe e dona de casa.
O ator que interpreta Ronnie consegue passar todas as contradições de sua idade.  Ele se preocupa mais em não decepcionar o pai, afinal, o patriarca considerava motivo de grande orgulho ter seu filho na Academia de Osborne.  Fica evidente, também, que como caçula e temporão, ele é o centro das atenções do pai, da mãe e da irmã muito mais velha.  Só que ele não tem a dimensão do drama da família, sequer do que uma expulsão em desgraça pode fazer no seu futuro.  Quando sai o veredito, ele está no cinema.  Sua cena mais exigente é exatamente a do interrogatório feito por Sir Robert Morton.  Ali, o jovem ator mostra toda a sua competência.  Só uma curiosidade, o verdadeiro “cadete Winslow”, o que inspirou a peça, viveu pouco, morreu na Grande Guerra com míseros 19 anos.

E chegamos a Jeremy Northam, cuja interpretação é um dos pontos altos do filme.  Ele é um advogado famoso, o melhor da Inglaterra, conhecido por suas atuações teatrais, por se ligar a casos de grande repercussão nacional, grandes questões, e por suas ideias conservadoras.  Desde o primeiro momento, ele é hostilizado por Cate.  Ela não consegue convencer o pai a não contratá-lo, ela torce para que o grande advogado não aceite o caso, ela desconfia de suas intenções.  Já o advogado parece encarnar todas aquelas virtudes viris públicas das classes dominantes, mostra sangue frio, analisa meticulosamente o caso, suas demonstrações de emoção são absolutamente calculadas.  
Morton acredita em Ronnie.
Ele confronta o menino de forma rude e impiedosa para horror de seus familiares, literalmente o encurrá-la.  O menino mantém sua versão, mas comete uma série de pequenas omissões que convencem o advogado de que, sim, ele fala a verdade.  O que é certo deve prevalecer.  “Let the right be done”.  Quando o caso está quase sendo rejeitado pela Câmara dos Comuns, os Winslow, o queriam retirar das mãos do Almirantado e torná-lo um caso contra a Coroa, Morton saca um jornal difamatório, uma cantiga que acusa o menino de vários vícios, e dá de Bíblia em todo mundo.  Com a lei civil e a Bíblia atuando juntos, um advogado talentoso, um clima emocionalmente favorável,  o estratagema funciona, mas isso é o começo.

The Winslow Boy é um filme de tribunal no qual o tribunal mal aparece.  E, bem, ele é muito bom por isso, ou apesar disso, talvez.  O melhor do filme são os diálogos.  Os duelos verbais entre Cate, que só vê defeitos no advogado que ela acredita estar sempre do lado dos poderosos, e de Morton, que, na minha opinião, aceitou o caso também por causa dela, são excelentes.  Eles não se agridem, ambos são bem comedidos e civilizados, só que Northam tem sempre um arzinho malicioso... o mesmo que o ator usou no seu Mr.  Knightley.  Ele decora as roupas da moça, sabe exatamente o que ela vestia, acompanha todos os seus passos, crítica suas aparentes contradições.  É um romance pouco convencional e, ao mesmo tempo, muito intenso.  Ela parece não perceber o interesse dele, nem o seu próprio, estava envolvida com o drama familiar, claro, mas, como ele pontua no final, ela conhece pouco dos homens. 


O advogado mais bem sucedido da Inglaterra.
O último diálogo-duelo dos dois, depois da vitória, é o único momento em que Morton trai suas emoções, não em relação à moça, mas quanto a forma emocional como tinha abraçado o caso.  Ele finge frieza, é uma necessidade e um dever manter uma imagem de autocontrole público, mas o processo todo o deixou abalado.  Imagino que ele também  tenha perdido um pouco de sua saúde ao longo da jornada processual.  É Desmond Curry, o advogado apaixonado por Cate, que entrega para a moça o grande sacrifício feito pelo advogado e faz com que ela o veja com outros olhos.  Tentaram suborná-lo para que abandonasse o caso contra a Coroa, oferecendo-lhe o que deveria ser o sonho de um advogado como ele, mas ele rejeitou.  Ele pode não compartilhar os mesmos ideais de Cate, ele debocha das convicções feministas da moça, mas é um homem de caráter e fica subentendido que ele iria vê-la de novo e que ela deseja o reencontro.  

Já indo para o final, o filme cumpre a Bechdel Rule.  Não é um filme feminista, ainda que aborde as limitações impostas às mulheres.  Cate, por exemplo, não pode assistir a sessão da casa dos Comuns junto com os homens, as mulheres têm uma galeria a parte, com treliças, como em algumas mesquitas e sinagogas.  Elas podem ver, mas não podem ser vistas.  Morton diz que espera ver Cate de novo, um dia, nas galerias, ela diz que o verá de novo, um dia, mas participando da sessão.  Ele diz ser impossível.  Ela diz que ele não conhece as mulheres.  O filme não é sobre bandeiras feministas, sobre Cate, sobre igualdade, mas algumas discussões estão presentes.   Mostrar que mesmo homens de caráter podem ser contra o avanço dos direitos das mulheres, é mostrar as possibilidades da época e, não, mascará-las como em uma novela da Globo, como Tempo de Amar.


Uma senhorita que parece não conhecer os homens.
Já terminando, o filme sempre traz uma cena repetida, a gráfica de jornal.  Os reveses do caso são mostrados em manchetes e em charges.  Outra curiosidade, há dois advogados importantes no filme, mas os termos usados para um e outro são diferentes.  Mr. Curry é um “solicitor”, ele cuida de papelada, encaminha petições.  Morton é um “barrister”, é quem vai ao tribunal, quem participa ativamente dos julgamentos (*Aprendi no Canal Tecla Sap*).  Na Inglaterra, são duas carreiras distintas.  Bem, é isso.  Recomendo muito o filme The Winslow Boy.  Ele é inteligente, elegante, discute questões pertinentes ainda hoje.  Fora isso, tem um dos romances que não são bem romance mais bem construídos que eu já vi, um belo figurino, grandes atuações, e um Jeremy Northam lindo.  Vou reassistir e resenhar outro filme de época com ele, Possessão.  Aguardem.