Passei mais de uma semana lendo o volume 3 de Ōoku, não por ser difícil, mas simplesmente porque não queria que ele terminasse. Volume novo, agora, somente em agosto. :( Enfim, quando deixamos o
volume #2, Lady Chie, futura Shogun Iemitsu, está feliz, pois encontrou o amor nos braços do ex-abade Arikoto. Enquanto isso, a varíola vermelha continua grassando pelo Japão e dizimando os jovens do sexo masculino sem distinção; a doença visita tanto as casas dos pobres quanto a dos ricos. O mundo definitivamente está mudando.
Como a felicidade em Ōoku parece não durar muito, o volume começa com Lady Kasuga avisando Arikoto que ele não poderá mais ser amante oficial da Shogun, na verdade, ele não poderá nem mais freqüentar a sua cama, pois ele não tem “semente”. Faz meses que eles mantêm uma relação íntima e Chie não engravidou. Depois de três meses de prazo, o casal tem que se separar para o bem do Shogunato e um substituto é trazido. Arikoto e Chie fazem um pacto de morte, e o monge tenta manter as aparências em público, mas destrói todo o seu quarto para descarregar a frustração. (*eu quase chorei de pena dele*)
A velha Kasuga – e Arikoto é a bondade em pessoa, pois um veneninho resolveria o caso dela – arranja um amante, filho de comerciantes, absolutamente idêntico ao ex-monge. Parecido por fora, mas vazio por dentro, o rapaz cumpre bem as suas funções e Lady Chie engravida. Isso faz com que Arikoto realmente se acredite estéril. Só que é uma menina que nasce, e o rapaz sofre um acidente ridículo (*único momento de humor do volume*) e fica entrevado. Arikoto é o único a cuidar dele, visitando-o constantemente. Por fim, depois de permitir que Chie e Arikoto voltem a dividir a cama por algum tempo, Kasuga manda buscar um samurai “da melhor linhagem”, para engravidar a moça. Ela acredita que gerar um menino é fundamental ou tudo estará perdido.
Como eu desconfiava, Gyokuei, o jovem monge que atendia Arikoto, acaba sendo introduzido na cama da Shogun. O rapaz cumpre a função a pedido de seu senhor, mas parece que acaba nascendo alguma coisa entre ele e Lady Chie. Ela passa a admirá-lo, ele a respeitá-la e acreditar que está diante de uma mulher notável. Arikoto lembra que quando Gyokuei entrou no mosteiro, um monge andarilho profetizou que ele seria pai do próximo Shogun, o que, na época, pareceu absurdo.
O volume termina com a morte de Kasuga e o fim de uma era, pois Iemitsu assume o poder como Shogun, vestida como mulher, para surpresa de seus vassalos. Na verdade, ela já vinha mostrando sua inteligência e capacidade política, a idéia de isolar o Japão definitivamente, colocando o entreposto comercial em uma ilha, foi dela. Era preciso impedir que o resto do mundo soubesse dos danos da varíola vermelha, da mortandade dos homens, e conseqüente fraqueza do país. Só faltava que Kasuga, que resistia à idéia de dar o poder a uma mulher (*embora ela mesma exercesse ativamente o poder por trás do trono*), morresse. Iemitsu tem todas as capacidades para reinar e certamente uma revolução acontecerá no volume 4.
É importante ressaltar que Fumi Yoshinaga mostra o que está acontecendo fora do castelo, de como as mulheres estavam substituindo os homens em todas as atividades, liderando os negócios, arando as fazendas. Os filhos homens, agora muito raros, são protegidos como tesouros, prostituídos por alto preço e o distrito do prazer está cheio de homens velhos, desesperados ou doentes, mas capazes de dar aquilo que as mulheres precisam, um filho ou filha.
Ela mostra, também, a incapacidade de alguns para se adaptar, como o pai que deseja que o filho assuma os negócios da família, e a grande fome que se abateu sobre parte do país. A penúria do povo, Iemitsu presencia em sua escapada do palácio. E ela sabe que precisa fazer alguma coisa. Então, Yoshinaga apresenta decisões reais do governo da época – como a proibição que os Ocidentais possam entrar no Japão, que comentei acima, ou que os camponeses vendam suas terras – como conseqüência do avanço da doença.
Outra coisa que Yoshinaga mostra é a função das mulheres em manter as tradições, especialmente as mulheres idosas. Assujeitadas, elas são fundamentais para a manutenção das relações patriarcais, educando as crianças, oprimindo as mulheres mais jovens, adulando os filhos adultos. Reproduzindo, portanto, tudo o que fizeram com elas na juventude. E isso vale tanto para uma família camponesa, e quando a avó morre fica muito mais fácil enfrentar os novos tempos, quanto para a realeza.
Kasuga não admite que os grandes senhores possam passar o poder para as suas filhas. E, olha que eles só queriam fazer isso por uma geração (*bobinhos*), até que se produzissem os meninos necessários. As reflexões de Kasuga nesse momento são importantes: permitir a poligamia criaria senhores poderosos demais, concentrando terras em suas mãos e colocando o Shogunato em risco; fazer desaparecer linhagens também seria terrível, pois culturalmente os japoneses valorizam muito a família; mas admitir que mulheres assumam o poder em casas samurais jamais! Só que vários senhores já estavam obrigando suas filhas a serem filhos, sem revelar o engodo. Agora, com Iemitsu no poder, as coisas serão diferentes, o penúltimo quadro é exatamente o close em uma dessas mulheres travestidas.
Fora isso, Arikoto começa a organizar o Ōoku, promover atividades para dar alento para os homens encarcerados por toda a sua vida. Só que, segundo a narração, ele está lançando as bases para o harém fútil e que consome as divisas do Shogunato que vemos no
volume 1. Por fim, Masasuke, filho de Kasuga que fingia ser o Shogun para os vassalos por trás do biombo, começa a escrever a Crônica de um Dia Agonizante.
É isso, enfim, é difícil saber como a história vai se desenvolver, mas Ōoku está cada vez melhor. Não gostaria de ver Arikoto abandonado pela Shogun, que cada vez mais mostra competência, mas, também, um coração duro. Também seria muito triste ver Gyokei traindo seu mestre. Arikoto, como eu disse, é a bondade em pessoa. Aguardo ansiosamente pelo próximo volume, e volto a repetir que o único defeito de Ōoku até agora é a temporalidade, 80 anos pode não ser muito tempo para as mudanças radicais que Fumi Yoshinaga descreve, mas é pouco tempo para que todos esqueçam o passado e o mundo dominado por homens.