Eu tinha me prometido que não iria assistir esse novo filme dos
Três Mosqueteiros, mas movida pela curiosidade mórbida lá fui eu ao cinema hoje para conferir essa bomba. É ruim, muito mesmo, e é até difícil conseguir resenhar aquele negócio. Consegui rir em um ou dois momentos pelo extremo ridículo da coisa, ou de nervoso boa parte do tempo. E o filme já abriu falando que Richilieu, malvadão, estava tentando arrastar a França para a guerra e assumir o poder. Mexi na cadeira, afinal, quem escreveu esse prólogo consegue juntar duas informações antagônicas que o rei, pai de Luís XIII, foi assassinado e que a França vinha de um longo período de paz. E as Guerras de Religião que dilaceraram o país? Alguém esqueceu de pagar um consultor de história ou de dar uma olhadinha na Wikipedia. Mas o surpreendente era ver gente vibrando, especialmente duas velhinhas que estavam umas duas fileiras na frente. Aliás, acho que segunda-feira é o dia em que há mais idosas nas sessões. Semana passada foi a mesma coisa. OK, vamos deixar de embromação e comentar o filme.
O filme começa com uma apresentação bem pulp dos mosqueteiros. Mistura de ninjas com 007 e personagens dos filmes da série Matrix, o grupo está em Veneza para conseguir se apoderar de planos de uma arma secreta bolada por Leonardo Da Vinci (*Quem mais?*) e guardada em uma câmara secreta. O elemento estranho é a presença de Milady, belíssima na forma de Milla Jovovich. Ela luta, é ousada e usa um figurino espetacular. E, no início do filme, ela está aos beijos e abraços com o Athos interpretado por Matthew Macfadyen. Aliás, abramos um parêntese aqui: Por que esse homem é escalado para interpretar a maioria das minhas personagens favoritas da ficção? Darcy (*Ouça o
Shoujocast sobre Orgulho & Preconceito*), Philip (*
Pilares da Terra*) e, agora, o Athos? E, o pior, apesar de ser um excelente ator (*e com uma voz...*), as produções sempre deixam muito a desejar... Muito mesmo! Mas voltemos ao plot...
O grupo se apodera dos planos secretos em uma seqüência de ação que parecia anunciar outras de igual quilate, isto é, grandiosa, absurda e cheia de obviedades. Depois disso, Milady trai os mosqueteiros e passa os planos para um Duque de Buckingham ridículo interpretado pelo fraquíssimo Orlando Bloom. Salto no tempo, entra D’Artagnan e temos, em linhas muito gerais, a trama do livro. O jovem gascão vai para Paris juntar-se aos mosqueteiros e, no caminho, encontra-se com Rochefort. Humilhado, ele só não é morto porque Milady aparece. Em Paris, ele cruza com os três mosqueteiros e, depois de um mal entendido, se torna amigo dos lendários Athos, Porthos e Aramis.
O jovem gascão apaixona-se por Constance – transformada no filme de costureira humilde em dama de companhia da Rainha – e termina envolvido em uma das tramas do Cardeal para desacreditar Ana da Áustria diante do Rei. Para salvar a honra da Rainha, D’Artagnan e os Três Mosqueteiros partem para a Inglaterra com o objetivo de recuperar uma jóia que estaria em poder do Duque de Buckingham. O Cardeal, obviamente, fará de tudo para impedi-los com a ajuda de sua agente, Milady De Winter. Junte a isso uns navios voadores, piadas sem graça, roteiro fraco, diálogos idiotas, mau uso das seqüências de ação e a eliminação precoce da personagem mais divertida – Milady – e temos um filme muito, muito, muito fraco.
Embora as personagens sejam as mesmas – D’Artagnan, Athos, Porthos, Aramis, Constance, Ana da Áustria, Buckingham, Luís XIII, Planchet, Rochefort, Richilieu e, claro, Milady – tudo é diferente e de qualidade duvidosa. O Cardeal, interpretado de forma convincente por Christoph Waltz, é a coisa única plenamente reconhecível na bagunça que foi o filme. Ele traz as características da personagem de Alexandre Dumas com os acréscimos que já se tornaram recorrentes na cultura pop (*perfídia, inveja, megalomania, etc.*), tudo com uma pitadinha de humor, e olhares e gestos que acredito terem sido acréscimo do ator. Eu gostei do Cardeal, ele é divertido e o final da personagem foi a única coisa que não me decepcionou. A Milady de Jovovich de tão absurda é divertida, só que alguém teve a idéia de eliminá-la do filme quando ela poderia ser muito útil para a ação. Foi uma cena tão sem graça que... Ah, não vou dar spoiler, não. Assumindo que a coisa toda era levemente baseada no livro original, Milady poderia ser épica... Não foi. E chegamos por isso ao Athos de Macfadyen.
Athos é meu mosqueteiro favorito. Quando li o livro a primeira vez, lá com meus treze anos, eu preferia o Aramis (*que na minha cabeça tinha o rosto do Richard Chamberlain*), mas conforme fui lendo os outros livros e amadurecendo, Athos se impôs como o meu preferido. O drama de Athos era uma das coisas mais pungentes da história de Dumas. Nobre e jovem, ele se casou com uma bela mulher para, depois de algum tempo, descobrir que se tratava de uma criminosa. Ele tenta matá-la em seu desespero e vergonha, deixando para trás o seu nome e fortuna, para de tornar um dos mosqueteiros do Rei. Mal humorado, descrente do amor, ele exagera na bebida. Seu reencontro com Milady no livro é dramático. O Athos desse filme, que tem mais espaço que os outros mosqueteiros, é medíocre. O cretino fica deprimido e revoltadinho, só porque Milady passou para o lado do inimigo. Como ninguém explica nada do passado dos dois, não dá para entender o tamanho da revolta do sujeito. Como saber se eles tinham alguma história juntos? Deu até saudades do
filme de 1993 (*que quase me fez levantar e ir embora do cinema na época*), porque ainda que mediano, ele virou pelo avesso a história de Athos e Milady. E se ela fosse inocente? Injustiçada? E se Athos com seu ciúme e orgulho a tivesse empurrado para o crime. Vejam bem, a Milady de Rebecca De Mornay não era nenhuma coitadinha, era uma agente capaz de tudo, mas tinha sido empurrada para o crime pela atitude machista dos homens de sua juventude. Na época eu não era capaz de entender o quanto essa virada era revolucionária. E coisas assim tornam o filme de 2011 ainda mais decepcionante e ridículo.
Sei lá, nem vale muito a pena comentar mais. Detestei o Rei Luís XIII fashionista e xiliquento. A voz da atriz que fazia a Ana da Áustria era difícil de aturar, muito mesmo! Tornarem o Duque de Buckingham vilão e ridículo foi inesperado e absurdo. E eu queria que aquele cabelinho besta do Orlando Bloom pegasse fogo. O duelo entre D’Artagnan e Rochefort foi longo demais, chato e, enfim, descobri que quase todas as boas seqüências de ação estavam no trailer. Transformar os mosqueteiros em beberrões, sujos, endividados que dividiam um apartamento num cortiço foi grotesco. Aliás, a história da dissolução dos mosqueteiros foi muito mal contada, e parece ter sido tomada de empréstimo do filme de 1993. A diferença é que no outro filme se deram ao trabalho de explicar como a corporação foi dissolvida por um ardil do Cardeal. E outra coisa, mosqueteiros vestem azul, mas alguém cismou que é cool usar couro preto... Pode até ser, mas somente em alguns contextos, não no século XVII.
O filme cumpre a
Bechdel Rule? Cumpre. Há três personagens femininas com nomes e duas delas – Constance e a Rainha – conversam. Mas são duas personagens femininas rasas e sem graça. E, como escrevi acima, a voz da atriz que faz a Rainha é pavorosa, do tipo que faria atriz de filme mudo perder o emprego quando inventaram o cinema sonoro. A personagem mais interessante é a Milady de Jovovich. Ela luta, ela é linda, e há fanservice para quem quiser ver. E, pelo menos nesse aspecto, a coisa tem qualidade. Adorei o figurino dela, também, é uma das coisas que salvam o filme de uma nota ainda mais baixa. E cortaram, claro, o casinho de D’Artagnan com Milady... Deve ter sido a censura 10 anos do filme. O curioso é que essa catástrofe termina sugerindo uma continuação. Não vi a bilheteria desse monstrengo, mas torço para que não role.
Enfim, não recomendo Os Três Mosqueteiros de 2011 para ninguém. É ruim como filme de ação, tem um roteiro muito mal arranjado e desperdiça personagens interessantes como Milady no momento em que ela seria mais útil. E não estou levando em conta o fator adaptação do livro, porque nesse aspecto a coisa é muito pior. Querem Os Três Mosqueteiros? Leiam o livro, saiu uma
nova edição comentada e ilustrada no Brasil. Querem filmes? Dos que eu vi, o melhor, incrivelmente, ainda parece ser o com Gene Kelly
de 1948. Outra opção são as duas produções –
Os Três Mosqueteiros e
A Vingança de Milady – protagonizadas por Michael York. Acho que envelheceram mais que o filme de 1948, mas, ainda assim, valem a pena. Há o filme de 1993, com Kiefer Sutherland como Athos, aprendi a ver qualidades nesse filme com o tempo. E há os filmes com os mosqueteiros “velhos”, o francês
A Filha de D’Artagnan, que é bem simpático, e o mediano
O Homem da Máscara de Ferro que teve o melhor elenco de mosqueteiros já reunido... E, bem, há o anime,
D’Artagnan e os Três Mosqueteiros. Os cachorrinhos me levaram ao livro e, até hoje, acho que é uma das mais dignas adaptações do clássico de Dumas. Viu? Há muitas opções, ninguém precisa sofrer com esse filme horroroso que está no cinema.