Físicos aprovam "séries nerds" de TVPara eles, programas como "The Big Bang Theory", "The Mentalist" e "Numb3rs" são cientificamente precisos. Para físico que colabora com roteiros de "The Big Bang Theory", uso de estereótipos não deve ser visto como problema.
RICARDO MIOTO
DE SÃO PAULO
"Todo mundo na faculdade de física adora "The Big Bang Theory", a gente fala "bazinga!" toda hora, pra tudo", diz Luiza Maurutto, 19, aluna de física na USP. "Bazinga!" é a marca registrada de Sheldon Cooper, físico nerd que é protagonista dessa série de televisão. Ele usa a expressão sempre que quer deixar claro que está sendo irônico -físico estereotipado, entre as suas limitações sociais está o fato de ele não compreender o sarcasmo, e por isso achar que ninguém mais consegue.
Impressiona, então, que, em vez de irritar os físicos, a nerdice e a incapacidade de Sheldon de se relacionar com outros seres humanos normalmente tenham feito que ele ganhasse uma vasta legião de fãs nos departamentos de física. Paulo Nussenzveig, professor de física da USP, conta, por exemplo, que é fã da série e já ter até levou cenas para a sala de aula. A admiração pelo personagem e pelo programa de TV, que já vai para a sua quarta temporada nos EUA, tem ao menos dois grandes motivos.
PIADA, MAS COM RIGORO primeiro é que os físicos consideram – e eles se importam tremendamente com isso – que a série é cientificamente precisa. Os personagens, dizem, não cometem uma única impropriedade, e mesmo as piadas não perdem o rigor científico. O grande responsável por isso é David Saltzberg, físico da Universidade da Califórnia em Los Angeles e consultor da série. Ele decide quais equações estarão nas lousas, quais livros-texto os personagens vão carregar e quais comentários científicos farão.
"The Big Bang Theory" é a série mais popular, mas outras com temática científica têm consultores semelhantes – e também conquistaram os pesquisadores. Uma delas é "Numb3rs", em que um gênio da matemática usa o seu conhecimento para resolver crimes, mas há várias. "Aprecio "The Mentalist", "House", "CSI" e outras dessa leva de séries no estilo "smart is the new sexy" [algo como "sexy agora é ser inteligente']", diz o professor de física da USP Osame Kinouchi. "É um refresco, depois de décadas de séries como "Buffy, a Caça-Vampiros"."
ABRAÇO DE CIENTISTANo caso de "The Big Bang Theory", o segundo motivo pelo qual os físicos gostam da série é que, afinal, eles têm mesmo muitos colegas que lembram o Sheldon. "Tenho vários amigos assim, a série é muito verdade. Bem nerds, que só falam de física. Amigos que, quando todos estão almoçando, ficam fazendo conta num papelzinho, que tem dificuldade para se relacionar, para abraçar, até para falar com mulher", diz Maurutto.
Saltzberg, o consultor da série, comentou para a Folha esse fenômeno da onipresença de sheldons nas turmas de físicos pelo mundo. "Todo mundo diz conhecer um Sheldon, mas ninguém diz ser um. A matemática não bate", brinca. "Mas talvez surpreenda que aqui na minha universidade, a UCLA, eu tenho visto muitas jovens mulheres totalmente apaixonadas pelo Sheldon."
FÍSICO NÃO É COITADOOs físicos apontam, ainda, mais fatores que agradam nessas séries. "Os nerds em "The Big Bang Theory", por exemplo, são arrogantes o suficiente para estarem por cima. É diferente de Friends, em que o cientista, o paleontólogo Ross, era um coitado... embora ele tenha ficado com a Jennifer Aniston", diz Kinouchi. "E acho que os físicos gostam também porque (quase) todos estamos procurando nossa Penny, não?", brinca, em referência à atraente garçonete loira que é personagem da série e acaba se envolvendo com o físico que mora com Sheldon.
Alguns cientistas, porém, até gostam da série, mas fazem algumas ressalvas sobre a criação de estereótipos. Um deles é o colunista da Folha e professor do Dartmouth College (EUA) Marcelo Gleiser, que acha que levar à televisão a imagem do cientista como um ser com dificuldades para se ajustar socialmente pode acabar ridicularizando a carreira. A maioria dos cientistas ouvidos pela Folha, porém, discorda. Estereótipo é parte da comédia. É ele que provê todo o pilar da piada. Eu não levo seu uso tão a ferro e fogo assim", diz Daniel Doro Ferrante, físico brasileiro da Syracuse University (EUA). Saltzberg segue essa linha. "Os físicos de "The Big Bang Theory" mostram uma profunda paixão pelo que eles fazem, a mesma paixão que os melhores cientistas têm."
Professor põe ciência na versão final de roteiroDE SÃO PAULO
Quando Leonard, físico da série "The Big Bang Theory", começa a se relacionar com uma outra cientista, eles romanticamente definiram um beijo como uma "exploração biossocial com alguma sobreposição neuroquímica". O responsável por esse tipo de piada, engraçada tanto para os cientistas que reconhecem o jargão quanto para o leigo que acha divertido o jeito estranho de encarar a coisa, é David Saltzberg.
O físico da UCLA recebe os roteiros com algumas lacunas. São diálogos como "eu ouvi sobre o seu último [colocar aqui alguma ciência] – 20 mil tentativas e nenhum resultado significativo!". Ele, então, propõe algo científico que faça sentido – e aproveita para corrigir que físicos não gostam muito da palavra "tentativas". "Ouvi sobre o seu último experimento de desintegração de antiprótons – 20 mil tomadas de dados e nenhum resultado significativo" é o que acaba indo para as telas.
Mas ele lembra que os roteiristas da série também amam ciência. Quando Sheldon diz que "essa é uma circunstância que gente pouco familiar com a lei dos grandes números chamaria de coincidência", então, talvez o texto não seja dele. Eles são, diz, fãs de todo o folclore nerd, "de quadrinhos até Star Trek". A parceria funciona: mesmo "Lost" teve menos audiência nos EUA do que a série. Salzberg tem um blog sobre a ciência por trás de cada episódio da série. O endereço é
thebigblogtheory.wordpress.com. Há uma versão em português em
thebigblogtheorybrpt.wordpress.com. (RM)