terça-feira, 31 de maio de 2022

Bibliophile Princess tem seu primeiro teaser trailer revelado

Não sabia que a série Bibliophile Princess, ou Mushikaburi-hime (虫かぶり姫), de Yui e Satsuki Shiina, iria virar anime, mas já saiu até o primeiro teaser-trailer!  A série começou como novel (2015-2022), e ainda está saindo em formato light novel e mangá (Comic Zero Sum).  Eu soube do mangá, porque acho que, em algum momento, ele apareceu no ranking da Oricon.  A história da série é a seguinte:

Eliana é a noiva prometida do príncipe herdeiro, Christopher, e gasta seus dias lendo livros, algo incomum para uma jovem dama.  Em um dia fatídico, Eliana acabou sabendo que havia outra moça que era alvo do afeto do príncipe. Imediatamente, ela pensou que uma garota que realmente amava o príncipe havia aparecido!! E, pensando nisso, Eliana começou a se preparar para a aproximação do momento em que seu noivado seria cancelado...  Obviamente, trata-se de um mal-entendido, talvez, exista até uma conspiração em andamento, eis é o ponto de partida da história de Eliana.

Uma mocinha chamada Eliana.  Achei bonitinho.  O anime está prevista para outubro.  Preciso dar uma olhada no mangá, porque tem scanlations.  Para maiores informações, veja o ANN, ou o Comic Natalie.

domingo, 29 de maio de 2022

Justiça para Genivaldo: Contra a Normalização do Fascismo no Brasil

No dia 25 de maio, data de dois anos de aniversário do assassinato do norte-americano George Floyd, evento que desencadeou o movimento Black Lives Matter, e da negativa do presidente de permitir que o nome de Nise da Silveira, pioneira do tratamento humanitário das pessoas com transtornos psiquiátricos, no livro dos heróis da pátria, o sergipano Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, casado, pai de um menino de 8 anos, como a minha Júlia, aposentado por invalidez por ser esquizofrênico, foi executado publicamente por agentes da polícia rodoviária federal em Umbaúba (SE).  Eles criaram uma câmara de gás improvisada usando a viatura e deixaram Genivaldo, que não mostrara resistência, lá dentro, o homem urrou, gritou, até que se calou, morto estava.  

Qualquer analogia com o nazismo não é gratuita, afinal, os primeiros a serem exterminados em caminhões câmaras de gás dentro de caminhões fechados (*Gaswagen*) foram os deficientes mentais.  Os campos de extermínio de judeus, ciganos e outros não foi o início do processo, foi o seu desfecho.  Em 2020, um dos filhos do atual presidente disse que não temos casos como o de George Floyd no Brasil, as evidências apontam para o contrário.  Na verdade, vivemos um momento de apologia à violência, de deboche com a morte de pessoas consideradas marginais pelo autor da piada, de avanço de uma cultura fascista que é sancionada pelo discurso dos que estão no poder, não raro, apelando para o uso instrumentalizado da Bíblia (*"Deus vult": Deus o quer*).  E, sim, isso no país do racismo estrutural e de uma desigualdade social atroz. 

E qual foi o crime de Genivaldo?  Estar conduzindo uma moto sem capacete (CBT, Capítulo XV - DAS INFRAÇÕES, Art. 244). A pena é multa e suspensão do direito de dirigir, mas ele foi morto.  O crime d Genivaldo foi cometido pelo presidente do país várias vezes sem que ele fosse sequer advertido.  Não estou justificando o crime, estou perguntando por qual motivo uns são tolerados, enquanto outros são eliminados.  Não há pena de morte em nosso país.  Para que alguém possa ser condenado, é preciso que tenhamos um processo e julgamento que pode se desdobrar em pelo menos três instâncias.   Os policiais não se importaram com as filmagens, com as súplicas de familiares, com os gritos de Genivaldo.  A nota da polícia rodoviária também foi vergonhosa, porque ignorou as filmagens e declarou que Genivaldo morrera por causas naturais.  

Mais tarde, foi divulgado um vídeo de um professor de um cursinho preparatório para policiais se deliciando em contar como torturara um preso de forma semelhante.  Este curso já foi divulgado pelo nosso presidente e já esteve envolvido em outros pequenos escândalos de propaganda de ideias contra a democracia e de apologia à violência policial, inclusive contra mulheres, crianças e bebês.  Detalhe é que a polícia rodoviária federal, sem explicação razoável, havia participado no dia 24 de maio de um massacre ocorrido na Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro.

vários protestos acontecendo por causa da morte de Genivaldo, mas nada próximo de um Black Lives Matter, que repercutiu muito mais no Brasil do que a de um dos seus concidadãos.  Nossas vidas valem pouco, nossa carne é muito barata e fomos ensinados a perguntar para cada pobre que é morto, e a cor de sua pele é somente um agravante, a pergunta "o que ele/a fez para merecer?".  Naseceu pobre e/ou negro em um Brasil que legitima a violência do Estado, eu responderia.  Eu ouvi e li a fala de viúva e de outros familiares e testemunhas em vários veículos de comunicação, é de cortar o coração.  Se você não sente o mínimo de solidariedade, você não é somente insensível, você carece de caráter, você seria um dos agressores se tivesse chance.

"O ódio é um afeto que se apresenta na política das mais diversas formas. Da mesma maneira que o ódio pode conduzir à morte e à destruição, é também um sentimento capaz de, paradoxalmente, nos levar a lutar por libertação ou a estabelecer formas ativas de solidariedade para com aqueles que sofrem.  Dito de outra forma, foi preciso odiar a escravidão e seus institutos para que ela pudesse ter fim; foi preciso odiar os nazistas e seus símbolos para derrotá-los. É imperioso odiar o fascismo e todos que o celebram. É imprescindível repudiar visceralmente e com todas as forças aqueles que humilham e destroem a vida de trabalhadores e de minorias."

O trecho acima veio de um artigo de Sílvio Almeida, o maior intelectual negro brasileiro da atualidade, escrito sobre o caso Genivaldo para a Folha com o título de "Ódio e nojo", ele é uma referência direta ao discurso memorável de Ulysses Guimarães no qual ele disse ter 'Temos ódio e nojo à ditadura'.  A maioria dos brasileiros médios, infelizmente, não têm "ódio e nojo" nem à ditadura, nem à violência policia, nem ao racismo, porque se vê como cidadão de bem, somente quando a violência lhe bate a porta, quando ela lhe atinge diretamente, é que a reflexão pode vir.  Pode, não necessariamente, virá.  Temos a chance em outubro de começar a tentar rechaçar essa naturalização da violência e o fascismo.  Se a perdermos, talvez tenhamos que esperar, caso ainda exista Brasil e Mundo, por mais uns trinta, ou cinquenta anos para tentarmos recuperar a humanidade.  Para quem quiser ler um dossiê do caso Genivaldo, recomendo esse post do Buzzfeed.

Hagio Moto lança novo mangá na revista Flowers

Hagio Moto estreou no dia 27 de maio mais um spin-off, ou continuação, não sei bem, de Poe no Ichizoku (ポーの一族), sua famosa série sobre seres imortais que foi publicada entre 1972-1976.   Com o nome de Poe no Ichizoku: Ao no Pandora (ポーの一族: 青のパンドラ), a série se passa em Munique no ano de 2016, segundo o Comic Natalie.  Hagio Moto vem publicando várias continuações de Poe no Ichizoku na revista Flowers, que está em comemoração do seu 20º aniversário.

Hagio Moto é uma das grandes omissões no Brasil.  Autora reconhecida internacionalmente e em sua nação, ela faz parte do grupo de autoras que revolucionou o shoujo mangá e expandiu os horizontes da demografia sendo reconhecida como uma das precursoras do BL (Boys Love) junto com Keiko Takemiya.  

sábado, 28 de maio de 2022

Comentando Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (EUA/2022): Um dos melhores filmes do MCU e um dos piores, também.

Segunda-feira, assisti ao filme Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness) meio que por acaso.  Fui para uma consulta no Liberty Mall e o cinema desse shopping, que normalmente passa filmes fora da casinha, de arte, brasileiros, alemães, israelenses, franceses, decidiu na volta da pandemia colocar cinema pipoca em uma de suas salas.  Necessidades, eu imagino, ainda que me pareça uma heresia, mas Doutor Estranho estava legendado (*Amém!*), dava horário e eu fui.  Considero a película uma das mais competentes da Marvel, sério, entra no top 10 dos melhores filmes do MCU fácil, exatamente por isso, me dói ter que dizer que, ao mesmo tempo, odiei a película.  Se você quiser ler minha resenha, saiba que ela terá spoilers, não tenho energia, nem tempo, para escrever dois textos desta vez.

Muito bem, neste segundo filme do Doctor Strange (Benedict Cumberbatch) temos a introdução de uma nova personagem, America Chavez (Xochitl Gomez), uma adolescente vinda de outro universo e perseguida por seres ameaçadores.  Ao encontrá-la, o herói se recorda que já sonhou com ela e a menina lhe informa que os sonhos que teve foram experiências reais de um de seus "eus" de outro universo.  Sem saber como lidar com a questão e percebendo que há feitiçaria (witchcraft) envolvida e não somente magia, Strange vai em busca de Wanda (Elizabeth Olsen) em busca de auxílio.  Além de conhecer o Multiverso, Wanda tem experiência com feitiçaria.  Trata-se, porém, de um erro, porque Wanda assumiu a identidade da Feiticeira Escarlate, e de posse do Darkhold, ela é que está por trás da perseguição à menina.

O filme do Doutor Estranho foi dirigido por Sam Raimi, responsável pela primeira tilogia do Homem-Aranha, que incorporou ao filme uma série de referências de filmes de terror ao mesmo tempo inesperadas e competentes.  Tivemos uma versão zumbi do herói; Wanda controlando à distância um eu alternativo seu que lembrava a protagonista de Carry, a Estranha; vários sustinhos aqui e ali, além de uma série de outras referências óbvias para os fãs do gênero e que me escaparam.  Vocês acham textos, ou vídeos, listando esse tipo de coisa na internet fácil.

Eu não gosto de filmes de terror, é o gênero do cinema que menos me interessa e só me movo para assistir algum filme desse tipo por algum outro interesse cruzado.  Vi A Bruxa e o Lobisomem, porque eram filmes de época interessante; assisti A Colina Escarlate por causa do Tom Hiddleston.  Gosto de vampiros, verdade, mas não havia nenhum em Doutor Estranho.  O importante do segundo filme do Doutor Estranho é que tudo funcionou bem e o filme supera muito o primeiro que se segurava em uma boa introdução de personagem e em efeitos visuais competentes, mas padecia da falta de um roteiro coeso e de um vilão de verdade.  Desta vez, tudo está no seu devido lugar.

Para quem está preocupado com a necessidade de assistir um monte de outros filmes e séries antes, bem, se eu não tivesse visto o último Homem Aranha, não me faria falta, ele não é necessário para a compreensão da história.  A série What If... ajuda um pouco, na medida que nos permite entender o motivo pelo qual Christine Palmer (Rachel McAdams) e o Doutor não podem ficar juntos,  ainda assim, trata-se do clichê do herói que não pode ter uma parceira, ou parceiro, porque sua vida correrá risco.  É fácil entender a dinâmica sem qualquer material anterior.  De resto, Christine, seja lá em qual universo esteja, também nos dá uma informação que já temos desde o primeiro filme, Strange é egocêntrico e isso dificulta qualquer relação mesmo que o mala venha com a embalagem do Benedict Cumberbatch.

Até pelo estrago que o Darkhold causa, alguém tinha me dito que seria necessário assistir a série Agentes da Shield para compreender o artefato.  Bem, o filme é bem competente em nos explicar.  O livro maligno concede uma série de poderes, ou os potencializa, mas corrompe quem se vale dele.  Há um preço a pagar pelo poder.  De novo, é algo já visto.  Seria fácil compreender, também, sem o material de origem.  Acredito ser mais urgente ter visto os dois últimos filmes dos Vingadores (*1-2*), porque as menções a eles não são tão óbvias assim.  Strange e outros ficaram cinco anos apagados, nesse ínterim, muita coisa aconteceu, mudou a vida de muita gente.  Vide Christine casando com outro homem.

E Wanda Vision?  Bem, é preciso da informação dos filhos da heroína, PORÉM o filme transforma em terra-arrasada toda a evolução que a personagem teve na série.  Ela aparentemente não aprendeu nada, ou não foi capaz de resistir ao que o Darkhold lhe ofereceu.  Wanda, a vilã, quer reaver seus filhos.  Qual mãe não desejaria isso?  Estamos no campo dos clichês de gênero (*papéis atribuídos a homens e mulheres em uma dada sociedade*) e o filme dá um passo além, em todos os universos, Wanda é mãe de verdade, enquanto que no que ela habita, eles são somente fruto de sua imaginação.  Aqui, e imagino que alguém já saiba a razão do meu ódio, ela não consegue cumprir o seu DESTINO, ser mulher é tornar-se mãe.  Como nossa Wanda é incompleta, ela enlouquece quando se aprofunda no estudo do Darkhold.

Quem lê minhas resenhas sabe que eu sempre reclamo dos vilões da Marvel, que os considero, na maioria das vezes, patéticos.  Aliás, um dos piores vilões é exatamente o do primeiro Doutor Estranho.  Não há Benedict Cumberbatch lindo e perfeito, que vá me fazer dizer que aquele filme vale o ingresso.  Muito bem, temos uma vilã realmente impressionante neste filme, e com make pesdadona de vilã e cabelo de malvada super poderosa e cruel, também, o problema, claro, é que para que Wanda ocupe tal posto, é preciso pisar em toda a sua trajetória em Wanda Vision.

Não tinha ido atrás de spoilers do  filme, mas desconfiara que algo ruim acontecera com a personagem pescando alguns comentários no Twitter.  O fato é que Wanda é colocada naquele tropo da mulher muito poderosa que, exatamente por ser mulher, enlouquece.  Com o agravante, claro, da loucura estar ligada a não satisfação de seu "instinto materno".  É um combo machista tão pavoroso, que quando eu vi o que estava acontecendo, esfriei. "De novo essa p***a????" Consegui apreciar o filme, o estou elogiando sinceramente, porque ele é, sim, cheio de qualidades como película, mas como feminista me sinto ofendida, porque, mais uma vez, destruíram sem motivo uma personagem feminina forte.  Wanda não voltará ao MCU, salvo se for alguma de suas versões do Multiverso.

A vilã, corrompida pelo Darkhold, deseja o poder de America Chavez, adolescente capaz de abrir portais de um universo para outro.  A menina é única, não existe cópia sua em outro universo, e não compreende seus poderes.  Strange e Wong (Benedict Wong), que agora é o Sorcerer Supreme, precisam mantê-la protegida, no entanto, nem toda a mágica do  Kamar-Taj é capaz de conter uma mãe enlouquecida turbinada por um codex maligno.  Wanda, agora Feiticeira Escarlate, perde qualquer amarra moral e é capaz de matar pessoas que conhece, olhando-as nos olhos.  Suas vítimas, e o filme é bem violento para os padrões do MCU, tem rosto e ela não se importa.  Ela quer seus filhos, ela precisa deles, ela é capaz de usar até o seu "eu" de outro universo para atingir seus objetivos.  

E é nesta parte que Wanda utiliza o corpo de um duplo de outro universo (Terra-838) que encontramos os Iluminati e temos uma das melhores lutas do filme, que é feita em etapas, lembrando, também, os filmes de terror em que é quase impossível se livrar da criatura do mal.  Strange e America Chavez são lançados por vários universos e chegam a uma versão na qual o herói está morto, as pessoas sabem do Multiverso e seus perigos, e existe um grupo de heróis correspondente aos Vingadores da Terra.  Eles estão em busca de outro livro mágico que pode ajudar a derrotar Wanda e o Darkhold, o livro de Vishanti, mas terminam presos e Strange será julgado pelos Iluminati.

O primeiro Iluminati que Strange encontra é Mordo (Chiwetel Ejiofor), o ex-amigo do primeiro filme e que virou seu inimigo sem nenhum motivo justo, e, neste universo, ele tem invejinha do herói, também.  Além dele, temos o Prof. Xavier (Patrick Stewart) da primeira trilogia dos X-Men, Maria Rambeau (Lashana Lynch) como a Capitã Marvel, a Capitã Carter (Hayley Atwell) de um episódio de What If..., Raio Negro (Anson Mount), se uma série da Marvel que eu desconhecia, e Reed Richards (John Krasinski), líder do Quarteto Fantástico (*Será que ele repetirá o papel no futuro?*).  Ufa!  E é um grupo memorável, que é feito de carne moída pela Wanda possuída pela Wanda.

A partir daí, Strange, America Chavez e a Christine Palmer deste universo, precisam continuar sua busca pelo livro de Vishanti, até que, por fim, este plano também é frustrado por Wanda.  Enfim, não contarei a reta final do filme, acredito que já deixei claro o meu ponto.  É um excelente filme, muito bem executado, com ótimos efeitos, fotografia e figurinos, mas caímos na questão da vilanização e destruição de Wanda.  Fiquei até pensando em falsa equivalência depois de analisar o trailer e a fala de Wanda sobre o Doutor quebraria regras e seria herói, enquanto ela se tornaria uma vilã.

Se você viu Wanda Vision sabe que a personagem aprisionou toda uma cidade e colocou os seus habitantes em sofrimento para atender aos seus interesses pessoais, isto é, viver uma vida de fantasia com uma família fruto de sua imaginação, pois não conseguia superar o luto. Strange, por outro lado, quebra regras para ajudar pessoas, no caso dos Vingadores pelo menos foi, ainda que isso implicasse em sacrifício, mas parece não se importar em fazê-lo quando ajuda o Homem-Aranha em seu último filme.  Advertido por Wong, ele vai lá e faz, porque ele é fodão e dane-se o mundo.  Até aí, ele não sabia das implicações reais de se brincar com o Multiverso.  A Christine da Terra-838 lhe explica, no entanto, que esse brincar com o Multiverso, controlar pessoas em outro universo, trafegar entre ele, enfim, pode levar universos a colapsarem.  

Wanda torturou os habitantes de Westview, que terminaram libertadas no final, ela matou umas 500 pessoas neste filme do Doutor Estranho, mas ela, quando trazida a razão, se importa de verdade.  Strange parece não se importar muito com um ou mais universos inteiros se for para derrotar a vilã no seu universo e salvar Chavez.  Outra coisa, Wanda, que já era muito poderosa, é corrompida pelo Darkhold, já Strange controla o livro e só sai com uns efeitos colaterais que, a rigor, parecem significar alguns poderes a mais para ele.  Enfim, a mulher enlouquece em contato com um artefato mágico e precisa ser destruída, o homem domina o mesmo objeto, o utiliza e sai fortalecido.  O filme é do Doutor Estranho, mas Wanda não precisava ser a vilã.  Não precisava mesmo.  Poderiam ter pego a Agatha Harkness (Kathryn Hahn) e o efeito poderia ser ótimo.

Antes de concluir, não sei mesmo qual a diferença usada para separar o tipo de mágica que Strange e Wong fazem, daquela que Wanda faz.  "magic", "sorcery", "witchcraft", "wizardry", "charm", "enchantment" todos têm o mesmo sentido em nossa língua, acredito, salvo se as regras internas do universo ficcional estabeleçam diferença.  A rigor, "sorcery", "wizardry" e "witchcraft" seriam basicamente o mesmo, a não ser que estabeleçamos que bruxas são más e mexem com uns bagulhos pesados demais para o povo ligado ao Sorcerer Supreme, tipo as "dark arts" do universo de Harry Potter.  Agora, se assim for, outra opção bem machista, mesmo que tenha sido baseada em material dos anos 1960.  Outro ponto esquisito, mais bobo, é que eu não sei quem era o Minotauro no Kamar-Taj, se ele apareceu no primeiro filme, me esqueci.  E, sim, America Chavez é a primeira heroína lésbica do MCU e, bem, fez diferença esta informação?  Nenhuma.  A sexualidade da menina é irrelevante, mas as de suas mães fica evidente.

Enfim, espero que vocês tenham entendido  a minha percepção do filme.  Trata-se de divertimento de alta qualidade, um excelente filme do MCU, mas uma peça machista de primeira.  De resto, adorei ver os filhinhos de Wanda novamente, Benedict Cumberbatch nunca esteve mais bonito, Elizabeth Olsen entra no rol dos grandes vilões dos filmes da Marvel, Xochitl Gomez fez um excelente trabalho, mas não há como defender.  Mataram Natasha e, agora, isso.  Realmente, duvido que a Feiticeira Escarlate possa retornar ao MCU depois disso e é uma pena.  Se puderem, assistam Wanda Vision, porque vale a pena.

Mangá sobre três formas de amor estreia na revista Asuka

Acabou de estrear na revista Asuka o mangá Ai no Campanella (愛のカンパネラ), ou My Beloved Campanella, de Mutsuya Kani.  Segundo o Comic Natalie, a série histórica de fantasia se passa na Inglaterra e que vai falar de três formas de amor.  A primeira história, que eu não sei se é oneshot, o Comic Natalie não deu a informação, conta a história de um órfão chamado Oliver, que sofre bullying, e encontra acolhimento em Eva, uma funcionária do orfanato onde está.

Pelas roupas, imagino que a história, ou, pelo menos, esta primeira, se passe no início do século XX.  É aguardar por novas informações. Achei o traço com um pé lá nos anos 1980.  Bonitinho, eu diria. Não sei quais outras formas de amor serão abordadas.

Terroristas de Gênero: Recomendação de Webcomic

A Valeska Zanello, professora da área de Psicologia Clínica da UnB tem uma extensa produção sobre Saúde Mental e Gênero, e vem desenvolvendo trabalhos utilizando o conceito de dispositivo amoroso, isto é, uma rede de discursos que constroem as mulheres para servir, amar e se sacrificar pelo outro, especialmente, os homens, já que é um instrumento do patriarcado, como se este esforço fosse fundamental para a sua felicidade.  Este tipo de relação doentia é normalizada socialmente e reforçada nas diversas mídias, como novelas, filmes, quadrinhos e mesmo matérias de jornal.  Aliás, recomendo nesse sentido um vídeo da Jana Viscardi sobre o caso da adolescentes sequestrada e torturada pelo ex-namorado e que teve seu nome tatuado à força em seu rosto.  Enfim, Zanello está traduzindo seus trabalhos para webcomics em colaboração com outra psicóloga, Priscilla Miranda, que é responsável pelos quadrinhos.  

A ideia é colocar em desenhos situações de opressão de gênero sofridas pelas mulheres e levar à reflexão.  Segundo a Valeska Zanello, os quadrinhos serão reunidos mais tarde em um livro.  Se você quiser ler, pode seguir a Valeska no Facebook, ou no Instagram, acredito que a Priscilla Miranda só tenha o Instagram mesmo.  A arte da webcomic pode melhorar bastante ainda, mas a mensagem está sendo passada de forma muito competente.  Então, eu recomendo e está na internet para quem quiser ler.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Kageki Shojo!! dublado em português no Crunchyroll

Estreou por esses dias no Crunchyroll a versão dublada em português de Kageki Shojo!! (かげきしょうじょ!!), um anime que comentei ano passado capítulo por capítulo e que foi uma das melhores coisas de 2021.  Neste exato momento, minha menina de oito anos, a Júlia, está assistindo ao episódio cinco da série e, se eu deixar, acho que ela viraria a noite vendo o anime.  

Para quem não conhece a série, e se você clicar na tag terá como ver o quanto falei dela aqui, Kageki Shojo!! acompanha uma turma de meninas candidatas a se tornarem atrizes do tradicional Kouka Revue, inspirado no teatro feminino Takarazuka, e tem como protagonistas Sarasa Watanabe, uma menina muito alta e que sonha em interpretar Lady Oscar da Rosa de Versalhes ( ベルサイユのばら) e Ai Narata, que havia feito parte de um grupo de idols e tem um passado turbulento de abandono afetivo por parte da mãe, além de outros abusos.  Para Ai é muito difícil se relacionar com as pessoas e ela se sente incomodada pela personagem apaixonada de Sarasa.

A dublagem nacional é importante para ampliar o acesso ao anime.  Acredito que agora meus alunos vão parar de perguntar qual o anime do wallpaper do meu laptop.  E fique claro que estou falando de acessibilidade, não de qualidade, eu realmente não me sinto satisfeita com o estado atual da dublagem brasileira.

Outro aspecto importante de ter Kageki Shojo!! em português é que com a maior popularização do anime, aumentam as possibilidades do mangá vir para cá.  O mangá é muito bom, o único problema, é que está em andamento e a autora não parece estar encaminhando a série para o seu final.  Bom mesmo seria ter mais coisa animada de Kageki Shojo!!, talvez, até um filme animado longa metragem.  Abaixo, deixo o programa Bentô do Omelete em que a Moo entrevista algumas das dubladoras de da série:

Ranking da Oricon - Semana 16-22/05

Saiu o ranking da Oricon e temos três shoujo entre os trinta mais vendidos.  No top 10, temos Akatsuki no Yona, estreando, e Uruwashi no Yoi no Tsuki, que continua no topo.  Já fechando o ranking há um isekai de nome absurdamente longa na qual uma jovem é convocada para ir para outro mundo e salvá-lo blá-blá.  Pode ser bom?  Pode, mas o ponto de partida é o clichês de sempre.  Esperava Natsume Yujinchou resistindo, mas ele não está mais na lista, deve ter perdido espaço por causa da enxurrada de volumes de SPY×FAMILY.

1. Uma Musume: Cinderella Gray #7
2. Blue Lock #19
3.Enen no Shouboutai #34
4.Kakkou no Iinazuke #12
5.SPY×FAMILY #9
6.Kanojo, Okarishimasu #26
7Akatsuki no Yona #38
8.Uruwashi no Yoi no Tsuki #4
9.Mokushiroku no Yonkishi #7
10.My Hero Academia #34
30. Isekai ni Kyuuseishu to shite Yobaremashita ga, Around 30 ni wa Muri na no de, hissori Book Café Hajimemashita。#5

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Saiu o primeiro Teaser Trailer de My Broken Mariko

Ontem, foi liberado o primeiro teaser-trailer de My Broken Mariko (マイ・ブロークン・マリコ), mangá de  Waka Hirako lançado pela JBC em nosso país.  A história mostra a jornada de Shiino (Mei Nagano) para levar as cinzas de sua melhor amiga, Mariko, para seu último descanso, na praia que sempre desejou, mas nunca pode visitar.  Mariko fora abusada a vida inteira pelo pai, a mãe e, mais tarde, pelos homens de sua vida.  Ela comete suicídio e Shiino acredita que seria uma violência final deixar as cinzas da amiga com seu pai.

Comentei a história várias vezes, inclusive em dois Shoujocasts e sempre defendi que era questão de tempo que My Broken Mariko fosse transformado em filme para o cinema com potencial de competir em festivais internacionais. 

Além do teaser, foram lançados vários pôsteres que estão disponíveis no perfil oficial do filme no Twitter.  O filme é dirigido por Yuki Tanada e estreia no outono japonês.  Par quem quiser saber o elenco completo, basta visitar o ANN, ou o Comic Natalie.

Nise da Silveira tem seu nome vetado para o livro dos Heróis da Pátria

Hoje, publicou-se a notícia escandalosa de que o presidente da república vetou a inclusão do nome da médica psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999) no Livro dos Heróis da Pátria.  Para quem não sabe, há um monumento em Brasília, Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, um memorial cívico destinado a homenagear heróis e heroínas nacionais que, de algum modo, serviram para o engrandecimento da nação brasileira.  Dentro dele está o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria ou Livro de Aço.  Como é de se esperar, há mais homens no livro do que mulheres, também há mais pessoas que se envolveram em atividades militares do que em outros tipos de ações.  Ainda assim, temos religiosos, diplomatas, escritores, advogados, ativistas e perseguidos políticos, músicos etc.  Nenhum atleta, nenhum cientista, nenhum professor, que eu tenha visto. 

Segundo a Agência Pública, para ter seu nome incluído no Livro de Aço é necessário "(...) que o Senado Federal e a Câmara dos Deputados aprovem uma lei com a inclusão. Só podem ser homenageadas pessoas falecidas (ou que tenham presunção de morte) há, pelo menos, 10 anos.".  O nome segue para aprovação do presidente e, neste caso, ele negou a honra para Nise da Silveira.

Para quem não conhece Nise, cito a minibio que coloquei na resenha do filme  Nise: O coração da loucura: "Nise da Silveira nasceu em Alagoas em 1905, foi a única mulher em uma turma de medicina com 157 homens; casada e já no Rio, foi denunciada como comunista e presa por 15 meses, o fato prejudicou sua carreira, mas não foi suficiente para destruí-la.  Reabilitada em 1944, passa a se dedicar a um ramo pioneiro da psiquiatria, a terapia ocupacional.  Nise também, pode ser vista como responsável pela criação dos hospitais-dia, que atendem doentes não reclusos, algo igualmente revolucionário.  Seus escritos e estudos, sua interação com Jung, o diálogo intenso que manteve com a ciência e a arte, seu humanismo em tempos de violência contra os doentes psiquiátricos era a regra, a tornaram uma pessoa única.  Ela merecia mais que um filme, não que o premiado Nise não seja um bom ponto de partida."

O nome de Nise foi proposto em um projeto de autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e foi aprovado pelo Congresso Nacional em abril. Nise da Silveira é reconhecida mundialmente por revolucionar o tratamento psiquiátrico no Brasil, sendo contra métodos até então tradicionais, como eletrochoques, lobotomia e confinamento, discípula de Jung, ela introduziu o uso terapêutico de cães no tratamento de doentes psiquiátricos, assim como a terapia ocupacional e a arte terapia.  A recusa do presidente está no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira e alega o seguinte, segundo o UOL:

"Não é possível avaliar a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da Nação, a despeito de sua contribuição para a área da terapia ocupacional (...) Desse modo, ao ouvir as pastas ministeriais, o presidente decidiu vetar a proposição legislativa, pois prioriza-se que personalidades da história do País sejam homenageadas em âmbito nacional, desde que a homenagem não seja inspirada por ideais dissonantes das projeções do Estado Democrático".

É absurdo que o presidente, ou seus assessores olavistas, porque não acredito que foi o próprio, ou que ele saiba alguma coisa sobre Nise da Silveira, o impacto de uma cientista que é reconhecida no seu campo no Brasil e no mundo.  Agora, desconfio que o motivo da não inclusão está aqui "a homenagem não seja inspirada por ideais dissonantes das projeções do Estado Democrático". A médica havia militado no PCB e foi expulsa acusada de trotskismo, em um momento no qual qualquer crítica à Stálin nas fileiras comunistas era considerada uma heresia. Nise foi presa durante o governo Vargas acusada de ser comunista.  Segundo conta, ela foi denunciada por uma enfermeira por possuir livros que era considerados subversivos em um momento de perseguição política motivado pela Intentona Comunista de 1935.  Aliás, não tardaria para que entrássemos na Ditadura do Estado Novo.  

Nise não é lembrada por ser presa política ou comunista, ou por sua militância política, a não ser que uma abordagem humanística da psiquiatria seja considerado um ato político que ameace a democracia.  Sendo também mulher e nordestina, não me parece surpreendente que ela seja considerada menos importante durante o governo atual.  E ainda temos outro ponto, o governo atual vem mudando a política em relação às pessoas com  transtorno mental, pois defende a medicalização e a internação e, claro, patrocina comunidades terapêuticas duvidosas, muitas delas ligadas às igrejas parceiras do regime.  Realmente, Nise não entraria no panteão dos heróis agora.

No fim das contas, a ignorância e o uso ideológico do fantasma do comunismo estão por trás da não inclusão merecida de Nise da Silveira no Livro de Aço.  Fosse a outra Nise, talvez.  Falando nisso, os fascistas odeiam pessoas com transtornos mentais, foram alvo inicial das políticas de extermínio nazista e, também ontem, um homem foi morto por policiais rodoviários federais em uma câmara de gás improvisada.  Sim, foi isso e dificilmente haverá justiça.  No Brasil de nossos tempos, a pioneira do tratamento digno de pessoas com transtornos mentais não é relevante o suficiente.  Falta educação, falta humanidade, e será muita falta de vergonha se este governo for reeleito em outubro.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Ranking da Oricon: Duas Semanas de uma vez


Acumulei dois rankings do Oricon e estou colocando em dia agora.  Nas duas semanas, o destaque vai para Natsume Yujincho que se manteve três semanas no top 30, em duas delas com a edição especial e em duas com a edição normal que, talvez, ainda esteja no próximo ranking.  No top 10, tivemos semana passada Akagami no Shirayukihime, um mangá que já teve anime e que se mostra bem longevo e vigoroso.  Já esta semana, no topo da lista, temos Uruwashi no Yoi no Tsuki, série que vem fazendo um grande sucesso e que deve ter filme live action, ou dorama, anunciado em breve.

1. My Hero Academia #34
2. SPY×FAMILY #9
3. Kawaii dake ja nai Shikimori-san #13
4. One Punch Man #25
5.Tensei Kenja no Isekai Life ~Daini no Shokugyou o Ete, Sekai Saikyou ni Narimashita~ #16
6.SPY×FAMILY #8
7.Uruwashi no Yoi no Tsuki #4
8.SPY×FAMILY #4
9.SPY×FAMILY #6
10. SPY×FAMILY #7
19. Natsume Yujincho #28


1. My Hero Academia #34
2. One Punch Man #25
3. Rurouni Kenshin ─ Meiji Kenkaku Romantan / Hokkaido Edition ─ #7
4. Natsume Yujincho #28
5.SPY x FAMILY #9
6. Dandadan #5
7. SPY x FAMILY Official Fan Book EYES ONLY
8.Akagami no Shirayukihime #25
9.SPY×FAMILY #8
10.MASHLE #11
27. Natsume Yujin Cho #28 [com Nyanko Sensei strap, Special Edition]

domingo, 22 de maio de 2022

"Não foi transa, foi estupro": Novela das seis da Globo escorrega ao colocar cena de violência sem a devida condenação

Estou com um texto incompleto sobre Além da Ilusão faz dias, já escrevi outros dois sobre a novela (*1 - 2*)..  O tema do texto era o caráter duvidoso do mocinho interpretado por Rafael Vitti.  Para quem não acompanha a novela, o jovem Davi foi acusado e condenado por um assassinato que não cometeu.  A namorada, Elisa (Larissa Manoela), foi morta pelo próprio pai (Antonio Calloni), um juiz inescrupuloso.  Passou dez anos na prisão, fugiu, e acabou tomando um trem que sofre um acidente.  Davi assume a identidade de um homem que ele supunha morto, Rafael  (Fabrício Belsoff), que iria assumir um cargo na tecelagem da família da namorada morta.  Davi pensa em fugir, mas acaba assumindo a identidade de Rafael para proteger Isadora, irmã de Elisa, interpretada pela mesma atriz, e por quem ele está apaixonado, do quase noivo, Joaquim (Danilo Mesquita) e de sua mãe (Bárbara Paz), que desejam não somente roubar a fortuna da moça, mas talvez acabar com sua vida.  Para sorte de Davi, o pai da moça, Matias, "enlouqueceu" e é incapaz de reconhecê-lo.  

A autora ignora a idade de Davi, que já era homem feito na primeira fase da trama, enquanto Isadora era uma menina.  Como Rafael Vitti tem 26 anos e passa por menos sem problema, esse fato deixou de ser um assunto entre quem assiste a novela, mas está lá, de qualquer forma.  Ela tem 20 anos, ele deve ter entre 34 e 36.  Já o homem de quem roubou a identidade e que está em coma para acordar em algum momento futuro da trama, tem 30.  Com o passar do tempo, Davi vai mentindo, sabotando o rival, cometendo vários crimes, pequenos e grandes.  Provar sua inocência deixou de ser uma questão, ou nunca foi, ele se acomodou ao papel que assumiu.

Algo que considerei muito problemático, foi a autora tê-lo colocado transando com a mocinha para marcar território, porque ele temia que o rival poderia suplantá-lo.  Só para recordar, ele tinha feito sexo com a irmã mais velha da menina antes dela ser morta.  Nesses momentos, a autora não entra em discussões sobre a moral da época, a culpa que a mocinha de família tradicional talvez viesse a sentir, nada disso, os valores (supostamente) hegemônicos só são válidos para empatar romances que a gente quer ver acontecer e na hora de discutir a homossexualidade.  Fora isso, tudo é instrumentalizado segundo os interesses da autora.

Muito bem, no pé que estamos, Joaquim trouxe de São Paulo uma ex-namorada de Rafael, a vedete Iolanda (Duda Brack) e sua colega Margô (Marisa Orth).  A moça tem um filho e acaba acusando Davi de ser o pai da criança ao descobrir que ele usurpou o papel de Rafael.  O rapaz acaba sendo chantageado por Iolanda e sua parceira.  Ele assume publicamente a paternidade, perde o amor de Isadora, que entrou em uma intragável fase "juventude transviada" dez anos antes disso ser moda, e Iolanda vai morar na casa de Rafael/Davi com a criança.  Nada acontece entre eles.  Davi não a maltrata, mas a recusa.  A moça se apaixona por ele.  E Davi reconhece a paternidade da criança depois de ter contato com o bandido que era o pai verdadeiro do menino, quer dizer, ele usa a identidade de Rafael para fazer isso.  Ato de bondade?  Fazer caridade com a carteira alheia não é caridade, na verdade, nosso mocinho cometeu outro crime.  Complicado, muito complicado... 

Mas indo ao ponto, anteontem, a novela colocou no ar uma cena de estupro. O mocinho embriagado é assediado por uma personagem feminina. Ele diz não repetidas vezes, coloquei a imagem do print.  Ele tenta se esquivar, ela se joga em cima dele.  Ao fundo, ouvíamos a homilia do padre Tenório (Jayme Matarazzo), atormentado por sua paixão impossível por Olívia (Debora Ozório).  Achei de mau gosto mesmo.  Fora isso, a autora deu tons românticos para a cena colocando a partir de certo ponto o rapaz alcoolizado vendo o rosto da amada ao invés da mulher que o agarrara. A cena não deveria estar na novela. Ela não precisava estar lá. Ela não terá grande função na trama. Bastava colocar uma interrupção, o bebê da moça chorando e acabava ali. Ela poderia também interromper o assédio quando ele a chamasse de Isadora.  Havia várias formas e não romantizar um ato de violência.

Aguardei o capítulo de ontem para ver qual o desdobramento da cena e ele foi digno do primeiro livro de Bridgerton, não da série, que fique claro, e comentei o caso aqui.  A vítima, porque o homem neste caso era a vítima, foi levado a se sentir culpado.  Iolanda diz que ele gostou e que a usou.  Ao que aprece, a autora vai deixar a coisa assim.  Em 1944, não seria crime o que ocorreu entre os dois, hoje, trata-se de estupro de vulnerável, porque Davi estava embriagado e incapaz de reagir ao assédio ou escapar.  Ontem, como hoje, dificilmente um home  heterossexual iria denunciar um estupro, porque em nossa sociedade machista, ser atacado por uma mulher seria visto sorte, se a violência fosse praticada por um homem contra outro, a vítima se calaria para não ser vista como efeminada.

"Ah, Valéria, por qual motivo você está reclamando então?"  Além da Ilusão é uma boa novela, mas que escorrega aqui e ali porque sua autora escolhe quando se ater à moral hegemônica da época, ou quando ela quer chutar tudo e fazer o que quer.  Dorinha transou várias vezes com Davi, sem considerar-se suja, ou fazendo algo errado, no entanto, julgou de forma dura a mãe, presa em um casamento de anos com um homem mentalmente doente, como se ela mesma fosse um exemplo de virtude nos anos 1940.  Faria sentido, se ela continuasse uma mocinha virginal e resistisse ao assédio de Davi.  Como não era o caso, ou a protagonista é hipócrita, algo que ela não tinha parecido ser até então, ou maluca.  Neste caso, foi pior, porque ela colocou uma cena desnecessária, violenta e não a considerou como tal, a diluiu como se nada fosse.  E nada será.   Talvez, por se tratar do estupro de um homem por uma mulher, a autora não considere estupro.  E é horrível isso, se for este o ponto.

Colocar uma cena assim em uma novela que dialoga o tempo inteiro com o nosso tempo, é de uma irresponsabilidade sem tamanho.  Além da Ilusão já levantou boas discussões, já colocou discurso anacrônico na boca das personagens em alguns momentos, agora, agir com irresponsabilidade é realmente lamentável.  E não se trata de falsa equivalência, de pedir que se faça alarde sobre a violência das mulheres contra os homens, punir a moça que estuprou o protagonista, ou nada do gênero.  Já que a cena ficou no corte final, eu gostaria de um pouco de bom senso.  Na infeliz Nos Tempos do Imperador cortaram uma cena que faria sentido do vilão batendo na esposa, mas em Além da Ilusão passa um estupro e ele é vendido como outra coisa, talvez, um deslize do mocinho, porque ele dizer "não" foi pouco. 

E isso em uma semana na qual tivemos um quase feminicídio sem devida sinalização.  Sim, em Orgulho & Paixão, também uma novela das seis, este tipo de cena (*nem chegamos perto disso, foi somente uma metáfora para um estupro*) recebia um letreiramento antes, ou depois, avisando que aquilo era crime e para onde ligar.  Alguém pode dizer que quebra a narrativa, mas o fato é que a sequência em que Matias sequestra Violeta (Malu Galli), a tortura e quase mata foi muito violenta e precisava de algum aviso.  Em comparação, um rapaz embriagado sendo forçado a transar com uma moça bonita nem parece violência, mas foi, e das grandes, porque, no primeiro caso, ninguém teria dúvidas de que Matias estava errado de alguma forma com o agravante dele ser o vilão.

É isso.  Gosto da novela no geral, a considero boa, especialmente, porque viemos de uma trama das seis muito complicada, mas a trama central é muito problemática e algumas escolhas da autora, principalmente quando ela tenta explicar com a moral da época, tem sido bem lamentáveis.  Eu reafirmo que DUVIDO que Iolanda irá pelo menos se arrepender de verdade, se desculpar, ou voltaremos ao caso da violência contra Davi.  Fica parecendo que foi nada, que ele gostou, que participou porque quis.  Pense em como uma pessoa que passou por uma experiência desta, seja homem ou mulher, vendo essa cena e a forma leviana como a autora tratou a questão.  Faça este exercício, por favor, e me diga se é correto.  Pior, a cena nem precisava estar ali.  Não tinha função real na trama.  Nenhuma.  Enquanto isso, estamos nessa lenga-lenga de Davi, Joaquim, Arminda (Caroline Dallarosa) e mais 1/3 do elenco tentando proteger a virgindade inexistente de Dorinha de um sujeito mal caráter que ela cismou de dar corda.  

Os Simpsons faz homenagem à Bridgerton com direito a cena da camisa molhada

Os Simpsons é a série animada norte-americana de maior duração na história da televisão, no ar desde 1989, ela está na sua 33ª temporada e saiu ontem o vídeo preview de seu episódio final intitulado Marge's Guilty Pleasure.  Só o título... Enfim, segundo se sabe, o episódio é centrado na atenção que a mãe da família Simpson dá para um seriado de sucesso chamado Tunnelton.  Trata-se de uma clara referência à Bridgerton.

Segundo o Screenrant, e o vídeo não está disponível para o Brasil, ou, pelo menos, eu não o encontrei, temos a cena com os três atores saindo com a camisa molhada do lago.  


Houve uma cena na segunda temporada (*resenhas: 1 - 2*) em que Anthony Bridgerton cai no lago e aparece com a camisa molhada, mas ela era uma homenagem declarada à série Orgulho & Preconceito de 1995 e que já tinha sido homenageada outras vezes, inclusive, em Lost in Austen (2008).  Só para esclarecer, não há cena da camisa molhada no livro original, simplesmente, Darcy fica surpreso ao dar de cara com Elizabeth visitando sua propriedade, a moça também toma um susto, porque tinha sido informada de que ele só iria aparecer no dia seguinte. Sim, era possível turistar em algumas casas da nobreza mesmo no início do século XIX.

Visualmente, aliás, a cena dos Simpsons parece tomar mais como referência O&P 1995 e, não, a cena de Bridgerton mesmo, ainda que, claro, o objetivo seja brincar com o excesso de homens bonitos e cenas de quase nudez e sexo presentes no seriado.  De qualquer forma, essa foto com as damas, me lembrou mais Austenland do que Bridgerton, porque havia uma personagem masculina que sempre estava com a camisa aberta.

Imagino que mesmo fazendo referência à série da Netflix, o episódio não bebe somente lá.  Quando ele estiver disponível, tentarei dar uma olhada.  Vai ser divertido, com certeza.

sábado, 21 de maio de 2022

Comentando King's Man: A Origem (2021/Inglaterra/EUA): Uma Prequel que não faz justiça à série

Finalmente, terminei de assistir The King's Man, filme prequel da série que eu gosto tanto, apesar de ser uma grande bobagem, ou talvez, exatamente por isso. Em relação a este último filme, no entanto, tenho sentimentos MUITO conflitantes. Pior isso mesmo, a primeira parte será a resenha em si, tentando evitar os spoilers mais dramáticos e a segunda parte, que estará após o trailer, discutirá os problemas e incômodos que tive com a película.  Neste sentido, essa prequel me trouxe mais o que pensar do que os dois primeiros que eram só divertimento e fanservice mesmo, mas, ao mesmo tempo, foi um filme pior, porque lhe falta coesão e a melhor parte é o primeiro arco, morto Rasputin (Rhys Ifans), a história começa a patinar.  Vamos ao resumo:

No início da década de 1910, a Europa está à beira de uma guerra que colocará as grandes potências da época umas contra as outras.  O que não se sabe, é que por trás do conflito está uma organização criminosa liderada por um maníaco que deseja destruir o Império Britânico.  Para impedir que isso aconteça, entram em ação o Duque de Oxford (Ralph Fiennes) e sua rede de informantes que, ao longo da trama, irão dar origem à agência de espionagem paralela conhecida como Kingsman.

Primeira coisa a se dizer, este novo Kingsman é mais um filme de geriação, gênero que está na moda e que tem como protagonista um homem de idade avançada fazendo coisas que antes eram trabalho de menino de vinte poucos anos ou galã que está, no máximo, do lado certo dos 40 anos.  Desta feita, o herói é Ralph Fiennes fazendo o que Colin Firth fez nos outros filmes (*sem o charme de Colin Firth, claro*) e sendo muito mais central na história do que seu filho e pupilo, que ele tenta a todo custo impedir que se aliste para lutar na Primeira Guerra (1914-18).

Sim, trata-se de história alternativa, um "E se..." que começa na segunda guerra dos Bôeres (1899-1902) e se passa principalmente durante a 1ª Guerra Mundial. É menos divertido que os demais, porque se propõe a lidar com temas sérios dramáticos sem que isso seja efetivamente necessário. Se o tom fosse o do primeiro ato com o Rasputin, teria sido perfeitinho e bem no estilo dos outros dois filmes da franquia (*resenhas aqui e aqui*).  E, claro, você pode até fazer algum humor usando a Primeira Guerra, mas não vai dar para seguir nessa batida o tempo inteiro.  O problema é as escolhas políticas que o filme faz conscientemente e que são reacionárias e mesmo fascistas.  Querem ver?  Apesar do que muitos resumos da história dizem, a formação dos Kingsman não tem como objetivo impedir novas tragédias como a Primeira Guerra, ou que milhões sejam mortos, mas garantir que a Inglaterra vença a guerra, e todas as guerras daí por diante.  Só isso mesmo.

Enfim, o filme é organizado da seguinte forma, temos uma introdução clichê com a morte da esposa do Duque na Guerra dos Bôeres, depois, seguimos para o momento em que a Primeira Guerra está começando e que fecha com a morte de Rasputin, o ápice do filme, eu diria, porque tem aquele ar de galhofa e ação frenética do primeiro e do segundo filme.  O problema é que a luta com Rasputin tem ares de clímax do filme e não é, temos ainda mais uma hora e meia de película pelo menos.  Daí, o segundo ato é centrado na ida de Conrad (Harris Dickinson), o filho do duque, para a guerra.  Esta parte é dramática, séria demais para a proposta de uma franquia como Kingsman, e tem um apelo pacifista, uma crítica à guerra e sua insanidade.  E achei muito bem feito mesmo, mas pouco conectado ao estilo do primeiro arco.  Só que a terceira parte é uma tragédia, porque é a negação do que vemos de crítica da guerra e um elogio à vingança.  Pior, com um vilão, aquele que era chefe de Rasputin e outros, é muito sem graça se comparada com a que fechou o primeiro arco.

Vou falar da tal organização criminosa do maníaco torturador de bodes e retomar depois.  Muito bem, temos um vilão sem rosto, mas cruel e que maltrata animais para se fazer compreender pelos seus minions.  Difícil, só para começo de conversa, é comprar que Rasputin seria minion de alguém.  Meu marido comentou isso quando viu de passagem uma das cenas com os vilões interagindo e eu concordo.  O suposto grupo arregimentado por essa criatura, que não explica motivações e nem tem grandes justificativas para ser seguido, reúne os maiores gênios do crime de sua época.  Sim, a ideia é esta.  O objetivo do vilão é destruir a Inglaterra.  Motivo forte nenhum nos é oferecido.  Sabemos, no entanto, que ele é escocês.

Além de Rasputin temos: Erik Jan Hanussen (Daniel Brühl), que eu não conhecia até o filme, mas que efetivamente teve influência sobre a ascensão de Hitler; Gavrilo Princip (Joel Basman), o assassino do arquiduque Francisco Ferdinando (Ron Cook), o estopim da Primeira Guerra; Mata Hari (Valerie Pachner), atriz, dançarina exótica, acusada pelos franceses de espionagem (*voltarei a ela depois*); Morton (Matthew Goode), o secretário de Lorde Kitrchener (Charles Dance), personagem histórica importante do comando de guerra britânico; um monte de figurantes sem nome e LÊNIN (August Diehl).  Sim, Lênin é minion do vilão e colocado como um grande gênio do crime.  Quer ver uma coisa?  Se o objetivo fazer a Inglaterra perder a guerra, até Churchill poderia ser minion do vilão, afinal, ele foi culpabilizado pela estrondosa derrota em Gallipoli.  Algo, aliás, que vai ser atirado sobre ele por seus adversários durante a Segunda Guerra Mundial.  Percebem o meu ponto?  Outra coisa, é vilão demais para um filme só.  O único que realmente tem desenvolvimento é Rasputin. 

Voltando para Conrad, o filho do duque é uma personagem interessante, porque ele realmente vive um drama.  Depois do assassinato da mãe durante um incidente na Guerra dos Bôeres, seu pai abraça um pacifismo radical e decide colocar o garoto em uma redoma.  A presença de Polly (Gemma Arterton), a babá, que é o braço direito do Duque e coordena os seus agentes subterrâneos, só se justifica naquela casa, se ela ainda estiver responsável por Conrad de alguma forma.  O rapaz quer, como tantos outros jovens de seu tempo, ir lutar na guerra (*vejam a minha resenha do filme Juventudes Roubadas*), mas o pai o impede e isso efetivamente fere o orgulho do moço, que já tinha recebido uma pena branca, símbolo de covardia, de uma mulher na rua.   

Ao completar 19 anos, ele já pode se alistar sem autorização do pai, é o que ele faz.  Ao deixar o bigode crescer, Conrad busca mostrar que, agora, é um homem adulto e independente. Ainda assim, o Duque e o rei impedem que o jovem vá para algum lugar realmente perigoso.  Há uma fala que é mais ou menos "o mais perto da guerra que ele vai chegar é ser colocado para apontar os lápis de um general". É uma situação parecida com a do protagonista de Parade's End, só que ele era um homem de mais de 30 anos, um burocrata, que se alista por patriotismo e seu irmão mais velho, influente funcionário de alto escalão, tenta impedir que ele seja mandado para algum posto realmente perigoso.

O fato é que o pai consegue uma ordem para trazê-lo de volta e o rapaz se revolta e consegue armar um estratagema para ficar no campo de batalha.  A ida de Conrad para a guerra representa um arco interessante do filme, é bem construído, mas parece uma história a parte que se desenvolve a ponto do rapaz compreender o horror que o pai sente pela guerra, levando-o ao amadurecimento que vai além de usar um bigode, e que termina com uma tragédia para Conrad.  E o filme depois disso, meio que vai ladeira abaixo, porque o terceiro ato é ruim.  A formação da agência está conectada com uma vingança, o Duque abandona o seu pacifismo e decide caçar o vilão.  Mas não quero falar mais sobre essa parte que é a mais fraca da película.  Vamos para Rasputin?

Todos os trailers do filme foram construídos para mostrar Rasputin como o vilão.  Eu acreditava que era mesmo e, bem, a melhor parte foi a que girou em torno dele.  Oxford, Polly, Shola (Djimon Hounsou) e Conrad vão até a Rússia eliminar Rasputin, que estava usando sua influência sobre o Czar e a Czarina para retirar o país da guerra.  Quem os chama é um primo de Oxford, o príncipe Felix Yussupov (Aaron Vodovoz), que realmente esteve envolvido no plot para matar o monge.  O Rasputin de Rhys Ifans é uma espécie de pervertido que, segundo o filme, tem uma queda por meninos (*que eu saiba, Rasputin não era pedófilo, nem bissexual, mas posso estar desatualizada*).  E o que o Duque faz?  Ordena que seu virginal filho seduza Rasputin.  O que acontece?  O vilão considera o Duque mais interessante que o novinho e quer tirar umas casquinhas dele.

Em um filme com zero romance, o máximo que vimos foi uma tímida declaração de amor de Polly que dá um beijo casto no duque, a sequência entre Oxford e Rasputin é inesperadamente erótica e engraçada.  Eu fiquei muito surpresa mesmo com isso.  Depois da tentativa de envenenamento e sedução, temos a luta mais espetacular o filme, com Shola, Conrad, Polly e o Duque enfrentando Rasputin, que quase os derrota.  Rasputin é um exímio guerreiro e dançarino.  Se não quiser ver mais nada do filme, pegue a sequência que começa com a chegada de Rasputin no jantar e termina com a sua morte.  Duvido que você não ficará satisfeito com a farofada muito bem feita.  Agora, imagine colocar a melhor parte do filme antes da metade da película?  Pois é, faltou bom senso.  O curioso é que o lema da agência, "Manners Maketh man", foi enunciado pelo vilão na luta final contra Oxford.

Par além de Rasputin, o destaque entre os coadjuvantes vai para Tom Hollander, que interpreta o Czar Nicolau II, o Kaiser Guilherme II e o Rei George V.   Há uma cena em flashback com a rainha Vitória e os três meninos, fica um tanto estranho, porque o futuro Czar não era neto de Vitória, ele era sobrinho da princesa Alexandra, nora da rainha e futura rainha de Eduardo VII.   O Czar dos três é o que menos aparece, até a morte da família Romanov é mostrada de forma bem diferente do que realmente foi, mas Hollander arrasou como o Kaiser narcisista com direito até ao detalhe da mão semialeijada, porque foi lesionada no parto feito à fórceps. Como George V, Hollander é todo dignidade, porque, efetivamente, o filme assume uma postura ufanista que beira o constrangedor. Ainda assim, curiosamente, é um papel pequeno, mas não tanto quanto o de Aaron Taylor-Johnson, que está na película para sugerir uma continuação na qual ele seria o protagonista, talvez. Não sei se vai rolar, não fui procurar.

Falando em diversidade, a presença de Djimon Hounsou não tem nenhuma função.  Ele é o ajudante negro capaz de dar a vida pelo duque e seu filho e sua personalidade não é desenvolvida para além do clichê.  A personagem parece saída de filmes dos anos 1930, 1940 e 1950.  Claro, poderia ser pior e o vilão ter um minion que não fosse branco.  Quando o assunto é gênero, bem, temos duas personagens femininas.  Polly que é a representação da babá competente, mas com talentos escondidos, que é desvendar códigos, fazer quitutes envenenados e lutar e atirar muito bem.  Ela é a competência em pessoa, mas, assim como Shola, ela é uma fiel servidora do duque, está no filme para cumprir cotas, por assim dizer, mas precisa ser bonita, ou não se prestaria a ser um chamariz de bilheteria.  Quanto à Mata Hari, ela é colocada no grupo dos vilões.  

Por qual motivo?  Por ser uma mulher sensual?  O fato é que o filme a reduz ao seu corpo a uma arma que tem para usar contra os inimigos, diferindo aí de Polly, cujo comportamento sexual é irrepreensível e que possui múltiplos talentos. Ambas, no entanto, existem em função dos homens e para eles, são iguais nesse sentido. Hari foi executada pelos franceses acusada de espionagem.  Nada se provou contra ela.  Só que, em um filme assexuado, a mulher má é a mulher sensual.  No filme, sua função, além de cumprir cotas no grupo dos vilões é seduzir o presidente Wilson (Ian Kelly) dos Estados Unidos produzindo material para chantageá-lo a entrar na Primeira Guerra do lado dos ingleses.  O filme vende os americanos como a salvação da guerra, ignoram que eles entraram no último momento e cortam os franceses do conflito.  É História Alternativa, eu sei, mas, em alguns momentos, ela é alternativa demais, eu diria.

O final do filme, após a derrota do chatíssimo chefe dos vilões é a formação da agência com seus membros usando codinomes tirados da Távola Redonda.  Oxford é o Rei Arthur, Shola é Merlim, Polly é Galahad, Archie Reid (Aaron Taylor-Johnson) é Lancelot, o rei George V é Percival e o Embaixador dos Estados Unidos (Stanley Tucci), que mal apareceu, mas que está lá para fazer a ponte a existência da agência norte-americana que aparece no último filme, é Bedivere.  O Duque faz um discurso sobre evitar que uma nova guerra possa acontecer e dizime toda uma geração de jovens, critica o tratado de Versalhes, que é de 1919, e antevê a Segunda Guerra.  Só que em nenhum momento a carnificina foi realmente a motivação das personagens, mas garantir a vitória da Inglaterra.  É isso.  Se quiser ver uma análise do figurino do filme, o pessoa do Frock Flicks fez.  Para spoilers, siga para depois do trailer.

Eu realmente me surpreendi em alguns momentos do filme.  A sequência homoerótica envolvendo Rasputin, por exemplo, era algo que eu não esperava.  Agora, a morte de Conrad me chocou um pouco, porque eu imaginava que o jovem fosse Lancelot na formação original.  Ele não foi e, pior, o tal Archie Reid nada fez.  A morte do rapaz foi ainda mais impactante, porque foi estúpida, porque sem razão, sem sentido, e serviu para ressaltar a irracionalidade da guerra.  Daí, vem o terceiro ato e meio que cospe em cima do sacrifício de Conrad ao focar na vingança e o grande vilão, que era Matthew Goode o tempo inteiro, nunca é de fato aprofundado.  Pior, ainda enfeiaram o ator (*que é lindo e elegante*) para imprimir um ar de insanidade nele.

Mas falando em vilão, acredito que a personagem de Goode tenha sido um engodo em um filme planejado para ter continuação, porque Erik Jan Hanussen sobrevive e parece ter se tornado o líder da organização.  Talvez, o sujeito fosse desde o início o chefe.  Hanussen era ilusionista, astrólogo, hipnotizador e um monte de outras coisas, o mais importante, há quem defenda que ele é que ajudou a construir Hitler, o ensinou a se portar no palco, a falar para as massas e pode ter sido assassinado a mando de concorrentes seus, Hermann Göring e Joseph Goebbels.  Hanussen era judeu e fingia não ser.  Faz sentido acreditar que o grande vilão poderia ter sido manipulado por ele.

Bem, o filme tem uma cena pós-créditos que é importante e aponta para o desejo de uma continuação.  Hanussen apresenta seu novo pupilo (*antes ele influenciava o Kaiser*) para Lênin.  O sujeito não é outro senão Adolf Hitler (David Kross).  E foi Hitler que matou os Romanov. Sério.  Neste momento, além de arrolar Lênin, mostrado no filme como um fantoche sem grande autonomia ou carisma como vilão, o filme coloca o comunismo e o nazismo no mesmo saco.  Veja, não se trata do lugar comum de colocar Stálin em comparação com Hitler, mas fazem isso com Lênin, que morreu em 1924, quando o futuro Führer era ninguém.  

King's Man é um filme histórico, História Alternativa é História, na medida que usa fatos ocorridos como seu material, fala mais do presente do que do passado, da ideologia de quem o produziu, escreveu e dirigiu.  Partindo dessa ideia, The King's Man desinforma e, mais do que isso, defende a tese de que ideologias tão distintas como o comunismo e o nazismo seriam a mesma coisa, na verdade, ideários surgidos da mente de vilões.  Em um momento como o nosso, quando o neonazismo se expande e a ultradireita chegou ao poder em vários países, vender esse tipo de ideia é despolitizar e criminalizar o comunismo, que é coisa de vilão, e gente ruim, vejam bem.  Enfim, os outros Kingsman foram bobagens deliciosas, já este é um poço de problemas que vão desde um roteiro irregular até esta visão ideológica que faz terra arrasada de tudo.